O texto a seguir é a reprodução da fala do historiador Fernando Garcia na abertura do 6º Salão do Livro Político, na última sexta-feira (24/09).
Boa noite a todo mundo que nos assiste neste momento e uma saudação aos que verão esta gravação depois. Quero saudar também meus companheiros e companheiras de mesa: Professor Luis Augusto, o Tuto, que aqui representa a Magnífica Reitora Professora Maria Amália e toda esta instituição que foi palco de tantas lutas democráticas, a PUC de SP; Ivana Jinkings que concebeu a ideia do Salão do Livro Político como uma forma de resistência, lá em 2015. Cauê Ameni, companheiro de organização deste evento desde a primeira edição.
O Professor Luís Augusto, Ivana, Cauê e eu compomos uma parte da brava Comissão de Organização deste 6º Salão Livro Político. Evento este que hoje fechamos uma etapa, a sua organização – etapa, aliás, de um rico e frutífero debate –, para abrir outra etapa: a da realização propriamente dita.
E muito especialmente gostaria de saudar as nossas três convidadas que são veteranas do Salão do Livro: a cientista política Sabrina Fernandes que esteve conosco em 2019; um dos maiores quadros políticos da esquerda brasileira, a camarada Manuela d’Ávila, que participou de mesas em 2018 e 2019 (momentos de aprofundamentos de crises); e a professora Marilena Chauí, que nos brindou com uma exposição impressionantemente profunda na segunda edição, em meio ao processo de Impeachment… ou melhor dito, em meio ao processo do golpe de 2016.
Sejam as três muito bem vindas neste retorno ao Salão do Livro Político.
Coube a mim apresentar nesta abertura a já tradicional homenagem aos que ajudam e ajudaram a elevar as nossas consciências e que não estão mais conosco.
Foram feitas em anos anteriores homenagens a Vito Gianotti, Caio Graco Prado, Antônio Cândido, Max Altman, Marielle Franco, Paulo Freire. Marielle foi o prenúncio. Um crime político que anunciou a fase que entraríamos já no mesmo ano de 2018, com a vitória da extrema direita materializada na figura de Jair Bolsonaro.
Esta homenagem se diferencia de todas as outras cinco edições do Salão, infelizmente. Não foi possível condensar a homenagem em um nome, uma personalidade, um intelectual ou editor. Após a escalada de morte que norteou as nossas atenções, principalmente depois do início da pandemia, há mais de um ano e meio, a inteligência brasileira sofreu perdas irreparáveis. Em todas as áreas do conhecimento, seja nas artes ou nas ciências, na tecnologia ou na saúde, na política e entre os trabalhadores, foram perdidas vidas.
A doença pandêmica, covid, foi e é o núcleo da mortandade, mas o clima de terror de direita, clima este que é objetivo e subjetivo, leva a uma desesperança e traz outras doenças e mortes. Hoje perdemos o “Seo” Cortez – como disse a Ivana –, uma das figuras mais incríveis do mundo editorial: pra lá de empresário, ele era um ativista do livro. Uma personalidade que ascendeu investindo na divulgação da educação. Quantos clássicos da área de educação, serviço social e outras foram editadas pela Editora que leva seu nome, a Cortez?
Quero enfatizar também a falta que já faz e fará de um professor que foi vítima da covid em abril passado. O professor emérito da Universidade de São Paulo, crítico e historiador da literatura, membro da Academia Brasileira de Letras, o professor Alfredo Bosi. Uma referência de todos nós que viu nas letras, na literatura, no que foi escrito no correr do processo de formação do país, um enfoque colonizador. O Professor Bosi compreendeu, desvendou a grande dialética de um dos processos mais opressores que vive o Brasil, sua colonização lida e escrita.
Por covid ou por outras razões nos deixaram, ainda, o compositor Aldir Blanc, coautor do hino da Anistia e que passou a nomear uma lei de incentivo e sobrevivência de artistas durante este período de crise. Perdemos o ator que tinha a cara do povo brasileiro, Flávio Migliaccio. Outro ator que nos fez rir e chorar também partiu, Paulo José. Não veremos mais presencialmente as regências de Martinho Lutero Galati, o maestro que levava músicas revolucionárias para as partituras e orquestras. Não ouviremos mais ao vivo a voz popular de Nelson Sargento. A acidez profundamente nacional de José Ramos Tinhorão ficará nas nossas memórias. A irreverência e perspicácia do humorista Paulo Gustavo foi levada pela covid. Perdemos um politólogo controverso e de mão cheia, Francisco Weffort. Outro editor que nos deixou, um verdadeiro militante da democracia que enfrentou os cárceres da ditadura, Alípio Freire. Da mesma geração, o escritor Duarte Pereira e o jornalista José Carlos Ruy.
Esta noite não seria suficiente para citar todos os nomes que perdemos. Mas cito apenas mais quatro que têm de especial suas participações no Salão do Livro Político. Logo após o último Salão, perdemos o jornalista Paulo Henrique Amorim. Ano passado, nos deixou o historiador Augusto Buonicore, a quem rendo imensa homenagem. Semanas atrás, o filósofo José Arthur Giannotti, um pilar da filosofia brasileira. E por fim, na edição passada, nós, do Salão do Livro, recebemos uma carta do ex-presidente Lula que naquele então se encontrava arbitrariamente encarcerado. Esta carta foi lida e interpretada pelo ator Sérgio Mamberti, que nos deixou dias atrás.
Essa homenagem se estende também aos quase 600 mil brasileiras e brasileiros mortos, seus familiares e amigos; estes que vivem o terror da espreita da morte e da falta de perspectiva.
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Senhoras e Senhores, essa é uma representação do tamanho da perda que tivemos nos últimos tempos. Isso aumenta a nossa responsabilidade coletiva de interpretar os fenômenos que estão oprimindo o Brasil e o povo brasileiro. Deveremos dobrar, triplicar a nossa capacidade de reflexão sobre as saídas que precisaremos construir para tirar o país desta situação. E não tenho dúvidas de que estaremos juntos virtualmente e presencialmente para fazer ganhar escala uma imensa campanha de Fora Bolsonaro!
Fernando Garcia é historiador e um dos organizadores do 6o Salão do Livro Político (www.salaodolivropolitico.com.br)