Os 60 anos de conflito armado na Colômbia deixaram ao menos 220 mil mortos, 5,3 milhões de desabrigados e 20 mil pessoas desaparecidas, segundo dados oficiais do relatório “Basta Ya Memoria Histórica”.
Como parte dos diálogos de paz entre o governo de Juan Manuel Santos e as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), em 16 de agosto chegou a Havana a primeira delegação de vítimas do conflito, com a finalidade de participar das negociações, que acontecem desde outubro de 2012.
No começo de outubro, porém, essa participação gerou uma consequência inesperada: ameaças de morte para três das vítimas e ataques pessoais a outras sete.
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A denúncia foi oficializada pelo diretor da ONU na Colômbia, Fabrizio Hochschild, que, além disso, ressaltou que dois membros da equipe de organização dos diálogos também receberam ameaças de morte. O funcionário ressaltou que, sem a presença das vítimas em Havana, não seria possível discutir o quinto ponto da agenda de negociações que fala especificamente de verdade e reparação às vítimas. A estes fatos, somam-se as intimidações, por parte da organização paramilitar “Águias Negras”, contra 88 defensores de direitos humanos que buscavam garantias para as delegações que viajariam a Cuba.
Agência Efe
Protesto de vítimas de crimes do Estado diante da sede do fórum regional de vítimas de Santander, em julho
Até o momento, três comissões de vítimas, da guerrilha, dos paramilitares e do Estado, que viajaram para Havana, pediram às delegações negociadoras a criação de uma subcomissão da verdade para encontrar os corpos das pessoas que desapareceram em meio ao conflito. Por sua vez, o governo e a guerrilha das FARC reconheceram que as vítimas sofreram graves violações dos direitos humanos, que infringem o direito internacional humanitário e, por isso, têm direito à verdade, à justiça, à reparação e à garantia de que os fatos não se repetirão.
“Não se pode esquecer quão difícil pode ser para as vítimas participarem do processo, não apenas para elas, mas também para suas comunidades. Precisam de muita valentia já que têm de reviver o que lhes aconteceu. Por isso, expressamos grande preocupação com as intimidações feitas a três delas. Nos preocupa que essas manifestações venham de pessoas que expressam, por diversos meios, sua rejeição ao processo de paz”, disse o diretor da ONU na Colômbia.
Ainda que sem nomeá-lo, o alto funcionário se refere ao partido do ex-presidente Álvaro Uribe, que foi objeto de um forte debate no Senado na metade de setembro, no qual foram apresentadas provas de suas relações com grupos paramilitares, acusações contestadas pelo ex-governante.
Mas o partido de Uribe não é a única força de oposição ao processo de paz: “outros opositores são alguns setores das Forças Armadas, sobretudo aqueles que cometeram delitos de guerra ou de lesa-humanidade, e também os que têm se aliado com facções criminosas”, diz o analista Ariel Ávila, analista de pesquisas sobre narcotráfico e paramilitarismo.
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Na Colômbia, 340 políticos eleitos estão sendo investigados por terem ligações com organizações paramilitares, o que significa que o paramilitarismo entrou no Estado e ainda persiste dentro dele, de acordo com a pesquisa publicada pelo portal Verdad Abierta.
“Alguns desses setores se dizem ‘uribistas’ e já foram vistos desfilando em diferentes eventos sociais. A grande preocupação, em todo caso, se refere à forma como atuarão, já que se o fazem em paz e por via democrática o debate será aberto; o preocupante é que passem para as vias de fato”, aponta Ávila.
Agência Efe
Cartazes com imagens de vítimas da guerra civil colombiana
A violência paramilitar na Colômbia provocou cerca de 60 mil graves violações dos direitos humanos, tais como homicídios, esquartejamentos e massacres em diferentes regiões do país. O grosso dos paramilitares se desmobilizou em uma negociação com o governo anterior, do presidente Álvaro Uribe (2002-2010), mas, de acordo com um estudo do Associação de Advogados José Alvear Restrepo, até hoje menos de 2% deles foram condenados por seus crimes.
“Assim, e com mais de dez mil neoparamilitares em atividade (que as autoridades não reconhecem), é evidente que o processo realizado pelo governo de Uribe com esses grupos não produziu a paz, se levarmos em conta a desmobilização de um número discutível de combatentes. Apesar de não deixar de reconhecer algumas conquistas, como o descobrimento de quase 4.000 cadáveres e a confissão de mais de 57 mil delitos, não há dúvida de que a meta de verdade, justiça e reparação, está muito distante”, analisa o jurista Gustavo Gallón.
A construção da paz no meio da guerra
Nesses 22 meses de diálogos em Havana, foram consolidados quatro dos seis pontos relevantes na agenda de negociações para chegar à saída negociada do conflito armado da Colômbia.
Para o representante do partido Pólo Democrático Iván Cepeda, o êxito do processo de paz pode dividir o país em dois momentos históricos: entre uma época de grande violência, como aconteceu em processos de paz anteriores que falharam, e uma era na qual, a começar por um tratado de paz, a Colômbia poderia dar um passo para uma fase de pós-conflito.
“O obstáculo mais significativo para a paz é que há setores da ultradireita que estão dispostos a fazer qualquer tipo de coisa e empregar qualquer tipo de método para que isso se frustre. A onda de atentados, ameaças e circunstâncias que têm se apresentado nos últimos tempos, para mim, são explicadas em relação a esse processo”, afirma.