Sustain Condoms
Marca Sustain busca abordar produção de camisinhas a partir de uma perspectiva sustentável
Um saquinho de borracha onde você ejacula e depois joga fora pode salvar o planeta? Jeffrey Hollender e sua filha Meika acham que sim. Jeffrey é membro do Greenpeace e é também o cérebro por trás da Seventh Generation, uma linha de produtos ecológicos que você encontra em quase qualquer supermercado dos Estados Unidos hoje em dia.
Em sua última empreitada, Jeffrey, juntamente com sua filha de 26 anos, voltou sua atenção para os preservativos do mundo com a marca de camisinhas Sustain. Levaram dois anos para desenvolver o produto, e eles começaram a vender as camisinhas online no começo deste ano, com uma campanha de marketing voltada para as mulheres – 10% dos lucros vão para uma iniciativa de saúde reprodutiva feminina.
Apesar de a empresa ter criado um burburinho na internet com seus anúncios de sexo positivo, o principal objetivo destas camisinhas é trazer métodos de produção saudáveis, sustentáveis e éticos para a fabricação de preservativos e, em última análise, para a indústria da borracha no geral.
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Camisinhas são uma ferramenta vital para se proteger de gravidez e doenças infecciosas como a AIDS. Infelizmente, você também está esfregando sua genitália em substâncias pouco românticas como pó de silicato e conservantes parabenos.
Publicado em setembro pelo Reproductive Health Technologies Project (Projeto de Tecnologias de Saúde Reprodutiva) e pelo Center for Environmental Health (Centro pela Saúde Ambiental), um estudo encontrou nitrosaminas, compostos químicos cancerígenos, em 16 das 23 camisinhas testadas. Como o estudo aponta, tanto a Organização Mundial de Saúde como o Fundo de Populações da ONU vêm pedindo a minimização da presença de nitrosaminas em camisinhas devido ao potencial cancerígeno desta substância.
O FDA (Administração de Alimentos e Medicamentos, na sigla em inglês), que regula as camisinhas nos EUA, não faz alarde sobre a presença de nitrosaminas em camisinhas; além disso, os níveis da substância encontrados no estudo estão bem abaixo da dose tóxica. Mas o autor do estudo aponta que “como somos regularmente expostos a nitrosaminas de outros produtos”, como cigarros, chupetas e até salsichas, “qualquer coisa que contribua para nossa exposição cumulativa a nitrosaminas gera preocupações de saúde”.
As camisinhas da Sustain que Jeffrey e Meika desenvolveram são atóxicas, como o estudo demonstrou; então, você não teria que se preocupar com uma morte precoce enquanto estiver evitando criar uma nova vida. Ambos também argumentam que as camisinhas deles são feitas de maneira muito mais ética que as dos concorrentes.
“Claro, nenhuma camisinha do mundo é reutilizável ou biodegradável”, diz Jeff. “Mas o que estamos tentando fazer é abordar os maiores impactos de uma perspectiva sustentável e reinventar a cadeia de fornecimento.”
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Apesar de aproximadamente 60 a 70% de todo o cultivo de borracha natural servir para pneus e de luvas cirúrgicas usarem 50 vezes mais látex que as camisinhas, os preservativos dependem da produção em larga escala de borracha e látex, o que causa um impacto negativo no planeta. A produção em larga escala de borracha pode contribuir para a erosão do solo e inibe o ciclo bioquímico natural do carbono. Se a madeira usada na produção de borracha fosse deixada no solo, as ávores poderiam absorver dióxido de carbono e ajudar a minimizar os efeitos dos gases estufa que abastecem o aquecimento global. Em vez disso, esta madeira é frequentemente vendida como lenha ou, pior ainda, queimada no local, acrescentando gases ao efeito estufa. Para impedir o crescimento de mato, as plantações de borracha usam herbicidas químicos que podem permanecer no solo e migrar para rios e bacias hidrográficas.
A região sudeste da Ásia exporta 70% do suprimento global de borracha, e não é difícil encontrar evidências dos impactos negativos dessa produção. No Camboja, por exemplo, 1,2 milhão de hectares foram ocupados para o cultivo comercial de borracha em 2011, de acordo com a organização sem fins lucrativos Forest Trends, que monitora o desmatamento pelo mundo. Na Tailândia, plantações de borracha e óleo de palma reduziram a biodiversidade em 60%. E, na província chinesa de Yunnan, “a monocultura de borracha substituiu florestas excepcionalmente biodiversas e contribuiu para uma série de problemas ambientais emergentes”, escreveu o correspondente da Associated Press Mike Ives.
