O partido Conservador escolheu nesta terça-feira (23/07) como novo líder e, consequentemente, novo premiê britânico o ex-ministro Boris Johnson. Ele substitui, a partir de quarta (24/07), a atual premiê Theresa May, que renunciou ao cargo após três tentativas fracassadas de aprovar a saída do Reino Unido da União Europeia (UE) no Parlamento.
Johnson, que disputou a liderança do Partido Conservador com Jeremy Hunt, é ex-prefeito de Londres, fã de Winston Churchill e frequentemente comparado ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, por conta de declarações ofensivas que deu ao longo da carreira política.
Filho de um casal britânico, o primeiro-ministro nasceu nos Estados Unidos em junho de 1964, mas rejeitou a cidadania norte-americana em 2016. Johnson é um forte defensor do Brexit e disse que o Reino Unido, em seu governo, vai sair da União Europeia na data limite de 31 de outubro – com ou sem acordo.
Alexander Boris de Pfeffel Johnson é bacharel em Artes pelo Eton College e pelo Balliol College de Oxford, onde cursou estudos clássicos. Mesmo graduado em outra área, Johnson iniciou profissionalmente como jornalista no Daily Telegraph. Ele ainda escreve para o jornal como colunista.
O agora premiê, invariavelmente, é sempre lembrado pelos cabelos loiros desarrumados, as frases desastradas e a desconfiança de seus próprios aliados. Em maio, por exemplo, o jornalista Martin Fletcher escreveu no jornal New Statesman que Johnson é “um mentiroso congênito, desleal, indigno de confiança irresponsável e caótico”. Fletcher ainda afirma que aqueles que conviveram com ele “sabem muito bem disso”.
Em 2018, o ex-vice-premiê do governo John Major (1990-1997), Lorde Heseltine, definiu Boris Jonhson com uma anedota. “[Johnson] Espera para ver a maneira como a multidão está correndo e então, corre na frente.”
Carreira no jornalismo
No primeiro jornal em que trabalhou, o periódico londrino The Times, Johnson foi demitido após um ano. Em um dos artigos que escreveu, o jovem jornalista inventou uma declaração do próprio padrinho, o historiador Colin Lucas, de que o rei Edward II mantinha um relacionamento com um homem. A aproximação do rei com seu suposto amante teria acontecido em um palácio que havia sido até pouco tempo antes descoberto por arqueólogos. Descobriu-se depois, no entanto, que o “amante” estava morto já fazia 13 anos quando o palácio foi construído.
Após sair do Times, Johnson foi enviado a Bruxelas pelo jornal The Telegraph, como correspondente para assuntos da União Europeia de 1989 a 1994. Fletcher, o mesmo jornalista que o chamou de mentiroso, disse, em 2017, que a missão de Boris era “inflamar o euroceticismo” e “desacreditar a UE em todas as oportunidades”.
Nas reportagens que escrevia ao jornal, Johnson chegou a dizer que a sede da Comissão Europeia deveria ser “explodida”. Em outro, escreveu que os tamanhos dos preservativos na União Europeia deveriam ser “padronizados”. Quando voltou para Londres, chefiou o jornal The Spectator de 1999 a 2005.
Do jornalismo à política
Ainda como chefe do Spectator, Johnson se lançou na política e, em 2001, foi eleito para o Parlamento britânico ao conquistar uma cadeira por Henley-on-Thames (a 60 km a oeste de Londres).
O agora premiê tem uma carreira política marcada por confusões matrimoniais e casos extraconjugais, para alegria dos tabloides ingleses.
Em seu primeiro casamento com Allegra Mostyn-Owen, em 1987, Johnson teve que pedir emprestado à Igreja calças e abotoaduras para que pudesse usar no dia e conseguir ir até o altar. Antes da cerimônia, perdeu as alianças que seriam trocadas com a noiva e, na hora do discurso, um convidado aterrissou com um helicóptero enquanto o casamento acontecia. Mostyn-Owen disse, depois, que o casamento marcou “o fim do relacionamento no instante em que começou”. Eles se separaram em 1993.
Em 2004, já casado com a advogada Marina Wheeler, descobriu-se que Johnson mantinha relações extraconjugais com a jornalista Petronella Wyatt, que afirmou anos depois ter feito um aborto enquanto esteve com o primeiro-ministro. O escândalo provocou o afastamento por um ano do então deputado da vice-presidência do partido.
No final de 2018, Johnson e Wheeler, que tiveram quatro filhos, anunciaram a separação, após um relacionamento marcado por mais casos extraconjugais. Atualmente, ele namora Carrie Symonds, ex-conselheira especial do governo.
Tom Page/ Flickr
Boris Johnson, 55 anos, é o novo primeiro-ministro do Reino Unido
Prefeito
Quando já não estava mais na chefia do jornal, Johnson decidiu em 2007 se candidatar à prefeitura de Londres. A cidade era comandada por Ken Livinsgtone, do Partido Trabalhista, que concorria à reeleição.
Em 2 de maio de 2008, Johnson ganhou a eleição com 53% dos votos, anunciando que seria um “prefeito presidente”.
Ele ficou por oito anos no comando da capital inglesa. Nesse tempo, deixou de cumprir várias promessas de campanha. A principal marca de sua gestão, as bicicletas públicas que ficaram conhecidas como “Boris bikes”, era, na verdade, um projeto da época de Livingstone. Segundo o jornal britânico The Guardian, oito obras feitas na gestão de Johnson custaram cerca de 940 milhões de libras (R$ 4,4 bilhões).
