Sábado, 19 de julho de 2025
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O ministro da Cultura, Juca Ferreira, voltou a criticar a Lei Rouanet e prometeu reformas na pasta, com a criação de um Gabinete Digital, pensado para proporcionar maior participação e mais transparência nas decisões tomadas pelo ministério. Para Ferreira, que volta ao cargo que já ocupara entre 2008 e 2010, a legislação de fomento à cultura como é hoje dá muito poder de decisão às empresas, que controlam e escolhem, por meio da renúncia fiscal, o que será ou não financiado.

“Como está em vigor hoje, a Lei Rouanet é um engodo. Passamos seis anos discutindo uma nova formulação para a lei, com mais de 100 mil pessoas em todo o país”, disse o ministro, em encontro com midialivristas na última quarta-feira (04/03) Uma das propostas de Ferreira é a diminuição do teto para a renúncia fiscal para 80%. “As empresas, na realidade, não investem nada em cultura, apenas emprestam o dinheiro. Fazem um investimento e recuperam adiante com a renúncia fiscal”, criticou o ministro.

Christian Braga/MinC

Juca Ferreira: “As empresas não investem nada em cultura, apenas emprestam o dinheiro. Fazem um investimento e recuperam com a renúncia fiscal”

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Nesse sentido, Ferreira argumenta que é necessária uma nova formulação da lei, com os patrocinadores efetivamente financiando projetos culturais. “Uma das propostas é a criação de um Fundo Nacional de Cultura, como o existente nos EUA, Inglaterra, Espanha e Argentina, por exemplo”. Ferreira não descarta parcerias público-privadas, onde governo e empresas financiam um projeto de risco e colhem os eventuais lucros caso haja sucesso na empreitada.

Outro aspecto danoso da Lei Rouanet, na ótica do ministro, é o poder exacerbado que as empresas detêm, atrelando incentivo cultural a retorno de marketing para as companhias. “Cerca de 80% dos recursos para política cultural no Brasil vêm da renúncia fiscal. Ou seja, as empresas acabam dirigindo a escolha do que vai ou não ser financiado. Só é financiado aquilo que dá retorno de imagem para as empresas. Há estudos mostrando como as empresas que investem na Lei Rouanet reduziram suas equipes de marketing”, criticou o ministro.

A concentração de recursos foi outro ponto citado por Ferreira. “Cerca de 80% dos recursos da Lei Rouanet ficam nos estados de SP e RJ, 60% são para apoiar ações culturais nas capitais desses dois estados”. Segundo dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e do IBGE (Instuto Brasileiro de Geografia e Estatística), apenas 20% dos candidatos recebem verba da Lei Rouanet. “Ou seja, é uma concentração muito grande dos recursos”, disse Ferreira. Como exemplo de distorção, Ferreira citou a Orquestra do Ceará, que perdeu patrocínio da Lei Rouanet por colocar música popular (Luiz Gonzaga) em seu repertório — o patrocínio só vale para música erudita.

Gestão do ministério

“O ministério pede mais densidade”, afirma Ferreira. Sem citar nominalmente gestões anteriores, o ministro afirma que “existe um clima de insegurança sobre os gastos do ministério”. Mesmo com orçamento reduzido, Ferreira enfatizou a necessidade de aumentar o protagonismo da pasta diante da atual conjuntura. O ministro anunciou a retomada dos Pontos de Cultura, uma das marcas da gestão Gilberto Gil e do próprio Ferreira durante os oito anos de governo Lula.

“São 100 mil grupos de cultura no Brasil, temos que facilitar o protagonismo cultural da sociedade. Existem novas formas de organização cultural que o Estado não consegue incorporar”, explicou. Segundo Guilherme Varella, secretário de Políticas Culturais, uma das iniciativas a serem implementadas é o Gabinete Digital, uma maneira de ampliar os espaços de discussão e, ao mesmo tempo, dar mais transparência aos atos e aos gastos no ministério.

Ministro da Cultura disse que lei de incentivo deve ser redesenhada para ter empresas mais preocupadas com projetos culturais em menos com retorno de marketing

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Uma aproximação com o Ministério das Comunicações também faz parte dessa estratégia de maior diálogo com a sociedade: “Há disposição nos dois ministérios para integrar políticas de internet, comunicação e política tecnológica”. Segundo Ferreira, a política cultural não pode prescindir das plataformas digitais. “O cumprimento da meta de banda larga em 90% do país é fundamental para potencializar os pontos de cultura e de mídia livre”, explicou Juca.

De acordo com o ministro, há dois tipos de equipamentos culturais vistos com pouca atenção no Brasil: “Precisamos cuidar melhor das nossas bibliotecas e museus. É preciso melhorar o padrão dos nossos museus. Por que o brasileiro vai ao exterior para visitar o Louvre, o Museu de Arte Moderna em Nova York e não conhece os museus daqui?”. O ministro anunciou a criação de um mestrado em gestão cultural pela Casa Rui Barbosa.

Ciclo político

Na opinião de Ferreira, falta politização da classe política brasileira. “Muitos artistas falam para eu não criticar a Lei Rouanet, pois eles realmente tem a ilusão de receber algum tipo de recurso”. O ministro usou a discussão sobre a Lei Rouanet para inserir o MinC no cenário político brasileiro atual: “Há um esgotamento do ciclo político e não soubemos repactuar as forças em disputa. A relação da sociedade com o Estado brasileiro mudou”, afirmou Ferreira.

Para ele, “nada do que foi escrito nos séculos XIX e XX dá conta de entender as mudanças sociais e políticas enfrentadas no Brasil e no mundo”. Há uma emergência de um reacionarismo, racismo e violência contra a mulher com a qual precisamos lidar”. Ferreira criticou o próprio PT pela sua dificuldade em reagir a essas mudanças: “Quando a esquerda se parece com a direita, quem ganha é sempre a direita”.

“O povo percebe um Estado ineficiente e inadequado, não se reconhece nele. Não podemos ser lenientes com a corrupção e com um Estado pouco aberto à participação popular. Cabe ao MinC tomar as decisões que forem necessárias”. Segundo Ferreira, há uma conjuntura de crise do Estado, da Política e dos Partidos. Essa crise pode ser resolvida com a mediação da cultura.