Sunday Assembly / Facebook
Reunião da Sunday Assembly, a 'igreja ateia', em setembro de 2013 em Londres
A Sunday Assembly [Assembleia Dominical] chegou às manchetes do mundo todo em 2013 como a nova igreja ateia de Londres. Os organizadores rejeitam a alcunha: segundo eles, a SA não é exatamente uma igreja ateia, mas uma comunidade que busca ser “radicalmente inclusiva”.
O estatuto da instituição esclarece que a Sunday Assembly “não tem deuses. Nós não trabalhamos com o sobrenatural, mas também não iremos julgá-lo se você o faz”. Seu símbolo é um triângulo envolvido por três frases: “Viva melhor. Ajude com frequência. Indague mais.” Ela seria parte de uma tendência entre ateus no sentido de explorar o que há de melhor na religião, deixando de lado aspectos sobrenaturais.
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A norte-americana Teresa MacBain, ex-pastora da Igreja Metodista nos Estados Unidos, ajuda ateus a estabelecer grupos semelhantes a igrejas e que proporcionem o apoio comunitário e os rituais que cativam adeptos de diferentes religiões. Ela acredita que a Sunday Assembly seja apenas uma das formas que esta ideia pode assumir. Na entrevista a seguir, MacBain discute seu trabalho e o movimento pelas igrejas seculares.
AlterNet: Você se apresenta como consultora de criação de comunidades seculares. O que isso significa?
Teresa MacBain: Meu objetivo é ajudar pessoas sem religião a criar vínculos. Desde que deixei a igreja e me declarei publicamente ateia, há três anos, muitos grupos me contataram dizendo querer ter um lugar onde pudessem se conectar com outras pessoas, algo parecido com o que a igreja proporcionava. Eles queriam descobrir se uma comunidade assim poderia funcionar. As pessoas me pedem auxílio desde sobre como conseguir o status de entidade sem fins lucrativos até como organizar encontros nos fins de semana e atividades em dias úteis. É exatamente isso que eu fazia como pastora e é isso que os pastores fazem todos os dias: criar e sustentar uma atmosfera na qual as pessoas se sintam à vontade para estabelecer vínculos, crescer e compartilhar suas vidas com pessoas de opiniões semelhantes.
Associações ateias e humanistas existem há décadas. Qual é o elemento novo deste movimento?
TMB: Há o desejo de estabelecer conexões mais profundas. Em Tallahassee, na Flórida, eu frequentava semanalmente encontros para ateus. Tínhamos palestras e lanches coletivos. Mas o que eu vejo hoje é que as pessoas estão querendo explorar a possibilidade de construir uma comunidade usando métodos já testados e bem eficientes – como cantar em grupo.
Há um motivo pelo qual as igrejas usam música. Eu já fui à igreja muitas vezes depois de ter tido um dia desagradável. Eu entrava afobada e irritada, mas depois de uma ou duas canções, meu humor já era outro. A música me transforma. A música penetra nossas emoções de um modo que as palavras não conseguem.
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As Sunday Assemblies já existem em 63 cidades diferentes, no mundo todo, sempre organizadas por voluntários locais que se empolgaram com a ideia. É dessas pessoas que você está falando?
TMB: A Sunday Assembly é um modelo específico que capturou a imaginação de pessoas no mundo todo. Cada grupo de organizadores voluntários acaba imprimindo um pouco de sua própria personalidade no projeto, mas se você deseja construir uma Sunday Assembly oficial, tem de acatar o estatuto da instituição.
As comunidades cresceram e isto parece estar funcionando para elas. Mas não há um modelo único que funcione em qualquer lugar. Uma comunidade profundamente conectada não se resume a meros encontros, e o que eu faço é ajudar grupos a explorarem o significado disto no contexto em que estão. Onde eu vivo, por exemplo, parte do contexto é a pobreza. Em meu município, a taxa de pobreza é de 77%! Como um grupo secular poderia ajudar crianças carentes?
Então servir à comunidade de maneira mais ampla faz parte do conceito.
