No programa 20 MINUTOS ANÁLISE desta terça-feira (29/06), o jornalista e fundador de Opera Mundi, Breno Altman, analisou a crise política na Nicarágua. Governado por Daniel Ortega, da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), o país é alvo de pressões internacionais e deverá realizar eleições presidenciais em 7 de novembro.
“Acusa-se a administração nicaraguense de ser responsável por uma onda repressiva contra seus opositores, com a prisão recente de vários dos seus líderes”, explicou Altman. O governo nega e contesta que as detenções ocorreram por decisão judicial, em função do envolvimento dos investigados em receptação e lavagem de dinheiro estrangeiro para o desenvolvimento de atividades políticas internas, em descumprimento das leis nacionais.
Os conflitos atuais tiveram início no dia 2 de junho, quando quatro supostos pré-candidatos à Presidência foram presos por ordem do Poder Judiciário local: Cristiana Chamorro, Arturo Cruz, Félix Maradiaga, Juan Sebastián Chamorro (primo de Cristiana) e Miguel Mora.
Segundo o chanceler Denis Moncada, em entrevista ao canal Telesur, os investigados “não são candidatos presidenciais, mas dirigentes de organizações não-governamentais que recebem dinheiro dos Estados Unidos e da União Europeia para desestabilizar o país, com indícios da prática de crimes claramente especificados nas leis da Nicarágua”.
“As prisões continuaram nos dias seguintes, totalizando 21 encarcerados, alguns em prisão domiciliar, incluindo antigos dirigentes sandinistas, que se afastaram da FSLN ainda nos anos 90 e se aliaram, nos últimos 15 anos, à oposição de direita”, relembrou Altman. Os nomes mais conhecidos entre esses são os dos ex-comandantes guerrilheiros Dora Maria Tellez e Hugo Torres.
“Todas as prisões ocorreram com base na Lei de Defesa dos Direitos do Povo à Independência, Soberania e Autodeterminação para a Paz, aprovada pelo Parlamento em outubro do ano passado, de acordo com as autoridades nicaraguenses. Essa lei pune gravemente quem se alia à intervenção estrangeira no país ou a facilita através, por exemplo, do recebimento de recursos financeiros”, enfatizou o jornalista.
Segundo ele, a legislação foi aprovada após uma longa história de tentativas, em especial dos Estados Unidos, de interferir na vida política nicaraguense: “Sempre foi do máximo interesse da Casa Branca a localização geográfica do país, no centro do continente, com acesso tanto ao Oceano Atlântico quanto ao Pacífico, com o potencial de construir um segundo canal interoceânico, como é o do Panamá”.
Os EUA e o sandinismo
“Sempre tratada como uma espécie de colônia pela superpotência ao norte, a Nicarágua mudou seu destino a partir de 1979, com a vitória da Revolução Sandinista no dia 19 de julho daquele ano, comandada, entre outros, pelo próprio Daniel Ortega, derrubando a ditadura da família Somoza, parceira por décadas dos EUA”, narrou Altman.
Nos dez anos da primeira fase de governo sandinista, entre 1979 e 1990, inúmeras sabotagens foram levadas a cabo para derrotar a revolução. Não apenas sanções econômicas e diplomáticas, mas também ações militares diretas, com a preparação, o armamento e o financiamento de grupos contrarrevolucionários que levaram o país à guerra civil.
Dispostos a manter todas as liberdades democráticas, os sandinistas foram às eleições presidenciais em 1984, e Ortega saiu vitorioso, “mas perdeu em 1990, em função do enorme desgaste provocado pelo confronto armado interno, alimentado pelos EUA e seus associados locais”.
De acordo com Altman, durante mais de 15 anos, as velhas elites nicaraguenses voltaram a mandar e adotaram as clássicas políticas neoliberais recomendadas pelas instituições financeiras internacionais, “desmontando as conquistas sociais do sandinismo”.
