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Pode parecer preguiçoso escrever um artigo com um “top 10”. Admito que a indolência da empreitada é tentadora. Mas como um pai de primeira viagem, obcecado com o futuro do meu filho de um ano de idade, acho que posso fazer uma lista valiosa de palavras e expressões correntes que meu filho pode não conhecer porque elas talvez acabem se tornando relíquias de um vernáculo perdido.
Eis o agonizante decálogo. Espero que eu esteja errado, mas receio que não.
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10. “Liberdades civis”
Meu filho certamente lerá a Constituição dos Estados Unidos em sua aula de educação cívica, e tomará conhecimento de itens como julgamento por júri popular, devido processo legal e proteção contra abuso policial. Mas estas liberdades têm sido extinguidas seguidamente por nossos presidentes, que afirmam ser necessário estabelecer poderes de detenção por tempo indeterminado, vigilância sem mandado e assassinato de cidadãos estadunidenses sem justificativa. Presumindo que a União Americana Pelas Liberdades Civis ainda exista e continue me mandando seus panfletos pelo correio, quando meu filho os vir ele poderia perguntar: “O que são liberdades civis, pai?”. Minha resposta: “Boa pergunta.”
9. “Escola pública”
Com a indústria do ensino particular alcançando seu objetivo de privatizar a educação pública, eu rezo para que exista uma escola pública decente onde meu filho possa estudar — pelo menos assim ele terá a chance de saber o que é isso.
8. “Superávit orçamentário”
Esta expressão estará na nota de rodapé sobre Bill Clinton no livro de história do meu filho. Mas com nossa recusa em enxugar o exagerado orçamento da defesa, em implantar um sistema de saúde público universal e em manter as taxas de impostos de Clinton, ele provavelmente não terá ideia do que o termo significa.
7. “Água potável”
À sombra das onipresentes estruturas de extração de gás e petróleo, eu contarei ao meu filho dos bons velhos tempos em que água potável era facilmente acessível. Eu também vou contar para ele que, quando ele era bebê, os políticos ignoraram os alertas de que a extração de combustíveis fósseis iria contaminar os lençóis freáticos. Eu sei, vou parecer o Lorax, personagem do Dr. Seuss. Infelizmente, minha história não vai ser um conto infantil — será bem real.
6. “União trabalhista” (sindicato)
Mesmo que os estados limitem o direito de contrato coletivo e as corporações sabotem as tentativas de organização dos trabalhadores, meu filho vai conhecer estas palavras. O problema é que “União”, para ele, será somente um sinônimo para o “Norte”, durante a Guerra de Secessão dos Estados Unidos — e nada além disso.
5. “Paz”
A Guerra do Afeganistão segue em frente sem titubear. Enquanto isso, a revista Wired observa que a presença permanente de empresas de segurança privada significa que “nossos esforços militares no Iraque estão longe de terminar”, e operações secretas continuam sendo executadas no Paquistão, no Iêmen e na Somália. Meu filho pode encontrar a palavra “paz” quando ele ler Orwell e vir a expressão “Guerra é paz”, mas ele provavelmente vai interpretar literalmente a frase, no que o Pentágono descreve como “a era do conflito permanente”.
4. “Democracia”
“Como pode um candidato a presidente vencer sem ter a maioria dos votos?”, questionará meu filho quando tiver idade para votar. “Como podem 40 parlamentares bloquearem o trabalho do Senado? Por que é permitido que as corporações comprem os políticos? O que é ‘democracia’, pai?” Silêncio…
3. “Estamos juntos nesse barco.”
Eu vou tentar ensinar ao meu guri os valores inerentes a este slogan de solidariedade. Mas nesta era dourada da avareza, eu temo ouvir como resposta aquele velho lema estadunidense: “Ganância é bom, papai”.
2. “Jornais”
Pesquisadores da Universidade do Sul da Califórnia preveem que em cinco anos “somente quatro grandes jornais diários continuarão a circular nos Estados Unidos”. Tragicamente, isso quer dizer que quando eu explicar minha profissão e mostrar um jornal ao meu filho, eu estarei apontando para uma peça de museu.
1. “Jornalismo”
Neste museu, eu vou encontrar a revista em que você está lendo este artigo, e mostrarei ao meu filho as reportagens cobrindo questões reais em suas comunidades. Eu direi a ele que ele está olhando para a arte perdida do jornalismo – e eu espero que ele não pergunte nada sobre “imparcialidade” e “equilíbrio”.
Tradução por Carolina de Assis
* Texto publicado originalmente na revista digital AlterNet
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