No programa 20 MINUTOS INTERNACIONAL desta quinta-feira (10/02), o jornalista Breno Altman entrevistou o ex-presidente da Bolívia Evo Morales, que governou entre 2009 e 2019, sendo forçado a renunciar por um golpe de Estado.
Segundo o ex-mandatário, a mobilização popular e o trabalho dos movimentos sociais bolivianos foram os responsáveis pela recuperação da democracia no país, levando à vitória de Luis Arce nas eleições presidenciais de 2020. Além disso, Evo afirmou que o golpe de 2019 foi dado contra o modelo econômico impulsionado por seu governo e que há uma nova Operação Condor no século 21, em referência ao plano coordenado de perseguição, prisão e assassinato que uniu ditaduras do Cone Sul nos anos 1970 e 1980.
“A consciência do povo boliviano permitiu recuperar a democracia. Depois que Lucho ganhou, disseram que era a receita para um ditador, que ele tinha que renunciar. Mas depois da Marcha pela Pátria em novembro do ano passado, todas essas forças foram derrotadas. Sabemos que podemos convocar nossos companheiros para defender o projeto político que garante a liberação do povo, porque o golpe foi, sobretudo, contra o nosso modelo econômico de nacionalização e industrialização. A Operação Condor do século 21 está presente, o império não aceita competição nem rivais”, defendeu o ex-mandatário.
Apesar disso, Evo ressaltou que a luta deve continuar e que os líderes do movimento golpista precisam ser julgados. Em referência a Jeanine Áñez, que havia assumido a Presidência interinamente após o golpe, ele afirmou que ela “foi um instrumento para os golpistas”, e apontou para fato de que não se fala sobre os outros líderes, como Tuto Quiroga e Camacho.
“Em uma ou duas semanas, houve 38 mortos a bala, feridos, pessoas injustamente detidas, refugiadas em embaixadas…então argumentos penais e judiciais para que eles sejam processados sobram, mas isso é responsabilidade da Justiça e é um pedido de Justiça. Se nós julgarmos os golpistas aqui, isso vai servir de referência para toda a América Latina”, refletiu.
Além disso, o ex-presidente destacou a importância de aprender com o ocorrido, e celebrou que a sociedade boliviana já identificou suas ameaças internas e externas, “o importante é trabalhar isso com as novas gerações, debater com o povo e preparar um programa para a segunda revolução democrática cultural”.
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Ex-presidente comentou derrota das forças golpistas na Bolívia e reforçou papel atual de fortalecer o MAS
Evo Morales e Lucho Arce
Nesse sentido, o papel de Evo, de acordo com o próprio líder, é de promover a unidade no povo boliviano, organizá-lo, disseminar o programa do MAS, o partido Movimento ao Socialismo, “sempre refrescando a memória das novas gerações, repassando a história, avaliando o presente e pensando no futuro”.
Ele lembrou que, mais do que um partido político iniciado pelo movimento indígena, o MAS trata-se de um movimento político “para quem pensa sobre a pátria e não compartilha as políticas de vende-pátrias, é um movimento imparável da política na Bolívia”.
Apesar de nas próximas eleições já estar elegível outra vez, o ex-presidente não quis comentar a possibilidade de uma candidatura. Em vez disso, fez um balanço do primeiro ano do governo de Arce, que foi o ministro da Economia e Finanças Públicas de Evo durante muitos anos.
“O primeiro ano é sempre de dificuldades, mas acho que o governo tem que ser medido pelos seus resultados. Depois de 11% de decrescimento em 2020, voltamos a ter um crescimento de 6% em 2021. Acho ele vai seguir melhorando conforme for ganhando experiência”, ponderou.
O ex-presidente se mostrou esperançoso principalmente na área da economia, especialidade de Arce, com a retomada de vários processos de industrialização paralisados: a Bolívia pretende construir 42 fábricas de lítio até 2030.
“O golpe foi por causa do nosso lítio. Os países industrializados só nos querem para garantir matéria-prima, não querem deixar que a gente ofereça produtos com valor agregado. Quase 70% do lítio mundial está na Bolívia, se nós cumprirmos com os nossos objetivos, podemos ser potência, podemos determinar o preço do lítio no mundo”, argumentou.
Integração latino-americana
Evo também discorreu sobre o atual cenário político da América Latina, com as eleições de Pedro Castillo, no Peru, e Gabriel Boric, no Chile: “a imoral Doutrina Monroe da América para os americanos fracassou. Temos por presidentes dirigentes sindicais [em referência a Lula], professores e um jovem estudante. Todas as doutrinas norte-americanas vão fracassar na América Latina”.
Porém, para que isso ocorra, ele enfatizou a necessidade de voltar a fortalecer os mecanismos de integração e cooperação regional, como a Celac, a Unasul e o Mercosul, pois a política estadunidense “não mudou nem vai mudar”. “Nos EUA governam as multinacionais, independentemente de em quem o povo vota”.
O ex-presidente ainda refletiu sobre a possibilidade de que a Bolívia volte a ter uma saída marítima, agora que Boric é mandatário. Em 1879, o país perdeu 400km de costa durante uma “intervenção expansionista” chilena que buscava fazer fronteira com o Brasil. “A Corte de Haia pede que as negociações sigam, temos que buscar soluções pacíficas para esse tema que está pendente, mas acho que ainda não é o melhor momento de falar sobre o tema com o Chile, temos que esperar que se forme uma agenda”, afirmou.
Já com relação ao Brasil, ele se mostrou otimista diante da possibilidade de reeleição de Lula: “estou convencido de que o irmão Lula será nosso presidente”. Mas recordou que a Bolívia “respeita a soberania de cada país e queremos fortalecer nossas relações diplomáticas com o Brasil, de solidariedade e complementaridade, sem competitividade”, concluiu.