TMB: Sim, nós desejamos ajudar outras pessoas, e as igrejas proporcionam um espaço onde as pessoas podem se envolver em projetos sociais. A maior parte das pessoas se comove quando vê alguém passando necessidades. Elas podem pensar: “Eu vejo o problema, mas o que eu poderia fazer para ajudar?”. Um grupo de pessoas, uma comunidade, pode definir um programa, como aulas gratuitas para imigrantes ou a criação de uma horta coletiva, por exemplo. Quem é ajudado se beneficia e quem ajuda também, simplesmente por saber que é possível fazer alguma coisa. Pessoas religiosas frequentemente são acusadas de prestar serviços comunitários por razões mesquinhas: para fazer proselitismo ou obter um lugar no céu. Isto em parte é verdade, mas acho que a satisfação de ajudar é mais poderosa até mesmo do que a perspectiva de conseguir uma entrada para o céu.
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“Há um motivo pelo qual as igrejas usam música. A música penetra nossas emoções de um modo que as palavras não conseguem”, acredita Teresa
As pessoas têm problemas na vida com os quais terão de lidar sozinhas, a menos que estejam ligadas a uma comunidade. Divórcio, por exemplo. Em minha última igreja, havia um grupo dedicado a essa questão que mudou a vida de minha amiga, que estava com dificuldades em lidar com o fim de seu casamento. O simples fato de ter alguém com quem conversar pode significar muito. Ou pense sobre problemas relacionados a vícios, ou questões relacionadas à maternidade.
Uma igreja não é apenas uma igreja, e também não é um grupo de assistência ou um grupo de serviços sociais. É um sistema de apoio que perpassa profundamente cada aspecto de nossas vidas. Quando você constrói uma comunidade, há a expectativa de que haverá a hora do cafezinho ou o grupo de caminhada, casamentos, funerais e celebração de uma nova vida sempre que um bebê nasce. Estas coisas geralmente não existem em grupos de encontros. Mas elas ocorrem quando você fala sobre a construção de uma comunidade ou de uma igreja secular.
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Um potencial benefício do movimento das igrejas seculares é tornar o secularismo uma ideia “de família”. Mesmo pais que já não têm fé religiosa ainda vão às vezes à igreja porque estão em busca de uma comunidade espiritual em que possam criar seus filhos.
TMB: Eu acho que isto é muito importante porque crianças ateias nem sempre têm a oportunidade de se envolver em um ambiente onde se sintam bem-vindas e à vontade. A rede de acampamentos Quest foi criada para filhos de famílias de livres pensadores que, desde 1996, cresceu e estabeleceu quase 20 acampamentos nos EUA e na Europa. Eu trabalhei em um destes acampamentos, as crianças sempre se diziam muito gratas por poder estar com crianças como elas. Naquele espaço elas podiam falar sobre o que quiserem sem se preocupar com a possibilidade de sofrer bullying ou mesmo apanhar na escola. É crucial que uma família tenha um lugar para visitar toda semana onde seus filhos tenham esse sentimento de pertencimento, onde possam se reunir em um lugar seguro e construir laços, um lugar onde elas não têm de agir como se fossem algo que não são para que sejam aceitas.
Você tem algum conselho para alguém que esteja considerando a possibilidade de se unir ou dar início a uma igreja secular?
TMB: O cristianismo foi meu mundo desde o momento do meu nascimento até os meus 44 anos. Às vezes eu me sinto como um bebê que está aprendendo a andar, e eu sei que não sou a única pessoa a se sentir assim. As pessoas são diferentes e suas comunidades são diferentes. Nem todo ateu está começando uma vida nova, como eu estou. Mas, no fundo, todos nós precisamos de um lugar onde possamos criar vínculos, um lugar onde possamos amar e que possamos chamar de lar.
Em um sentido mais amplo, estas comunidades são parte do processo de normalização do ateísmo e de aumentar a aceitação dos que não têm fé. Quando você vê pessoas se reunindo em algum projeto de serviço à comunidade, elas se tornam seres humanos, não importando se são ateus ou não. Espero que meus netos e bisnetos não tenham de passar por tudo isso para que sejam aceitos.
Tradução: Henrique Mendes
Entrevista original publicada no site AlterNet.