A resolução da Corte Constitucional da Guatemala em suspender os resultados eleitorais e não designar cargos até que sejam esclarecidas todas as impugnações dos partidos políticos derrotados nas eleições presidenciais, coloca em apuros o Tribunal Superior Eleitoral e dificulta a alternância do poder.
Um TSE submisso disse que acata a resolução sem sequer pedir esclarecimentos a menos de dois meses do segundo turno das eleições. Os mesmos partidos que enfraqueceram o processo eleitoral e que atuaram em conluio com o governo [de Alejandro Giammattei] por quatro anos afirmam que as eleições foram roubadas. Em meio à incerteza que se projeta, muitas vozes se levantaram para pedir a proteção da decisão tomada pelos guatemaltecos, em 25 de junho passado e que se baseia nas cédulas e nas atas das juntas eleitorais.
O Centro de Operações do Processo Eleitoral (COPE), localizado no Parque d Indústria, acordou no domingo (02/07) vigiado por policiais e membros do exército. No local estão guardadas todas as urnas com as cédulas utilizadas no primeiro turno das eleições gerais de 25 de junho, quando a população guatemalteca saiu para eleger presidente, vice-presidente, prefeitos e representantes. Ficam também depositadas todas as atas de resultados assinadas pelas assembleias de voto e pelas Juntas Eleitorais Municipais e Departamentais.
A segurança do local é a maior preocupação a nível nacional e internacional depois do Tribunal Constitucional (CC), a pedido de nove organizações políticas, suspender os resultados eleitorais e exigir uma nova revisão das contagens.
A demanda para proteger os votos é coletiva
À convocatória juntaram-se missões de observação eleitoral nacionais e internacionais, grupos de direitos humanos, colunistas, jornalistas, advogados e cidadãos que publicaram os resultados dos dados da tabela em que votaram antecipadamente após a revisão do Programa Informático para a Transmissão de Preliminares Resultados (TREP) do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A Missão de Observação Eleitoral da Guatemala (MOE-GT) instou as autoridades eleitorais, com urgência, a “tomar as medidas necessárias para proteger o depósito onde estão armazenadas as urnas eleitorais contendo as atas originais e cédulas eleitorais”.
Os comunicados e apelos ao respeito da decisão dos guatemaltecos depositados nas urnas aumentam à medida que se avança na análise, alcance e efeitos negativos que a decisão do CC pode ter sobre o processo eleitoral.
“Os Estados Unidos estão profundamente preocupados com os esforços para interferir no resultado da eleição de 25 de junho. Ações para interferir no resultado das eleições violam o espírito da Constituição da Guatemala e ameaçam a legitimidade de seu processo democrático. Minar as eleições seria uma séria ameaça à democracia com implicações de longo alcance”, alertou o secretário do Departamento de Estado norte-americano, Antony Blinken, na tarde deste domingo.
Um golpe eleitoral
No sábado (01/07), o Mirante Eleitoral já anunciava que um “golpe eleitoral” estava se formando. “Diante dos resultados desfavoráveis, produto do cansaço dos cidadãos, vários partidos políticos por eles afetados intentaram ações judiciais que visam, como vários deles manifestaram, a anulação das eleições realizadas a 25 de junho”, refere o comunicado publicado horas antes da resolução do CC.
O órgão se referia às ações apresentadas por nove organizações políticas, entre as quais se destacam os partidos que mais recursos investiram na campanha eleitoral e cujos binômios presidenciais não conseguiram avançar para o segundo turno ou não obtiveram os resultados esperados em suas listas de deputados ou corporações municipais.
“Eles ainda estão em choque, porque nunca imaginaram que o Movimento Semente, de esquerda, chegaria ao segundo turno”, disse Manfredo Marroquín, membro do Mirante Eleitoral.
Os partidos Vamos, UNE, Valor, Cabal, Cambio, Mi Familia, Podemos, Creo e Azul pediram a suspensão da atribuição de cargos e da oficialização dos resultados, por considerarem que existem dúvidas ou anomalias na contagem dos votos.
Mas nem só o teor do pedido de amparo gera desconfiança. O fato dos partidos terem ido diretamente bater à porta do CC, em vez de irem ao Supremo Tribunal de Justiça (CSJ), conforme estabelecido pelo procedimento normal em matéria eleitoral, levantou muitas bandeiras vermelhas.
“A Corte Constitucional não tem competência para conhecer da matéria, se os amparos forem contra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a competência é do Superior Tribunal de Justiça (CSJ), e se, ao contrário, forem contra da Junta Eleitoral, a competência seria do juiz ordinário ou da câmara de apelação”, disse o advogado Oswaldo Samayoa em sua conta no Twitter.
Por esta mesma razão, o promotor do partido Movimento Semente, cujo candidato presidencial foi para o segundo turno, interpôs três ações perante o CC. Os integrantes do grupo pediram esclarecimentos sobre a resolução, que consideram ambígua, para tornar terceiros interessados no amparo e para que o Tribunal revogue sua resolução por não ser o órgão competente para conhecer as ações promovidas para impedir a oficialização do voto eleitoral.
“É inédito que o mais alto tribunal em matéria de defesa da ordem constitucional tenha resolvido em liminar onde não tinha competência e que após a resolução reconheça que não era sua competência, razão pela qual transfere os autos ao CSJ”, disse o procurador do partido Semente, Juan Gerardo Guerrero.
