Pela segunda vez na história do Mundial de Futebol, o Brasil é o país anfitrião do maior evento esportivo do planeta. Talvez a principal diferença entre o torneio de 1950 e o de 2014 esteja no alcance e na instantaneidade com que bilhões de pessoas acompanham os jogos, resultados e fatos relacionados à Copa.
Ao mesmo tempo em que o futebol e as Copas ganharam cada vez mais adeptos e torcedores, maior passou a ser a cobertura da mídia do evento que acontece a cada quatro anos. No caso do Brasil de 2014, são cerca de 20 mil jornalistas de todos os cantos do mundo relatando, fotografando e mostrando o que acontece no país.
A Samuel, agora em sua versão eletrônica, também dedica o período da Copa a trazer o que a mídia independente do Brasil e do mundo vem registrando sobre o antes, o durante e o depois do evento, seus participantes e espectadores. Textos e vídeos postados diariamente darão a medida dos diferentes olhares e observações que irão marcar o cotidiano dos 32 países representados no evento.
Veja todo o material do especial Samuel na Copa:
A intimidade dos brasileiros com a essência do futebol
Seleção australiana tem música oficial gravada por cantora pop
“Allez les bleus! Viva l'Algérie!”
Pikachu pega carona na seleção japonesa
Honduras: onde o futebol explica a sociedade
Um amor tão grande pela Itália
Somos gigantes, somos fortes, somos os nigerianos
O bem-humorado fantasma uruguaio
As surpresas da seleção da Rússia
Cinco falácias e cinco verdades sobre a Copa
Jimmy Baikovicius
Neymar em jogo da Libertadores da América 2011, em Montevidéu: estreia em mundiais com responsabilidade
Assim que surgiu no Santos, Neymar se destacou pela habilidade tanto em campo quanto fora dele. Craque desde sempre, contou com a ajuda do pai e do staff montado ao longo do tempo, para montar uma carreira planejada, que evitasse erros comuns de outras promessas do futebol.
Fora do campo, a estratégia é um sucesso. Neymar é uma marca, cada vez mais valiosa. Em faturamento com publicidades no Brasil, só perde para Pelé e Ayrton Senna, batendo os R$ 18 milhões anuais. Além disso, no mais recente estudo da revista de negócios “Forbes”, ele aparece na 68ª posição como o atleta mais bem remunerado no mundo. Entre os jogadores de futebol está em oitavo. Dentro do campo, o desafio é bem maior. Neymar precisa provar a capacidade de ser o jogador mais jovem da história a protagonizar o título de uma seleção campeã da Copa do Mundo. Em seu primeiro ano de Barcelona, dividiu as atenções com o argentino Lionel Messi, conviveu com algumas contusões e não conseguiu levar o time a nenhum título, algo raro nas temporadas recentes da equipe. Ainda assim, foram 15 gols e 12 assistências em 41 jogos.
Hoje [quando o Brasil enfrenta o Chile na primeira partida das oitavas de final da Copa, em Belo Horizonte], Neymar terá 22 anos, 4 meses e 19 dias de idade. Nunca uma seleção campeã chegou à Copa apostando tanto em um jogador tão jovem. Os principais nomes das seleções vencedoras no início dos mundiais passados tinham, em média, 28 anos de idade. Alguns eram veteranos, como Fritz Walter, capitão da Alemanha campeã em 1954 (33 anos), e Obdulio Varela, o “Negro Jefe”, que comandou a vitória do Uruguai sobre o Brasil em 1950. Outros eram mais novos, como Pelé (1962), que se machucou aos 21 anos, abrindo espaço para Garrincha liderar o bicampeonato do Brasil, e os argentinos Daniel Passarella (1978) e Diego Maradona (1986), ambos com 25 anos.
Experiência
Há uma diferença grande entre chegar ao mundial como protagonista de uma seleção ou como mais um jogador do elenco. Neymar “paga” o preço da renovação forçada após a decepção de 2010. Ao trocar Dunga por Mano Menezes, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) exigiu uma renovação total no grupo. Mano não durou muito, mas Luiz Felipe Scolari manteve a regra. “Medalhões” ficaram pelo caminho, e os holofotes caíram naturalmente sobre Neymar, o principal nome dessa renovação.
Não ser a grande estrela, ou a única grande estrela, de uma equipe foi fator que ajudou dois atletas a gravarem seus nomes na história do futebol. O caso mais emblemático é o de Pelé. O então adolescente do Santos, com 17 anos, era reserva do Brasil em 1958. Esquentou o banco nos dois primeiros jogos, mas depois se encaixou em uma equipe cheia de jogadores experientes, como Bellini e Didi (ambos com 28 anos) e foi fundamental na conquista. Pelé, no entanto, sempre foi um jogador fora da curva.
Um melhor exemplo é a Argentina campeã em 1978. Prestes a completar 24 anos, Mario Kempes era titular do ataque da Argentina, mas passou os três primeiros jogos sem marcar. O técnico César Luis Menotti bancou sua titularidade, e o time avançou mesmo sem ele brilhar, pois podia contar com outras figuras importantes, como o capitão Passarella e o experiente atacante Leopoldo Luque.
