Mensagens confidenciais reveladas pelo grupo ativista Wikileaks, mostram que o governo norte-americano considera o MRE (Ministério das Relações Exteriores) do Brasil um adversário que adota uma “inclinação antinorte-americana”. Os telegramas foram divulgados no Brasil pelo jornal Folha de S.Paulo nesta terça-feira (30/11).
Os telegramas também mostram que, para os EUA, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, é um aliado, em contraposição ao Itamaraty. Jobim, que continuará no cargo durante o governo da presidente eleita, Dilma Rousseff, é elogiado e descrito como “talvez um dos mais confiáveis líderes no Brasil”.
Reprodução
Trecho de um dos memorandos elaborados pelo ex-embaixador dos EUA no Brasil, Clifford Sobel
Em documento enviado no dia 25 de janeiro de 2008, o então embaixador norte-americano em Brasília, Clifford Sobel, relata aos seus superiores como havia sido um almoço com Jobim dias antes. No encontro, o ministro brasileiro teria contribuido para reforçar a imagem negativa do MRE frente aos norte-americanos.
Indagado sobre acordos bilaterais entre os dois países, Jobim mencionou o então secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães. Segundo o relato de Sobel, “Jobim disse que Guimarães 'odeia os EUA' e trabalha para criar problemas na relação [entre os dois países]”.
Já em memorando datado de 13 de março de 2008, Sobel afirma que o Itamaraty trabalhou ativamente para limitar a agenda de uma viagem de Jobim aos EUA. Ao tratar sobre essa visita, realizada entre 18 e 21 de março de 2008, os EUA afirmaram que “embora existam boas perspectivas para melhorar nossa relação na área de defesa com o Brasil, a obstrução do Itamaraty continuará um problema”.
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Combate ao terrorismo
Outros telegramas enviados pela embaixada dos EUA em Brasília para Washington revelam que, embora o governo brasileiro sempre tenha negado a existência de atividades terroristas no país, a polícia federal e a ABIN (Agência Brasileira de Inteligência) seguem recomendações do serviço de inteligência norte-americano para realizar operações de combate ao terrorismo no país desde 2005.
“A Polícia Federal frequentemente prende indivíduos ligados ao terrorismo, mas os acusa de uma variedade de crimes não relacionados a terrorismo para não chamar a atenção da imprensa e dos altos escalões do governo”, segundo mensagem enviada por Sobel em janeiro de 2008.
De acordo com o relatório enviado a Washington, o general Armando Félix diz ser importante que as operações de anti-terrorismo sejam “maquiadas” para não afetar negativamente a “orgulhosa” e “bem-sucedida” comunidade árabe no Brasil, presente principalmente na Tríplice Fronteira entre Paraguai, Brasil e Argentina.
“A sensibilidade ao assunto resulta em parte do medo da estigmatização da grande comunidade islâmica no Brasil ou de que haja prejuízo para a imagem da região como destino turístico. Também é uma postura pública que visa evitar associação à guerra ao terror dos EUA, vista como demasiado agressiva”, afirmou Sobel, que ocupou o cargo de embaixador entre 2006 e 2010.
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Pouco antes, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional havia agradecido o apoio dos EUA por meio do RMAS (Regional Movement Alert System), sistema que detecta passaportes inválidos, perdidos ou falsificados. A partir de informações do RMAS, a ABIN e a PF estariam monitorando “indivíduos de interesse” no país.
“Além das operações conjuntas, o governo brasileiro também está pedindo que filhos de árabes, muitos deles empresários de sucesso, vigiem árabes que possam ser influenciados por extremistas ou grupos terroristas”, diz o relato. Para Félix, é de total interesse da comunidade “manter potenciais extremistas na linha”, evitando assim chamar a atenção mundial para os árabes brasileiros.
Segundo o telegrama enviado pelo ex-embaixador Sobel em 8 de janeiro de 2008, a preocupação em não admitir atividades suspeitas de terrorismo seria maior ainda dentro do MRE que, assim como o governo brasileiro, considera o partido libanês Hezbollah e o palestino Hamas partidos legítimos, e não terroristas. Por isso, disse ele, o Brasil participa “relutantemente” das reuniões anuais sobre segurança que reúne diplomatas, oficiais de segurança e inteligência da Argentina, Paraguai e Brasil com os EUA para discutir segurança na fronteira.
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