As obras da Garden Bridge, que passava por cima do rio Tâmisa, por exemplo, custaram cerca de 53 milhões de libras (R$ 247 milhões). A ex-ministra do Trabalho Margaret Hodge, que foi responsável pela revisão do projeto, afirmou ser “irresponsável” a forma que Johnson usava o dinheiro público.
À frente da prefeitura, a tarifa média do transporte aumentou 4,2%, mesmo após Johnson afirmar durante eleição que essas taxas não seriam reajustadas. Em 2012, nas Olimpíadas de Londres, o prefeito resolveu comemorar a primeira medalha de ouro do país e saltou de uma tirolesa no Parque Olímpico. Com capacetes, e segurando duas bandeiras da Inglaterra, Johnson perdeu o impulso, parou e ficou preso no fio do brinquedo.
“Se qualquer outro político em qualquer parte do mundo estivesse preso em uma tirolesa, seria um desastre. Para Boris, é um triunfo absoluto”, disse, na época, o então primeiro-ministro David Cameron.
Brexit
Quando, em 2016, Cameron realizou um referendo para decidir se o Reino Unido deixaria a União Europeia, Johnson se tornou um dos mais fortes defensores da saída do bloco.
No começo do Brexit, Johnson não havia se decidido sobre a posição que ocuparia: se continuaria ao lado de Cameron (contra a saída) ou a favor. Em uma jogada política, visando a liderança dos Conservadores, aderiu à saída do país e rompeu com apoio ao primeiro-ministro. “Eu estarei defendendo o voto de deixar o bloco… porque eu quero um acordo melhor para as pessoas deste país, para poupar dinheiro e assumir o controle”, afirmou, na época.
Johnson se tornou uma liderança não oficial na campanha pró-Brexit junto com outras personalidades políticas. Com o resultado favorável à saída da Inglaterra do bloco europeu, Johnson foi cotado para ocupar o cargo de primeiro-ministro depois que Cameron anunciou que renunciaria – o então premiê era defensor da permanência na União Europeia.
Mas, no caminho de Johnson, estava o então ministro da Justiça, Michael Gove, uma das lideranças do Brexit. Gove decidiu lançar sua candidatura ao cargo e disse que não confiava no poder de liderança do ex-prefeito de Londres – com quem havia trabalhado na campanha pela saída do Reino Unido da UE. O ministro afirmou que Johnson não teria capacidade de construir uma equipe que o ajudasse na tarefa do Brexit. O ex-prefeito, então, se retirou da disputa.
Na competição interna do partido, Gove não teve votos suficientes para continuar na eleição para sucessão de Cameron. Theresa May venceu a indicação do partido e se tornou a primeira-ministra do Reino Unido. Johnson foi escolhido por May para ser o novo secretário das Relações Exteriores do país.
Em meio a desavenças públicas com a primeira-ministra, Johnson ficou por dois anos como secretário. Segundo ele, a primeira-ministra deveria ter “mais coragem” em relação ao acordo de saída da UE.
Giorgio Romano, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), afirma que o percurso de Johnson até a chegada no governo inglês foi “trabalhado desde o início por ele”.
“Não era para Johnson estar no campo do Brexit, ele estava com o Cameron no começo. Ele cheira o que está acontecendo e jogou muito contra o Brexit de May”, disse.
'Mini-Trump' europeu
Em diversas ocasiões, a postura de Johnson revelou posições machistas, homofóbicas, racistas e islamofóbicas. Em 2007, quando Hillary Clinton concorria à presidência dos Estados Unidos, o primeiro-ministro a comparou com uma “enfermeira sádica em um hospital psiquiátrico”.
Em 2016, ele disse que o então presidente dos Estados Unidos Barack Obama era contra o Brexit pela “antipatia ancestral” devido à “herança queniana parcial” que teria. Dois anos depois, ele afirmou que mulheres muçulmanas que usam burcas são parecidas com “caixas de correio” e “assaltantes de bancos”.
O jornal francês Le Monde já chamou Johnson de “mini-Trump” europeu. A comparação com o presidente norte-americano, Donald Trump, não é somente pelo conservadorismo dos chefes de Estado, mas pelo fato de que, segundo o periódico, o governo de Johnson levaria a Inglaterra a se tornar um “lugar hostil, construído sobre a desregulamentação social, fiscal e ambiental”.
Para o professor Romano, o novo primeiro-ministro quer abrir uma relação com os norte-americanos e ter uma conexão “especial” com os Estados Unidos. “Se o Reino Unido sair da UE, no dia seguinte Johnson liga para Trump para fazer um acordo”, afirma.
Em junho, surgiu um vídeo de 2018 do ex-estrategista político de Trump, Steve Bannon, que alegava ter ajudado Johnson em seu discurso de renúncia como secretário das Relações Exteriores. “Então, hoje, vamos ver se Boris Johnson tenta derrubar o governo britânico”, afirmou Bannon na gravação.
Na primeira vez que foi feita uma possível ligação entre os políticos, Johnson respondeu que “quanto à chamada associação com Steve Bannon, temo que isso seja uma ilusão de esquerda, cujos esporos continuam a se reproduzir na Twittersfera”.