“A situação da população sofreu tamanha decadência, a crise social agravou-se a tal ponto, que foi insuficiente, para manter a direita no poder, o apoio sempre descarado dos EUA aos governos e partidos da contrarrevolução. Foi nesse cenário que Daniel Ortega voltou a ser eleito presidente, em 2006. Acabaria sendo reeleito em 2011 e 2016”, discorreu.
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País é alvo de pressões internacionais e espera realizar eleições presidenciais em 7 de novembro
Em um regime pluripartidário, com eleições supervisionadas por distintas organizações mundiais, os resultados das urnas sempre foram considerados legítimos. Os EUA, no entanto, não desistiram de desestabilizar a gestão sandinista, aproveitando-se de seus erros e financiando seus opositores, principalmente via ONGs, além de lhes dando cobertura internacional e midiática, como afirmou o jornalista.
Apesar de tudo, a FSLN conseguiu manter a direção do Estado, mas decidiu que era necessário criar uma legislação especial que contivesse com mais rigor a intervenção internacional.
Altman ressaltou que existem provas e indícios de intervenção estrangeira no país, de modo que os sandinistas tiveram de “endurecer o jogo, com a lei especial votada em outubro”. Por essa norma, entre outras obrigações, ONGs que recebem dinheiro de fora têm que se registrar como agentes estrangeiros e está criminalizada qualquer participação na vida política do país.
“Esse é o pano de fundo das prisões ocorridas: uma forte reação do sistema judicial nicaraguense, com base nessa lei, para desmontar os grupos abastecidos com recursos internacionais, particularmente a Fundação Chamorro, controlada por uma das dinastias familiares mais ricas e poderosas da Nicarágua, de onde provém a maioria dos presos de junho”, defendeu.
Reação internacional às prisões
“A Organização dos Estados Americanos (OEA), a Casa Branca e a União Europeia, entre outros centros de poder do conservadorismo, evidentemente fizeram e estão fazendo o maior escarcéu. Mas o Conselho de Direitos Humanos da ONU, por exemplo, por 139 votos a 54, em 22 de junho, rechaçou uma moção de condenação ao governo Ortega proposta pelos Estados Unidos e a União Europeia”, afirmou Altman.
Ele ressaltou que os sandinistas também contam com a solidariedade de Rússia e China, além dos governos progressistas da América Latina, embora alguns mais atuantes que outros no direito da Nicarágua em defender sua soberania nacional.
Para o jornalista, “a hipocrisia de Joe Biden e seus parceiros mundo afora é evidente”: “O presidente norte-americano despacha raios e trovões contra os russos, no caso de haver qualquer tipo de interferência de Putin nos processos políticos internos de seu país, como ocorreu durante a reunião de cúpula há duas semanas. Os EUA, portanto, repelem qualquer desrespeito à sua soberania, real ou suposto. Por que a Nicarágua e todos os demais países não podem agir da mesma forma?”, questionou.
Para Altman, seguindo essa linha de raciocínio, o Estado nicaraguense também não deveria deixar que potências estrangeiras interviessem em suas disputas políticas internas
Apesar da tensão, o governo Ortega tem feito sucessivas declarações de que o sistema pluripartidário, as eleições e as garantias democráticas serão plenamente respeitadas, mas que o país não abrirá mão de sua soberania e de tratar como traidores nacionais os que se associarem à intervenção estrangeira.
“Há fortes possibilidades que os EUA e a União Europeia se preparem para repetir a estratégia contra a Venezuela, ainda que fracassada. Podem desconhecer um novo mandato de Ortega, caso ele seja reeleito em novembro, tentando criar condições para mais pressão internacional, até mesmo militar, ou para algum presidente autoproclamado, embora ali seja difícil, pela ampla maioria parlamentar que tem a FSLN”, especulou Altman.
Na opinião do jornalista, os erros e atropelos do governo sandinista, “inegáveis”, não são motivo para uma intervenção imperialista que busca desestabilizá-lo.
“Essa história vem de longe e se trata apenas dos interesses geopolíticos e de classe das grandes potências capitalistas, sempre inimigas da democracia e da soberania em nosso continente”, concluiu.