Pesquisadores da Universidade de Amsterdã que monitoraram o ciclo de produção de camisinhas nos anos 90 apontaram que estas práticas agrícolas “ameaçaram seriamente” a água potável da região, “sem falar nas consequências para o ecossistema e o cheiro forte”. (O processamento do látex é extremamente mal cheiroso, porque envolve grandes quantidades de amônia.)
E os trabalhadores nas plantações de borracha também sofrem. De acordo com um relatório de 2013 do Departamento do Trabalho americano, produtores de borracha no Camboja, Libéria, Indonésia e Filipinas usam trabalho infantil. A borracha de Myanmar é extraída através de trabalho infantil e escravo.
Ken Doerr / Flickr
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Entrei em contato com as fabricantes de preservativos Durex e Trojan – esta, a maior marca de camisinhas do mundo –, as empresas Havas Worldwide e Church and Dwight Co., para saber de onde o látex deles vem e como ele é produzido. A Church and Dwight Co. não respondeu minhas mensagens. Minhas perguntas para a Durex foram passadas de um executivo para outro. Finalmente, fui informado de que minhas questões eram “altamente técnicas” e que eles não tinham as respostas prontamente disponíveis.
Martin Kunz, da Fair Rubber Association (Associação por Borracha Justa, em tradução livre), não ficou surpreso. “Látex não é como vinho”, ele me contou. “É uma commodity. Não importa se vem da Malásia ou do Camboja. Para comprar látex, você chama um corretor e diz: 'Preciso de 20 toneladas desse negócio'. As grandes empresas não se importam de onde ele vem.”
Jeffrey e Meika querem reverter essa tendência através de alternativas sustentáveis.
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“Tenho apenas 26 anos, mas passei boa parte da minha carreira trabalhando com corporações”, conta Meika. “Minha experiência em grandes companhias tradicionais é o que me levou a querer ser uma empreendedora e começar um novo modelo.”
Esse novo modelo exige um envolvimento íntimo com a cadeia de fornecimento da parte deles e dos grupos com quem eles trabalham. “Nas nossas fantasias mais loucas, borracha de comércio justo será tão popular quanto o café de comércio justo”, diz o site da empresa .
“Nossas plantações são as únicas que fazem látex para camisinhas certificado pelo FSC (Conselho de Manejo Florestal, na sigla em inglês)”, me disse Jeffrey. “Isso cobre do uso de pesticidas à proteção da biodiversidade das espécies.” (As camisinhas deles também têm certificado vegano, ou seja, não contêm subprodutos de origem animal.)
Esses preservativos são produzidos numa fábrica sindicalizada. Abastecida por painéis solares, a fábrica vem angariando prêmios pela economia de água. O funcionários e suas famílias participam de aulas regulares de educação sexual, o que traz outro benefício, segundo a dupla de pai e filha.
“A superpopulação é um dos grandes contribuintes para as mudanças climáticas”, destacou Meika. “Sentimos que, abordando a superpopulação e a pobreza, estamos contrabalanceando o impacto de uma camisinha num aterro sanitário.”
Mas o papel das populações na crise do clima continua controverso. “Os maiores problemas ecológicos que temos são em países com declínio da taxa de natalidade”, informou Ian Angus, autor do livro “Too Many People?” (“Pessoas demais?”, em tradução livre) e crítico de longa data do ambientalismo malthusiano e da abordagem baseada no consumidor para o tratamento das mudanças climáticas.
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Quando se vive num país pobre, você tem uma pegada de carbono menor. Emissões per capita na América do Norte, o continente mais rico do mundo, são 13 vezes maiores que na África, o mais pobre. Mesmo em nações em desenvolvimento há um corolário direto entre riqueza e produção de carbono.
De acordo com um estudo de 2013 publicado pelo periódico Environmental Science & Policy, os 10% mais ricos da população respondem por 20% das emissões de carbono associadas com transporte, uma grande fonte de poluição. E é aqui que está o X da questão. Se mais e mais pessoas no Sul do globo melhorarem sua qualidade de vida e começarem a deixar a mesma pegada de carbono que um americano normal, estaremos condenados a partir de uma perspectiva climática.
“Quase tudo que você faz que não aborda a raiz das mudanças climáticas pode sair pela culatra”, enfatizou Ian. Então, mesmo que as camisinhas verdes da Sustain sejam um bom começo, elas certamente não são uma solução viável para reverter a maré do nosso problema ambiental. Ian sugere que é melhor esperar sentado por soluções como essa virem do setor empresarial, porque “elas simplesmente não são rentáveis”.
Tradução: Marina Schnoor
Matéria original publicada no site da Vice Brasil.