Quando as tropas otomanas fizeram tombar a cidade de Constantinopla em 29 de maio de 1453 mal sabiam que estavam assinalando, além do golpe fatal no milenar Império Romano, o que viria a ser um dos marcos mais importantes da historiografia ocidental. Presente em todos os livros didáticos, a queda de Constantinopla — originalmente chamada de Bizâncio e atualmente onde fica a turca Instambul — simboliza a transição formal da Idade Média para a Idade Moderna e foi responsável pelo fim do Império Bizantino, como era conhecido o que havia restado do Império Romano no Oriente.
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Devido à situação degradada em que se encontrava a cidade, o cerco a Constantinopla começou em abril de 1453. Enfraquecido, o Império Bizantino havia sido reduzido aos arredores da capital e a áreas do Peloponeso — dificilmente resistiria ao poderio crescente do Império Otomano. E foi o que aconteceu. Exceção feita a algumas raras tropas italianas, nenhuma liderança ocidental aceitou os múltiplos pedidos de ajuda de Bizâncio. Resultado: os 5 mil bizantinos, comandados pelo imperador Constantino, mal puderam fazer frente aos 100 mil soldados otomanos e mais de 120 navios da frota, chefiados por Mehmed II, que ganharia, como prêmio por seus feitos, o epíteto de ‘Fatih’ (O Conquistador).
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Cerco e queda de Constantinopla retratados em pintura cuja autoria é desconhecida
Além de pôr fim a um império já moribundo, a queda de Constantinopla teve um impacto mundial profundo, notadamente no Ocidente. Herdeiro do Império Romano, tradicional muralha à expansão muçulmana no Oriente, o Império Bizantino deixou atrás de si um importante vazio. Entretanto, apesar de seu declínio político, o império conheceu em seus últimos anos uma profunda renovação cultural.
Numerosos historiadores avaliam que a queda de Constantinopla constituiu uma verdadeira ruptura, marcando o fim da Idade Média e o advento da Renascença. Na verdade, a “Nova Roma”, afetada pela peste de 1347, perdera a prosperidade econômica e o dinamismo demográfico que conhecera antes de 1204. Neste ano ocorreu o Cerco de Constantinopla, também chamado de Quarta Cruzada, quando a cidade foi capturada pelos cruzados venezianos. Após passar por epidemias devastadoras, Constantinopla era uma cidade despovoada — 40 a 50 mil habitantes em 1453 — , com bairros parcialmente abandonados, no cenário de um império que encolhia rapidamente.
Assista a minidocumentário, em inglês, recriando a batalha que culminou na queda de Constantinopla, em 1453:
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Podendo contar somente com um exército reduzido a alguns milhares de homens e com apoio financeiro apenas de membros da colônia italiana que monopolizava o comércio, a cidade estava dividida religiosamente pela proclamação, na catedral de Santa Sofia, da união a Florença.
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Cerco e queda de Constantinopla retratados em pintura cuja autoria é desconhecida
Aos 200 mil otomanos, dos quais 60 mil combatentes, reunidos por Mehmed II para tomar a cidade, Constantino XII só pôde opor não mais do que alguns milhares de soldados, com os quais resistiu durante mais de dois meses, até que tombou quando do último assalto turco (29 de maio de 1453). A cidade adotou então o nome de Istambul.
Mehmed II
Desde sua chegada ao poder em 9 de fevereiro de 1451, Mehmed II, 21 anos, tinha como desejo conquistar a Cidade das Cidades. A princípio amistoso em relação aos gregos, o jovem sultão [retrato na imagem, à direita] não tardaria em revelar suas intenções hostis. No outono de 1452, malgrado os protestos dos gregos, constrói uma fortaleza de forma triangular sobre a margem europeia do Bósforo, fazendo face direta àquela construída por seu avô sobre a parte asiática. Logo Mehmed II se faz senhor do estreito, podendo controlar o comércio, o abastecimento e os reforços inimigos.
