Publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo, em 14 de abril de 2001
Em 1964, quando o doutorado de Antonio Candido virou o livro Os Parceiros do Rio Bonito, o crítico literário Wilson Martins escreveu: “A passagem puramente acidental do sr. Antonio Candido pelos domínios da sociologia produziu, como se vê, não só uma das obras originais da pesquisa de campo entre nós, como um documento de extraordinário interesse e importância; lição que os chamados 'especialistas' poderiam meditar, com algum espírito de humildade.”
No próximo dia 25, a abertura de uma exposição, uma mesa-redonda e uma apresentação de modas de viola no Centro Universitário Maria Antônia (rua Maria Antônia, 294, 1º andar, Vila Buarque) celebram a reedição da obra, nascida como trabalho acadêmico e defendida como tese na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, em 1954.
A nova edição (a 9ª, agora pela Editora 34, dentro da coleção Espírito Crítico, que inclui autores como os brasileiros Roberto Schwarz, de Ao Vencedor as Batatas, e José Ramos Tinhorão, de A Música Popular no Romance Brasileiro, e o húngaro Georg Lukács, de A Teoria do Romance) traz dez fotografias tiradas pelo crítico literário e sociólogo em suas pesquisas de campo, realizadas no interior de São Paulo, nas cidades de Piracicaba, Tietê, Porto Feliz, Conchas, Anhembi, Botucatu e Bofete. Além disso, tem bibliografia atualizada pelo próprio Antonio Candido.
Os eventos ocorrem a partir das 18h30. A exposição, intitulada Percursos de um Sociólogo, além das imagens que integram a reedição, exibirá mais 19 fotogramas da série, os cadernos de campo de Candido, as outras edições do livro e artigos assinados por Fernando Henrique Cardoso, Florestan Fernandes, Maria Sylvia de Carvalho Franco, Maria Isaura Pereira de Queiroz e José de Souza Martins.
A mesa-redonda reúne os sociólogos Martins, Maria Sylvia e Maria Isaura e a crítica literária Walnice Nogueira Galvão. À noite, o músico Ivan Vilela interpreta modas de viola, um dos aspectos da vida do caipira paulista estudados por Candido no trabalho.
Os Parceiros do Rio Bonito “teve como origem o desejo de analisar as relações entre a literatura e a sociedade; e nasceu de uma pesquisa sobre a poesia popular, como se manifesta no cururu — dança cantada do caipira paulista —, cuja base é um desafio sobre os mais vários temas, em versos obrigados a uma rima constante (carreira), que muda após cada rodada”, escreveu Candido no prefácio da primeira edição.
As pesquisas de campo de Candido foram realizadas de 1947 a 1954. No município de Bofete, o sociólogo se instalou, primeiro por 20 dias, em 1948, e depois por 40 dias, em 1954, num agrupamento rural.
Vocação
“Não tinha qualquer aversão aos estudos sociais, acadêmicos ou não, inclusive, repito, porque eles influíram nas minhas concepções de crítica literária, que sempre exerci paralelamente”, afirmou Candido em entrevista a Gilberto Velho e a Yonne Leite, em 1993.
André Gomes de Melo/Ministério da Cultura
Em ‘Os Parceiros do Rio Bonito’, Candido estuda o universo dos pequenos agricultores paulistas
Formação da Literatura Brasileira e Parceiros do Rio Bonito foram escritos ao mesmo tempo. “Quando defendi este (Parceiros) em 1954, com bastante atraso, achei que tinha justificado a minha posição de assistente de sociologia e estava desobrigado. Então me senti livre para seguir a vocação e mudar de campo universitário”, conta o crítico literário.
Candido estuda o universo dos pequenos agricultores paulistas e a crise por que passam com a crescente importância do universo urbano na sociedade brasileira. Neste momento, o caipira ou cai na condição de colono ou assalariado, na medida em que o latifúndio se refaz como unidade produtiva, ou migra para as cidades ou, ainda, consegue tornar-se proprietário por recuperação da iniciativa econômica, algo bastante difícil na situação estudada.
Na pesquisa sociológica (em que a antropologia também tem um papel importante), o autor delineia uma série de contrastes na vida do caipira. Observa, por exemplo, que a aceitação apenas dos traços impostos por essa nova sociedade é uma característica dos grupos, enquanto os indivíduos e as famílias isolados tendem a aceitar todos os traços “impostos e propostos” pela dinâmica social ou a rejeitá-los em conjunto.
São os grupos que mais interessam ao pesquisador. Candido observa que os caipiras estão adquirindo novos traços mais rapidamente do que mantendo os antigos. “Os grupos e indivíduos vão-se desprendendo da absorção do meio imediato — mas não têm elementos para promover de maneira adequada o reajuste a novos meios. A caça e a pesca se reduzem a quase nada como recurso de abastecimento — mas não podem ser substituídas pela alimentação cárnea do comércio.”
No momento estudado, o latifúndio estava em decadência econômica, e o caipira, antes empurrado para a periferia da fazenda produtiva, retoma lentamente para o seu centro quando ela decai, “recriando formas já agora incompletas de vida tradicional, num processo de cicatrização que é decadência do ponto de vista da economia de mercado, mas, justamente por isto, preservação dos padrões de vida do homem rústico”.
Nesse processo de mudança da cultura e da posição social do caipira, nota-se não apenas a conservação de alguns traços, mas também uma recuperação da cultura tradicional, como se ela estivesse em hibernação e fosse buscada como fórmula de ajustamento às condições do meio.
Passando ao campo da sociologia aplicada, Candido toca na questão da reforma agrária. Afirma que, sem planejamento racional, a urbanização do campo se processará “cada vez mais como um vasto traumatismo cultural e social, em que a fome e a anomia continuarão a rondar seu velho conhecido”.
Na opinião do autor, o latifúndio não se justificaria seja pela utilidade pública (sua produtividade era mínima), seja pela privada (pois proporcionaria ao proprietário apenas uma pequena parcela do que poderia render). “De outro lado, priva da posse da terra os seus cultivadores, que graças a ela poderiam adquirir estabilidade.”