A regulação não interfere no conteúdo, mas estabelece cotas mínimas de produção nacional
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Mais de dois anos depois de sua entrada em vigor, a Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual avança, de forma irregular, rumo ao seu principal objetivo: transformar o mapa de comunicações da Argentina. Parcialmente travada por recursos judiciais, sua aplicação efetiva depende de uma vontade política capaz de enfrentar décadas de inação e negligência estatal. Em contraste com o lugar comum que diz que, no fim das contas, a norma serviu apenas para obrigar os canais a colocarem avisos no início e no final de cada espaço publicitário, uma análise cuidadosa através das telas indica que os resultados foram muito além.
O que mudou até agora com a Lei 26.522?
Embora hoje pareça óbvio, a primeira mudança produzida foi a inauguração da AFSCA (Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual), que acabou com uma intervenção de 26 anos do Comfer (Comitê Federal de Radiodifusão). Este órgão, agora extinto, havia sido criado sob a ditadura de Alejandro Lanusse e continuou no decorrer do último governo militar. Os governos democráticos que se sucederam de 1983 até o momento limitaram-se a nomear um interventor.
Outra medida fundamental que passou a vigorar nos últimos anos foi a realização de um censo global de prestadores, “um abrangente levantamento do mapa midiático existente”, como definiu a AFSCA. Esta resolução ajudou a desenvolver um plano técnico para atender à demanda de sinal de frequência. Permitiu também identificar os licenciados autorizados e detectar “zonas de conflito” e sobreposições de sinais.
Um último elemento chave foi a organização da grade de programação da TV a cabo. Em 2010, uma resolução da AFSCA estabeleceu que primeiro deveriam aparecer os canais informativos, seguidos pela televisão aberta, o canal público Encuentro, os esportivos, os infantis e os canais internacionais de notícias.
Trata-se de uma classificação temática mais detalhada, que se chocou inevitavelmente com os interesses dos donos dos canais a cabo (que moviam os canais em função dos acordos comerciais, além de conceder um lugar preferencial aos sinais próprios). Trinta por cento dessas empresas, incluindo o Supercanal e o Telecentro, adaptou-se às medidas, mas a Cablevisión se recusou. Devido a pedidos dos usuários pelos canais ausentes — por exemplo, CN23 e Pakapaka, entre outros —, os representantes da empresa do Grupo Clarín solicitaram medidas cautelares que os favoreciam.
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Cotas mínimas
Ao contrário de outros projetos aprovados na região, a lei de mídia argentina não regula a prática do jornalismo, isto é, “não interfere em conteúdos”. No entanto, estabelece cotas mínimas de produção nacional, regional e independente. O objetivo, por si mesmo ambicioso, é combater a invasão de programas estrangeiros e o estabelecimento, no interior do país, de uma rede de transmissão praticamente total.
A regulamentação não impede que um meio de comunicação do interior transmita conteúdos produzidos em Buenos Aires, mas ao mesmo tempo — esta é a novidade — os limita. Em oposição ao decreto 1005/99 firmado pelo ex-presidente Carlos Menem, que permitia a emissão total da programação, hoje a estação de origem deve transmitir no mínimo uma hora de produção local em horário nobre e apresentar ao menos 30% de conteúdo original.
O relatório mais recente da AFSCA indica que o conteúdo original emitido pelas emissoras do interior está aumentando e se aproxima de 28%, ou seja, está perto de cumprir o estipulado. O mesmo acontece com as produções nacionais. Anos atrás, o Canal 9 inundava sua programação com novelas mexicanas e filmes de Chuck Norris: atualmente, exibe 73% de produção nacional. “Tem melhorado lenta, mas efetivamente, para atender aos percentuais exigidos por lei”, afirma Martín Becerra, doutor em Ciências da Informação e professor das universidades de Quilmes e Buenos Aires.
Artistas independentes
Nas rádios, o cenário não é tão otimista. Desde 2010, todas as estações, exceto as temáticas, são obrigadas a transmitir 30% de música nacional, da qual metade deve ser de artistas independentes. “É evidente que isto não foi alcançado. Hoje, o melhor que se pode fazer é conversar com os gestores das emissoras. Esta fase vai demandar um pouco de boa vontade”, estima Emanuel Respighi, repórter de cultura do jornal Pagina/12.
Após décadas de abandono, o mapa analógico do país ainda é relativamente pobre: 44 canais de televisão aberta, dos quais 33 têm gestão privada, 10 são das províncias e um depende de uma universidade. Um aspecto inédito da lei é a reserva de um terço do sinal de frequência para operadores sem fins lucrativos, o que permite, pela primeira vez, que as cooperativas tenham acesso à titularidade de licenças de rádio e TV. Este cenário, combinado à compressão digital que viabiliza o sinal, começa a criar condições mais que favoráveis à multiplicação de canais.
Tradução por Carolina Pezzoni
* Texto publicado originalmente na revista semanal argentina Debate
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