Agência Efe/Mohamed Messara
Ato de campanha do partido Ennahda em 21/10 em Túnis, capital do país
Neste domingo (26/10), os tunisianos irão eleger os 217 membros do Parlamento, formando o que a maior parte dos observadores espera ser um governo de coalizão. Eles retornarão às urnas para eleger o presidente no dia 23 de novembro, de acordo com os termos estipulados pela nova Constituição do país e dando início à segunda República Tunisiana após a independência. Ao realizar estes dois pleitos, a Tunísia será o primeiro país da Primavera Árabe a ter completado sua fase de transição rumo à democracia, quatro anos após o episódio que deu início à onda de protestos e revoluções ter ocorrido na cidade de Sidi Bouzid, no sudoeste do país, em 17 de dezembro de 2010.
Cerca de 1.327 listas de partidos políticos, independentes e de coalizão apresentarão candidatos para as eleições legislativas, que se dividirão em 33 distritos eleitorais, seis deles no exterior. Embora o número de listas de candidatos pareça exagerado, na verdade ele é menor do que as 1.781 listas que disputaram as eleições para a Assembleia Constituinte em 2011, das quais 28 obtiveram êxito. Observadores sustentam que o sistema eleitoral proporcional evitará que um único partido consiga a maioria, garantindo a diversidade de representação no novo Parlamento.
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Para chegar a esta etapa, políticos tunisianos se envolveram em quedas de braço recorrentes não apenas quanto às novas provisões constitucionais do país, como também quanto à nova lei eleitoral e à criação de uma comissão independente para supervisionar as eleições. Alguns dos conflitos chegaram às cortes administrativas do país, embora encontros nacionais em prol do diálogo tenham ajudado a pavimentar o caminho rumo às novas eleições. Organizados pelo Sindicato Geral Tunisiano e por três outras entidades da sociedade civil, os encontros promoveram uma reconciliação entre as principais forças políticas e os islamitas moderados, representados pelo Partido Ennahda.
O Ennahda é liderado pelo islamita veterano Rashed Al-Ghannouchi. Ele se envolveu em um longo processo de diálogo com os secularistas tunisianos, liderados principalmente pelo partido Nida' Tunis (Chamado da Tunísia), uma coalizão que tem como líder o veterano Beji Caid Al-Sebsi, alguns partidos liberais, forças filiadas ao governo deposto do ex-presidente Zine Al-Abidine Ben Ali (que esteve à frente do país por 23 anos) e a Frente Popular, coalizão de esquerda formada em 2012 e liderada por Hamma Hammami.
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Estas duas forças serão as protagonistas destas eleições legislativas. De acordo com pesquisas de opinião, o Ennahda e o Nida' Tunis serão os dois principais partidos, recebendo cerca de 30% dos votos cada um, enquanto a Frente Popular provavelmente ficará em terceiro, com 10% dos votos. Os outros três partidos relevantes na disputa são o Partido Republicano, o Congresso para a República e o Fórum Democrático pelo Trabalho e Liberdade, mais conhecido como Ettakatol.
Agência Efe/Mohamed Messara
A Alta Autoridade Independente para as Eleições na Túnisia realizou uma demonstração das eleições legislativas do próximo domingo (26/10)
O Congresso para a República e o Ettakatol se uniram ao Ennahda para formar o governo de coalizão – ou “troika” – que administrou a Tunísia entre dezembro de 2011 e janeiro de 2014. Ela foi então substituída por um governo independente de tecnocratas, liderado pelo primeiro-ministro Mehdi Jomaa, cuja incumbência era organizar as eleições legislativas e presidenciais e administrar os assuntos nacionais até que as eleições fossem realizadas.
O mapa eleitoral do país é complexo e nele constam partidos e figuras públicas ligadas ao período de Ben Ali. Diferentemente do que ocorreu quando das eleições que criaram a Assembleia Constituinte, em outubro de 2011, as atuais eleições legislativas não serão caracterizadas pela lei de “isolamento político”, que impede pessoas ligadas ao antigo regime de se candidatar.
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O Ennahda teve papel instrumental na derrota da lei que manteria o isolamento político durante as eleições deste domingo. Os oficiais do partido argumentaram que o país já “superou o legado do passado” e que, agora, a palavra final deve ser dos eleitores. No entanto, críticos também apontam que o recuo do Ennahda em relação à lei foi resultado de pactos entre o partido e magnatas ligados ao regime de Ben Ali.