Ao contrário de Kempes em 1978 e de Pelé em 1958, Neymar não divide o estrelato. A seleção brasileira tem jogadores com títulos importantes em seus currículos, como os laterais Daniel Alves e Marcelo, mas nenhum deles é protagonista em seus clubes. A pressão sobre Neymar seria diluída caso a seleção brasileira tivesse um ou mais jogadores experientes e decisivos sobre os quais a torcida e a crítica pudessem depositar esperanças. Não é o caso. Por motivos diferentes, os três nomes que poderiam protagonizar a Copa de 2014 pelo Brasil, Adriano, Kaká (ambos com 32 anos) e Ronaldinho Gaúcho (34), foram incapazes de chegar até aqui na condição de selecionáveis.
Enquanto Kempes foi titular com 19 anos na Copa de 1974, Neymar não teve essa oportunidade. Esta será sua estreia em mundiais. Em 2010, Dunga optou por deixar a então jovem promessa do Santos no Brasil e levar ao mundial Grafite, hoje terminando sua carreira nos Emirados Árabes Unidos.
Coragem
No discurso de Luiz Felipe Scolari, o técnico atual do Brasil, fica clara a importância de Neymar. Em 2013, durante a Copa das Confederações, vencida pelo Brasil, Felipão disse que o atacante do Barcelona tinha a mesma responsabilidade que seus colegas. No início de maio, mudou o discurso. “A responsabilidade maior de Neymar não é só pela criação, é pelo contra-ataque, pela improvisação, pelo que é capaz de fazer num espaço em que outros não fazem”, disse. “É o complemento de um grupo que trabalha para ele, e ele em algumas oportunidades vai ter que trabalhar para esse grupo”, afirmou.
Coragem não falta a Neymar para assumir essa responsabilidade. Em junho de 2013, antes do sexto jogo do Brasil sob o comando de Felipão (um empate em 2 a 2 com a Inglaterra), Neymar pediu para vestir a camisa 10 da seleção, e foi atendido. No primeiro grande teste com a nova numeração, Neymar não decepcionou. Liderou a equipe à conquista da Copa das Confederações, com uma vitória inquestionável na final sobre a Espanha, diante um novo Maracanã lotado.
Existe um enorme simbolismo em relação à camisa 10. Não se sabe ao certo como ela foi parar nas mãos de Pelé na Copa 1958, mas o fato é que, com ela, Pelé se tornaria o maior nome daquela Copa e, anos depois, o Atleta do Século. A 10 é destinada quase sempre aos craques de clubes e seleções, mas poucas vezes é vestida pelo atacante, como Neymar, e sim pelo meia habilidoso, apontado como o “cérebro” da equipe. Neymar percebeu (ou foi avisado por seu staff) que a camisa 11, até então usada por ele, não traria o mesmo peso. A relação não poderia ser mais direta: entraria em campo vestindo a camisa da seleção o garoto apontado precocemente por torcedores e imprensa como o “novo Pelé”.
A camisa 10 também chama a atenção para a juventude de Neymar. Ele é o jogador mais novo desde Pelé a usar este número pelo Brasil em uma Copa do Mundo. Completa o desafio de Neymar a necessidade de liderar a seleção em uma conquista inédita: um título em casa. Além da Espanha, campeã em 2010 na África do Sul, o Brasil é o único dos campeões mundiais que não venceu um título jogando em casa. Em 2014, a cada jogo é certo que o fantasma do Maracanazo de 1950 estará espreitando.
Wikipedia
Drible de Pelé em jogo do Brasil contra o Malmö, na Suécia, em 1960: Atleta do Século com a camisa 10
Destino
A missão de Neymar parece ser a de realizar, com 22 anos, o que monstros sagrados do futebol fizeram em fases mais adiantadas de sua carreira. Em 1966, Franz Beckenbauer, com apenas 20 anos, disputava sua primeira Copa do Mundo pela Alemanha. O Kaiser, como viria a ser conhecido, viu a Inglaterra vencer uma final polêmica contra os alemães, mas foi escolhido para a seleção oficial da Fifa. Oito anos depois, venceria em casa sua primeira Copa do Mundo.
Ronaldo foi outro a chegar bem perto dessa condição. Após passar toda a campanha do tetracampeonato no banco de reservas, estreava na Copa da França, em 1998, aos 21 anos, com a obrigatoriedade de ser o líder da equipe. Afinal, fora eleito pela Fifa nos dois anos anteriores como o melhor jogador do mundo. O Fenômeno fez um ótimo mundial, mas sucumbiu justamente na final contra os franceses, comandados por Zinedine Zidane. Entre tantas teorias conspiratórias, vingou a impressão final de um desequilíbrio emocional, que resultou na convulsão horas antes da decisão, abalando todos os demais jogadores.
Para escapar deste destino, e dar o título ao Brasil, Neymar precisa provar que sua carreira excessivamente planejada dará certo também dentro de campo. Todos os olhos estarão sobre ele.
Eles foram os Camisa 10 da Seleção brasileira em Copas do Mundo *
1950 – Jair da Rosa Pinto
1954 – Pinga
1958 – Pelé
1962 – Pelé
1966 – Pelé
1970 – Pelé
1974 – Rivellino
1978 – Rivellino
1982 – Zico
1986 – Zico
1990 – Silas
1994 – Raí
1998 – Rivaldo
2002 – Rivaldo
2006 – Ronaldinho
2010 – Kaká
2014 – Neymar
* Nas Copas do Mundo de 1934 e 1938 ainda não existia numeração de camisas.
Texto originalmente publicado em Esporte Fino, blog da revista Carta Capital dedicado a informações, análises e crônicas sobre diferentes modalidades esportivas.
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