O perigo era iminente, porém ocidentais e bizantinos preferiram ignorá-lo. Pior — e esse foi o grande erro —, os gregos deram pouca importância a Urbano, engenheiro húngaro e a sua ideia de canhão. Os bizantinos não julgaram sua invenção útil e Urbano transferiu-se para o lado turco, construindo para o sultão um imponente canhão que, dizia o construtor, poderia destruir até mesmo os muros da Babilônia. O engenho era tão grande que foram necessários 60 bois para transportá-lo e 200 homens de cada lado para montá-lo.
Em 6 de abril de 1453, Mehmed II cerca, com centenas de milhares de homens, a cidade. A marinha turca era composta de 320 navios, mas somente 18 poderiam ser considerados como barcos de guerra.
Do lado do Império Romano do Oriente, o imperador Constantino XI, isolado e com relações frias com outras nações cristãs, só pôde contar com 4.970 homens apoiados por 2 mil estrangeiros.
Desde os primeiros dias do sítio, Mehmed II se dedica a bombardear as muralhas, até então invencíveis, até desmoronarem. Entretanto, os grandes canhões turcos só podiam disparar sete vezes por dia e muitos acabaram por explodir desastradamente, entre os quais o de Urbano, levando à morte os canhoneiros que operavam o maquinário. Os bizantinos só dispunham de poucos canhões e cada explosão estremecia as velhas muralhas. Após longos e mortíferos combates, os bizantinos conseguiam, assim que caía a noite, reparar os danos sobre os muros e a destruir os trabalhos empreendidos pelos otomanos, de tal sorte que os soldados do sultão tinham de começar tudo de novo no dia seguinte.
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Chamado de “Dardanelles Gun”, canhão utilizado pelos otomanos para compre o cerco a Constantinopla
Navios por terra
O sítio à cidade se estagnava e Mehmed II imaginou que o único meio de chegar a tomar Constantinopla era prosseguir com um ataque simultâneo por terra e pelo mar. No entanto, era impossível atacar pela costa marítima, já que o acesso ao porto era bloqueado por uma grossa cadeia defendida por diversos barcos bizantinos. Enquanto os turcos hesitavam em desencadear novo combate marítimo, o sultão Mehmed II desenvolveu uma engenhosa e inusitada tática: transportar seus navios mais leves por terra, das margens do Bósforo até o Corno de Outo, uma distância de 16 quilômetros. Sendo o relevo geográfico bastante desnivelado, Mehmed mandou aplainar o terreno e cobrir o caminho com uma plataforma de pranchas de madeira untadas com banha de boi e de ovelha para tornar o traslado mais fácil. Em apenas ma noite, os primeiros navios atingiam o porto, como o sultão planejara.
O cerco a Constantinopla já se prolongava por demais, desmoralizando bizantinos e turcos. Os defensores gregos estavam esgotados e suas fortificações, cheias de brechas; o imperador Constantino XI vinha espoliando igrejas a fim de pagar seus soldados e quitar outros gastos bélicos; e os venezianos acusavam-se mutuamente. Do lado turco, muita impaciência.
Em 25 de maio, após infrutíferas negociações, Constantino rejeita qualquer possibilidade de rendição, decidido a defender sua cidade até o derradeiro suspiro. Do lado turco, eram iniciados os preparativos para o assalto geral — e derradeiro.
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Em fotografia de 2006, muros da cidade de Constantinopla (atual Instambul, na Turquia) foram restaurados e reconstruídos
O assalto final
O ataque é lançado em 29 de maio de 1453 por mar e terra. Gregos eram alvo da artilharia por todos os lados. A cidade parecia perdida. Quando as investidas dos otomanos se faziam mais e mais violentas, Constantino foi morto, depois de heroica resistência, o que levou a uma derrota geral dos últimos defensores da cidade. Após um sítio de 53 dias, Constantinopla finalmente caía em mãos de Mehmed II, agora batizado de “O Conquisatador”.
Após a pilhagem generalizada, o sultão, agora senhor de Constantinopla, quis repovoar e embelezar a cidade tomada e fazê-la capital de seu império. Alguns anos depois, pôs fim definitivamente ao Império Bizantino ao conquistar os restantes domínios. A queda de Constantinopla pôs definitivamente fim à presença de um Estado cristão na região e permitiu ao Império Otomano se espraiar, tornando-se um dos impérios mais poderosos da história, que perduraria por mais de 600 anos.