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O papel desempenhado pelos homens de negócios e a influência do financiamento político são problemas que se destacam à medida que as eleições se aproximam. Nomes de empresários proeminentes na era Ben Ali aparecem em várias listas eleitorais. Quando se adicionam os cinco conhecidos magnatas que estão entre os 27 candidatos para as eleições presidenciais, o perfil político crescente do grande negócio se torna aparente, especialmente quando comparado às eleições de 2011.
Uma visão geral das plataformas eleitorais do Ennahda e do Nidaa', os dois principais partidos, revela a mesma perspectiva socioeconômica neoliberal, que é chamada de compromisso com a “economia de mercado de caráter social”. Esta perspectiva coloca ambos os partidos na posição de centro-direita. Suas plataformas não apresentam uma proposta para a redistribuição de renda, realizada por meio da introdução de reformas tributárias com base em um sistema proporcional, por exemplo. Eles parecem ainda menos inclinados a tomar medidas que o capitalismo global considere pouco favoráveis, de modo que nenhum dos dois partidos se manifestou em favor das reivindicações do sindicato geral pelo avanço das negociações pelo aumento de salários.
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A perspectiva socioeconômica dos dois partidos é, em larga medida, determinada pelo ímpeto em atrair investimentos estrangeiros e privados para o país, alimentar a indústria do turismo e duplicar a taxa de crescimento econômico para 6% ao longo dos próximos cinco anos. Eles reivindicam simultaneamente a diminuição da taxa de desemprego para cerca de 10%, ou seja, metade de seu nível atual. Além disso, ambas as plataformas partidárias buscam a realização do sonho de restabelecer a Tunísia como centro de serviços econômicos, ligando a Europa à África.
A segurança e a luta contra o terrorismo também foram temas que causaram grande comoção durante a campanha pelas eleições legislativas. Muitas plataformas de partidos políticos solicitaram maior cooperação regional e internacional na luta contra o terrorismo. Há um consenso geral de que o terrorismo é muito mais do que simplesmente uma questão de segurança nacional e que seu combate está ligado às melhorias econômicas e à geração de um clima de investimentos mais favorável no país. O Ministério do Interior anunciou que mais de 50 mil integrantes de forças policiais e de segurança, apoiados pelas forças armadas, serão mobilizados neste domingo de eleição.
Agência Efe/Mohamed Messara
O líder do Ennahda, Rashed Al-Ghannouchi, em ato de campanha do partido em 21/10 em Túnis
As eleições para a Assembleia Constituinte, em 2011, levaram a era de governo de um partido único a seu fim. Este período durou da independência, em 1956, até a Primavera Árabe. Em vista da natureza do novo sistema eleitoral, acredita-se que o país logo será liderado por um novo governo de coalizão. Al-Ghannouchi, líder do Ennahda, diz que o partido está pronto para formar um governo de coalizão com seus adversários políticos, principalmente o Nidaa'. Ele também afirmou em declarações recentes que pretende integrar uma coalizão com partidos e indivíduos associados ao período de Ben Ali. “Nós evitamos o banimento de homens ligados ao regime anterior e evitamos que a lei do isolamento político fosse aprovada. Todos os partidos que operam de acordo com a Constituição são passíveis de se tornarem parceiros na coalizão do Ennahda”.
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O partido estaria aprendendo com os erros do governo da Irmandade Muçulmana no Egito, adotando um discurso mais inclusivo e consensual e evitando apresentar um candidato à presidência. Ainda assim, de acordo com observadores, serão os adversários do Ennahda que determinarão o futuro da Tunísia, dado que tal coalizão não parece uma perspectiva muito clara: os principais partidos e forças, dentre eles a Frente Popular, o Partido Republicano, o Congresso e o Ettakatol, deixaram claro que não se juntarão a figuras associadas à ditadura de Ben Ali.
Quando do lançamento da campanha do Nidaa' Tunis, o líder do partido declarou: “Nestas eleições, dois projetos estarão competindo: o projeto islamita e o projeto de construção de uma nova e moderna Tunísia, preparada para o século XXI. Nós só nos aliaremos aos partidos que compartilhem nossa perspectiva, embora acreditemos nos direitos de atividade de todos os partidos envolvidos na política”. No entanto, observadores não descartam a possibilidade de uma aliança entre o Ennahda e o Nidaa', tendo em vista a perspectiva econômica neoliberal compartilhada pelos dois partidos.
Tradução: Henrique Mendes
Matéria original publicada no Al-Ahram Weekly, jornal semanal egípcio em língua inglesa.