Twotter/TSE Guatemala
Um TSE submisso disse que acata a resolução sem sequer pedir esclarecimentos a menos de dois meses do segundo turno das eleições
O escopo da resolução
A resolução proferida pelo CC na noite de sábado determina que as Juntas Departamentais Eleitorais (JED) e o Distrito Central convoquem nova audiência de revisão de escrutínio na qual os “sujeitos legitimados” poderão, mais uma vez, propor as impugnações que entenderem cabíveis, independentemente de o audiências foram realizadas.
Em seguida, a autoridade eleitoral deve proceder à comparação entre as atas do processo eleitoral para determinar se cumpriram os requisitos legais. Caso sejam identificadas alterações nos resultados das votações, as Juntas Departamentais e Distritais Eleitorais deverão proceder às modificações necessárias.
O CC também deixa a porta aberta para que, caso se justifique uma nova contagem de votos, as deliberações sejam fundamentadas.
Com essa decisão, o TSE não poderá oficializar os dados e fica suspensa a adjudicação de cargos de novas corporações municipais e dos deputados que integrarão o Congresso para o triênio 2024-2028. Suspende também a oficialização das duas duplas presidenciais que vão disputar a segunda volta das eleições, e cujos resultados preliminares favoreceram Sandra Torres, do partido UNE, e Bernardo Arévalo, do grupo Semente.
Um processo que poderia ser muito lento, como ficou demonstrado nas eleições gerais de 2019 quando, após 14 dias, os procuradores de vários partidos políticos que haviam questionado os dados dos registros da Junta Receptora de Votos (JRV) desistiram de continuar analisando os registro em Ata de todo o processo eleitoral.
Enquanto o TSE não define como vai proceder, a Missão de Observação Eleitoral da Organização dos Estados Americanos (OEA) aponta que a contestação de votos no dia da eleição foi baixa e reitera que os mesmos partidos que tiveram o maior número de procuradores por tabela são os que agora estão entrando com ações contra o resultado.
“Apesar do elevado número de procuradores partidários, o total de votos impugnados foi relativamente baixo, ou seja, as próprias organizações políticas encontraram pouco o que contestar no dia das eleições. Por exemplo, a eleição presidencial foi contestada por menos de 0,01% dos votos expressos. A missão quer sublinhar que alguns dos partidos políticos que agora procuram, através do amparo, contestar os resultados eleitorais, foram precisamente os que tiveram maior presença de procuradores nas assembleias de voto no dia 25 de junho”, refere o comunicado.
O mesmo fez notar o presidente da Junta Departamental Eleitoral de Quetzaltenango na quinta-feira passada (29/06), quando procuradores de partidos políticos solicitaram a revisão dos autos. “Se pretende fazer algo que em determinado momento não credenciou como reclamação perante nenhuma Mesa Receptora de Votos, então suas objeções não serão atendidas”, respondeu Mynor Domínguez ao procurador do Partido da Família que apontou problemas na ata.
Em nota na noite deste domingo (02/07) o TSE indica que as Juntas Departamentais Eleitorais devem se organizar para realizar as audiências de revisão das apurações, embora o processo já tivesse sido concluído em 30 de junho. Os magistrados indicam que vão levar a cabo o que foi resolvido pelo CC e “enquanto se elucidam as situações referidas na resolução, ficam suspensas a qualificação e oficialização dos resultados das eleições gerais”.
Embora a resolução do CC determine que o processo de revisão do escrutínio seja feito com a maior brevidade possível para não prejudicar a data fixada para a segunda volta prevista para o próximo dia 20 de agosto e que sejam respeitados os prazos estabelecidos para a alternância de poderes, a Junta Eleitoral Departamental teria menos de dois meses para cumprir a ordem.
A isso se soma a incerteza pela porta aberta que a resolução deixou para uma recontagem de votos quando for necessário equilibrar os dados da ata, ação que pode estender por meses a oficialização dos resultados.
O TSE reitera em breve comunicado que “os guatemaltecos podem continuar confiando na autoridade eleitoral” para proteger o regime democrático do país, regime que já demonstrou que os prazos para a alternância de autoridades é o que menos os tira do sono. Grande exemplo é representado pelos magistrados do CSJ que deveriam ter entregado seus cargos há quatro anos.
A sete dias das eleições gerais, os dados oficiais dos novos parlamentares, das prefeituras e dos que vão disputar a presidência foram oficialmente suspensos pelo TSE.
O único fato que ficou claro para os guatemaltecos que não dormiram e ficaram acordados até a madrugada de segunda-feira (26/06) é que quem disputaria o segundo turno das eleições eram Sandra Torres e Bernardo Arévalo.
Depois daquela conferência dos magistrados do TSE às 3 da manhã, começaram a brotar os embates e desentendimentos dos vencidos.
Mas, os magistrados da Justiça Eleitoral por meio de nota, sem maiores explicações, informaram que zeraram o quadro.
(*) Lucy Chay é licenciada em Ciências da Comunicação com mestrado em Análise Estratégica, Geopolítica e Segurança. Repórter, e redatora especializado na área política. Com 20 anos de experiência como jornalista em rádio e mídia impressa.
(*) Tradução Duda Blumer.