A vitória do PQ (Partido Quebequense) na eleição legislativa da província canadense do Québec, realizada na última terça-feira (04/09), não deverá recolocar o tema da independência como prioritário, diferentemente de outras oportunidades em que a legenda separatista chegou ao poder.
De acordo com professores e ativistas entrevistados pelo Opera Mundi, os habitantes da província estão mais preocupados em saber como a nova premiê, Pauline Marois, pretende reestruturar e fortalecer as estruturas do estado, principalmente no setor da Educação.
“Não há possibilidade desse tema voltar à pauta agora. Mas, se isso ocorresse, espero que não eclipse outras questões debatidas nos últimos meses, principalmente sobre a defesa das instituições públicas e o papel dos serviços sociais”, afirma Christian Nadeau, professor de Filosofia Política da Universidade de Montreal. Para ele, os últimos nove anos de governo liberal provocaram um desmantelamento das instituições públicas, que passaram por uma reengenharia privatizante, seguindo o exemplo do governo federal canadense.
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No entanto, algumas propostas da nova primeira-ministra tocam o tema da independência de maneira sensível, o que já provoca reações dos defensores do federalismo – uma delas, terminando em tragédia.
“A questão da soberania é, algumas vezes, colocada de uma maneira em que ela parece ter maior importância do que outros temas, e não é bem assim. Se ela reaparecer, é provável que isso não ocorra como uma demanda tão nítida quanto alguns nacionalistas queiram [como a convocação de novo referendo]. Porém, é bem provável que ela retorne sob a forma de um debate sobre a identidade”, diz Nadeau.
Para a maioria dos estudantes, que estão no epicentro dos protestos que provocaram a queda do governo liberal e do premiê Jean Charest (que não conseguiu nem ser eleito ao Parlamento), o momento está longe de ser o mais apropriado para essa discussão. Segundo Camille Robert, porta-voz da CLASSE (sigla em francês da Coalizão Ampla por uma Associação Estudantil Solidária e Sindical), maior associação estudantil da província, não há qualquer orientação oficial. “Embora para muitos estudantes esse tema seja vital, a prioridade é a luta social que estamos travando agora, bem mais importante que o tema da soberania. Há outras associações estudantis ligadas a associações federais que não abordam esse tema.”
Agência Efe
A nova premiê da província do Quebec, Pauline Marois, cumprimenta militantes soberanistas
Marois sempre deixou claro que o objetivo final do PQ é a independência do Québec do restante do Canadá, mesmo que a proposta tenha sido recusada duas vezes em referendo, o que gera tensão e protestos nas comunidades onde a maioria das pessoas tem o inglês como língua nativa (cerca de 20% da população) ou é favorável à permanência com os canadenses.
Nesta eleição, Marois não falou em novo plebiscito e tratou muitas vezes o tema de forma dúbia. Apresentou, porém, uma proposta que, teoricamente, enfraquece ainda mais os laços entre a província e o Canadá. Seu projeto é, já nos primeiros cem dias de governo, fortalecer a Lei 101, também conhecida como a “Carta da Língua Francesa”. Atualmente, entre outras medidas, ela estabelece a obrigatoriedade de estabelecer a língua francesa para empresas na província com mais de 50 funcionários, número que Marois pretende diminuir para 11.
A carta também seria aplicada às escolas secundárias, técnicas e supletivos para adultos. A lei, datada originalmente em 1977, tem o objetivo, segundo a nova premiê, de “garantir a identidade cultural do Québec” e determina que, enquanto o Canadá seja oficialmente bilíngue, o francês seja a língua comum utilizada em todas as esferas da vida na província.
Em razão da proposta, ocorreram vários pequenos protestos envolvendo menos de 50 pessoas, todas anglófonas, acusando Marois de querer dividir a sociedade.
Comemoração e tragédia
Um caso emblemático dessa tensão voltou a ocorrer na noite de terça-feira, durante a cerimônia de comemoração do PQ em Montreal, que acabou ofuscada por um atentado que resultou na morte de uma pessoa. O autor, segundo informações do jornal local La Presse, é Richard Henry Bain, um homem de 62 anos, anglófono e que, ao ser capturado, começou a gritar: “Os ingleses estão despertando”, em francês com forte acento inglês.
O suposto autor matou uma pessoa a tiros, deixou outra ferida e tinha a intenção de incendiar o prédio onde o PQ comemorava o resultado da eleição, que lhe garantiu o maior número de assentos no Parlamento, mas não a maioria necessária para poder governar sozinho. Marois foi tirada do palco às pressas por seus seguranças em pleno discurso de vitória. Depois, voltou e pediu à plateia que se retirasse com calma do local.
Sob a iniciativa do PQ, a população quebequense realizou dois referendos. O primeiro ocorreu em 1980, quando os federalistas obtiveram uma folgada vitória por 59,6% a 41,4%. O último foi em 1995, em que um resultado de 50,6% contra 49,4% garantiu por pouco a integralidade do atual território do Canadá.
No entanto, o principal fato que dificultará os planos de Marois em seguir adiante com o processo separatista é o fato de o PQ ter obtido a liderança de um governo minoritário. Eles possuem 54 dos 125 membros do Parlamento. Os opositores do PLQ (Partido Liberal do Quebec), com 50 assentos, são firmemente contra a independência. Já a recém-formada CAQ (Coalizão Futuro do Quebec), com 19 membros, seria o fiel da balança, pois é composto por soberanistas e federalistas. No entanto, o partido defende que um novo referendo sobre o tema só volte à tona a partir de 2021. O PQ só encontraria apoio da esquerda, representada pelo Québec Solidário, que conta apenas com dois deputados.
No Québec, cerca de 80% da população tem o francês como língua nativa. New Brunswick é oficialmente bilíngue, com um terço de sua população francófona. Já as outras oito províncias são majoritariamente anglófonas (pelo menos 90% tem o inglês como língua majoritária). No entanto, a língua é apenas a razão mais nítida que move os sentimentos separatista e federalista, baseada em diferenças históricas, culturais, identitárias, sociais e políticas.