O papa emérito Bento 16 culpou a revolução sexual da década de 1960 e um suposto colapso da fé no Ocidente por abusos sexuais cometidos por membros da Igreja Católica. As declarações foram feitas num texto de 18 páginas escrito pelo clérigo que foi divulgado nesta quinta-feira (11/04).
No texto intitulado “A Igreja e os Abusos Sexuais”, escrito para a revista clerical mensal alemã Klerusblatt, Bento 16 afirma que os escândalos sexuais dentro da Igreja têm sua origem num colapso moral generalizado da sociedade.
No texto, dividido em três partes, Bento 16 começa analisando o contexto histórico que levou a uma “praga do abuso”, argumentando que, desde a década de 1960, “os padrões vigentes até então com relação à sexualidade desmoronaram completamente” na sociedade, e citando alguns exemplos de seu país, a Alemanha.
O ex-papa, de 91 anos, alega que entre as liberdades pelas quais a revolução em torno do ano de 1968 brigou “estava a liberdade sexual total, uma que já não tivesse normas” e que isto está “fortemente relacionado com este colapso mental”. Ele segue argumentando que, ao mesmo tempo, “a teologia moral católica sofreu um colapso que deixou a Igreja indefesa diante dessas mudanças na sociedade”.
Ele afirma ainda que a revolução sexual fez com que a pedofilia fosse vista como algo “permitido e apropriado”, assim como a pornografia, que teria passado a ser considerada aceitável por alguns.
Bento 16 denuncia também uma suposta cultura abertamente homossexual em alguns seminários, que significou que houve falha no treinamento adequado de padres.
Segundo ele, em vários seminários foram estabelecidos grupos homossexuais que “agiram mais ou menos abertamente, o que mudou significativamente o clima que se vivia neles”. Ele conta ainda que no sul da Alemanha, os candidatos ao sacerdócio e para o ministério laico de especialistas pastorais viviam juntos e inclusive os casados às vezes estavam com suas esposas e filhos.
No texto, o papa emérito diz ainda o sistema legal da Igreja protegeu em várias ocasiões padres acusados e afirmou que garantias judiciais para assegurar a presunção de inocência chegaram “ao ponto em que excluiu qualquer tipo de condenação”.
Antes de ser tornar papa em 2005, Bento comandou por 23 anos a Congregação para a Doutrina da Fé e foi amplamente criticado pela maneira como lidava com casos de abusos, tentando tirar a culpa da Igreja.
Nos últimos anos, vieram à tona escândalos de abusos sexuais na Igreja em países como Irlanda, Chile, Austrália, França, Estados Unidos, Polônia e Alemanha, forçando o Vaticano a pagar bilhões de dólares em indenizações às vítimas. Muitos dos casos ocorreram antes da década de 1960, e em parte deles a Igreja encobriu os abusos protegendo os acusados.
O texto não fornece orientações sobre como erradicar os abusos de menores dentro da Igreja e conclui que a pedofilia atingiu “essas proporções” diante da “ausência de Deus”.
Segundo o ex-pontífice, um mundo sem Deus, é um mundo sem moral, onde não há parâmetros do bem e do mal.
Ele defendeu a publicação do texto com a intenção de contribuir para este “momento difícil” que a Igreja Católica atravessa e resolveu fazê-lo após um encontro ocorrido em fevereiro, no Vaticano, após um convite do papa Francisco aos presidentes das conferências episcopais de todo o mundo.
Após a revelação do conteúdo do texto – divulgado pela rede de notícias católica CNA – entre outros meios, teólogos criticaram o documento.
“A ideia de que o abuso de crianças é resultado dos anos 1960, de um suposto colapso da teologia moral é uma explicação embaraçosamente errada para o abuso sistemático de crianças e seu encobrimento”, afirmou o o professor de Teologia Brian Flanagan, da Universidade Marymount, na Vírginia.
A teóloga Julie Rubio, da Universidade Santa Clara, disse que o raciocínio do papa emérito é “completamente falho”.
Doris Reisinger, uma ex-freira alemã vítima de abuso, afirmou que é difícil acreditar que Bento 16 realmente escreveu o texto. “Essa carta é profundamente perturbadora em muitos níveis. Inacreditável”, escreveu em sua conta no Twitter.
Ao renunciar em fevereiro de 2013, o papa Bento 16 se tornou o primeiro em quase seis séculos a deixar o pontificado por vontade própria. Desde a renúncia, ele vive recluso no Vaticano, que até o momento não se manifestou sobre o texto divulgado nesta quinta-feira.
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Bento 16 diz que escreveu texto como contribuição para "momento difícil" vivido pela Igreja