A Alemanha quer legalizar o uso da maconha para fins pessoais e dentro de certos limites, em uma das reformas sociais mais simbólicas do Governo, que poderá entrar em vigor dentro de alguns meses. O ministro da Saúde apresentou as linhas gerais de seu plano nesta quarta-feira (16/08), e o Parlamento ainda precisa analisá-lo. Berlim quer evitar problemas, especialmente os do modelo holandês, mas muitos estão criticando o sistema por ser “burocrático demais”.
“Um ponto de virada em uma política que infelizmente havia fracassado”: o ministro da Saúde da Alemanha, Karl Lauterbach, elogiou os méritos de seu projeto de lei, propondo um modelo que ele considera melhor do que o de outros países.
A atual política repressiva é um beco sem saída, de acordo com o ministro: o mercado paralelo de entorpecentes e da maconha está crescendo, os produtos vendidos nem sempre são de boa qualidade e a polícia e o sistema judiciário estão sobrecarregados. Chegou a hora do pragmatismo e da semiliberalização, de acordo com as informações do correspondente da RFI em Berlim, Pascal Thibaut.
O texto, que ainda precisa ser votado pelo Parlamento nos próximos meses, foi apresentado pela coalizão social-democrata de Olaf Scholz com os ecologistas e liberais como a “melhor tentativa de legalizar a maconha” entre as medidas já em vigor em outros países.
Ao contrário do modelo de seu vizinho, a Holanda, não haverá vendas sem receita em lojas ou cafeterias na Alemanha. Para obter a cannabis, a passoa precisará ser membro de um clube, que produzirá a planta de forma controlada: Berlim se inspira em parte no modelo espanhol.
Os adultos poderão comprar 25 gramas por dia e até 50 gramas por mês, e as pessoas físicas poderão ser autorizadas a ter três plantas para uso próprio.
De acordo com o ministro da Saúde, outra parte da legislação que ainda está por vir prevê projetos-piloto envolvendo vendas em lojas, a serem apresentados “no segundo semestre do ano”.
Críticas à legalização
As propostas desta quarta-feira foram amplamente criticadas. Os defensores de uma liberalização mais ampla estão desapontados e acreditam que o mercado ilegal permanecerá inabalável. A direita denunciou uma “perda de controle do Estado” e um incentivo ao uso de drogas mais pesadas, principalmente para os jovens.
Os médicos apontam para os danos psicológicos de longo prazo. A Associação de Pediatras da Alemanha condenou “veementemente” o plano apresentado por Karl Lauterbach, ele próprio médico e pai de uma adolescente.
DPA
Projeto de legalização da maconha recreativa deve ser votado pelo parlamento alemão nos próximos meses
O ministro também está planejando lançar uma grande campanha para conscientizar os jovens sobre os perigos da maconha. “É um assunto tabu até agora”, disse ele. “Como o cérebro dos jovens continua a mudar até os 25 anos de idade, o uso regular de maconha pode levar a problemas irreversíveis de concentração e psicose”, ele alertou.
Juízes e policiais consideram o esquema “burocrático demais”, temendo que o monitoramento de regras muito detalhadas lhes dê ainda mais trabalho, em vez de aliviar sua carga de trabalho.
Para Steffen Geyer, presidente da Federação de Clubes Sociais de Cannabis, a nova legislação é “muito complicada”. “Queremos que os usuários de cannabis sejam colocados em pé de igualdade com os usuários de álcool e tabaco”, declarou durante uma manifestação em Berlim no sábado (12/08).
Legislação detalhada, consumo regulamentado
O atual governo alemão fez da legalização controlada um dos projetos mais importantes de seu mandato, mas teve que reduzir seus planos diante das reservas da União Europeia. Mesmo assim, a Alemanha terá uma das legislações mais liberais da Europa, seguindo os passos de Malta e Luxemburgo, que legalizaram a maconha para fins recreativos em 2021 e 2023, respectivamente.
Na Holanda, um dos pioneiros da liberalização por meio de suas famosas cafeterias, a posse para uso pessoal é descriminalizada, ou seja, sem processo legal até 30 gramas.
A nova lei prevê a criação de associações sem fins lucrativos em que membros adultos poderão cultivar a planta exclusivamente para consumo próprio, sob a supervisão das autoridades públicas.
Esses “Clubes Sociais de Cannabis”, como se autodenominaram, terão suas atividades regulamentadas e monitoradas constantemente pelas autoridades: só poderão fornecer a seus membros 25 gramas por dia, com um máximo de 50 gramas por mês. Os jovens com idade entre 18 e 21 anos terão um limite menor: 30 gramas por mês.
De acordo com o site da Federação de Clubes Sociais de Cannabis, pelo menos 111 associações já foram criadas, com o Governo limitando seu número a 500. Espera-se que essas associações cobrem de seus membros uma taxa “muito pequena” e que eles recebam a maconha a preço de custo, explicou o ministro da Saúde, Karl Lauterbach.
O consumo de cannabis teria de ocorrer fora desses clubes e seria proibido a menos de 200 metros de suas instalações, bem como em escolas, playgrounds, campos esportivos e associações de jovens.