Imagem via Studio
Muitas tardes chuvosas de muitas crianças (e muitas madrugadas de muitos marmanjos) foram dedicadas a partidas intermináveis de jogos de tabuleiro como “War”, “Banco Imobiliário” e “Jogo da Vida”. Com “Jogo da Vida” entendíamos que ser médico ou advogado era maior garantia de sucesso do que ser professor; em “Banco Imobiliário” (tristemente rebatizado de “Monopoly”, nome da versão original), aprendíamos que o Morumbi vale mais do que a Rua Augusta; e “War” nos mostrava que brincar de império e amealhar territórios pelo mundo pode te custar alguns amigos, mas também pode ser bem divertido.
Todos esses jogos se propunham como simples divertimento – mas suas regras e dinâmicas de jogo passavam mensagens ideológicas bastante claras. Alguns jogos, porém, foram criados com o único propósito de educar sobre política e sociedade. É o caso do “The Game of Urban Renewal”, do canadense Flavio Trevisan. Segundo a revista italiana Studio, a obra se propõe como sátira, arte e entretenimento, e não fixa um número limite de participantes – quanto mais gente, mais caos, e assim a experiência de administrar e planejar uma cidade fica mais realista. Cada jogador escolhe um personagem: conselheiro municipal, ativista político, mendigo, urbanista, prefeito, gari… A “Decision Engine Wheel” é a roleta que decide que estrutura construir – escolas, prédios, shopping centers, etc – ou que construção virá abaixo. O jogo é virtualmente infinito: não há vencedores nem perdedores, nem objetivos específicos. Ele só acaba quando “todos os participantes abandonam o jogo ao se darem conta de que é tudo inútil, kafkiano e impossível”.
NULL
NULL
Um dos pioneiros entre os jogos de tabuleiro engajados é “Blacks and Whites”, criado pela revista Psychology Today nos anos 1970 com o objetivo de ressaltar as enormes diferenças entre os cidadãos brancos e negros nos Estados Unidos na época, mas que se revela bastante atual. É uma espécie de “Banco Imobiliário” em que cada jogador decide se quer ser branco ou negro: os brancos começam o jogo com um orçamento de 100 mil dólares e podem comprar qualquer terreno, e os negros são excluídos de algumas zonas e saem só com 10 mil dólares no bolso. A casa da prisão também tem a sua particularidade: se o jogador é branco, basta pagar a fiança e voltar a jogar; se é negro, perde a vez e passa uma rodada sendo interrogado pela polícia. Ao contrário do “Urban Renewal”, uma partida de “Blacks and Whites” dura bem pouco e já se sabe desde o início quem será o vencedor.
Imagem via Studio
Já “Class Struggle”, criado em 1978 por Bertell Ollman, professor da Universidade de Nova York, trouxe o socialismo para o tabuleiro. O jogo também se inspirava em “Banco Imobiliário”, mas os jogadores deviam enfrentar as injustiças do capitalismo. Seu objetivo era “ensinar sobre a natureza obscura do capital e preparar os jogadores para a luta de classes”. O próprio Ollman já declarou que a sua ideia não foi assim tão original, já que a versão original de “Monopoly”, criada por Elizabeth Maggie, era movida por um forte espírito anticapitalista. O jogo na verdade deveria se chamar “Landlord” (“Proprietário”), e uma versão de 1925, anterior à sua comercialização, iniciada em 1933, continha um manual de instruções que dizia que o jogo tinha sido criado “para demonstrar todo o mal causado pela propriedade privada”. Mas eis que a empresa Parker Brothers comprou a ideia e o transformou no jogo capitalista por excelência, em que o importante é acumular terras, imóveis e dinheiro – e se você conseguir arruinar os seus amigos no processo, tanto melhor.