Depois do burkini, o biquíni adaptado para uso das mulheres de credo islâmico, que causou furor no verão passado no sul da França, agora é a vez do hijab para running. Isso mesmo, você leu direito: um véu islâmico em material sintético, o elastano, que “permite a evaporação do calor corporal durante a corrida” e a “adaptação a todo tipo de cabeças”. O runjab vem em três tamanhos, P, M e G, e foi “testado por 20 mulheres que usam o véu e correm regularmente”. O anúncio causou polêmica e bate-boca entre personalidades nas redes sociais francesas, nesta terça-feira (26/02).
Primeiro, a Decathlon declarou que o produto, um hijab, véu islâmico, fabricado em material esportivo para corredoras, seria comercializado apenas no Marrocos, país de maioria muçulmana. Mas com o anúncio estampado em seu site, disponível em todas as regiões da França, a marca teve que voltar atrás e admitiu nesta terça-feira, após uma reportagem do canal de televisão France 3, que o produto estava mesmo disponível para francesas em seu site.
Foi o suficiente para dar início ao tsunami de reações nas redes sociais francesas. “Decathlon também se submete ao #islamismo, que tolera mulheres apenas quando têm a cabeça coberta com um hijab para afirmar sua submissão aos homens. #Decathlon, portanto, nega os valores da nossa civilização no altar do mercado do marketing identitário”, declarou no Twitter a polêmica Lydia Guirous, porta-voz do partido de direita Os Republicanos, na França.
A marca respondeu à Guirous, também nas redes sociais: “Fique tranquila, não negamos nenhum dos nossos valores. Sempre fizemos tudo para tornar o esporte mais acessível em qualquer lugar do mundo. Esse hijab era uma necessidade de algumas praticantes de corrida, então respondemos a essa necessidade esportiva”, disse a loja, criando uma nova avalanche de acusações. “A Decathlon se lança na moda esportiva islâmica”, escreveu a porta-voz, que lançou até um comunicado oficial do partido, dizendo que “lamentar que as empresas francesas promovam a ideologia multicultural e sacrifiquem nossos valores no altar das considerações mercantis”.
Boicote
Várias personalidades políticas da França se mobilizaram para criticar o véu islâmico para esportes nas redes sociais, alguns até pedindo um boicote à marca. “O esporte emancipa: ele não submete. Minha escolha de mulher e cidadã será não mais confiar em uma marca que rompa com nossos valores”, escreveu Aurore Bergé, porta-voz do partido A República em Marcha (LREM), do presidente francês Emmanuel Macron.
No canal de TV France 2, Nicolas Dupont-Aignan, presidente do partido de extrema-direita Débout la France (França de pé, em tradução livre), traçou um paralelo entre o “véu islâmico esportivo” com a situação das mulheres na Arábia Saudita.
“Eu tenho duas filhas e não quero que elas vivam em um país onde o lugar das mulheres na sociedade regride, como na Arábia Saudita. Peço um boicote da marca #Decathlon que comercializa este tipo de roupa! ”, declarou Dupont-Aignan.
Entrevistada nesta terça-feira (26/02) na rádio RTL, a ministra da Saúde, Agnès Buzyn, salientou que tal produto “não é proibido por lei”. Mas “é uma visão da mulher da aqual eu não compartilho. Como mulher é assim que entendo isso. Tudo o que pode levar à diferenciação [de gênero] me incomoda. Eu teria preferido que uma marca francesa não promovesse esse véu “, acrescentou. “Pessoalmente, não quero promover a diferenciação entre mulheres e homens”, afirmou a ministra francesa.
Ministra da Justiça
A ministra francesa da Justiça, Nicole Belloubet, lamentou nesta quarta-feira (27/02) a “histeria” provocada pelo anúncio.
Em entrevista ao canal de televisão BFMTV, Nicole Belloubet lembrou que a venda do véu islâmico na França é legal. Ela disse que a propaganda da rede de artigos esportivos “é uma estratégia comercial de uma empresa privada” e que “a partir do momento em que a lei está sendo respeitada”, ela não tem nada o que comentar. No entanto, a ministra achou lastimável o fato de políticos, tanto de esquerda quanto de direita, que alimentaram essa “histeria”.
A associação feminista Les Effrontées (As Atrevidas, em tradução livre) denunciou um “clima racista”. Em comunicado, ela disse que essa reação à comercialização do véu islâmico para corrida é “mais uma polêmica que visa impedir as muçulmanas de ter uma vida normal”. No verão de 2016, a controvérsia sobre o burkini, o biquíni adaptado para uso das mulheres de religião islâmica, também foi explosiva.
Uma outra marca de artigos esportivos, a americana Nike, vende há alguns anos um véu islâmico para praticantes de esportes, em preto, cinza ou branco, e essa comercialização nunca tinha gerado um debate como agora.
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Anúncio causou polêmica e bate-boca entre personalidades