O presente texto está publicado como apresentação do livro “O Brasil Desenvolvimentista e a Trajetória de Rômulo Almeida – Projeto, Interpretação e Utopia”, de Alexandre de Freitas Barbosa, lançado pela Editora Alameda.
Este livro é um mergulho de Alexandre de Freitas Barbosa na história do “Brasil Desenvolvimentista”, o nome que ele dá ao desenvolvimento do Brasil entre 1945 e 1964. É um mergulho no passado, ou é um mergulho no Brasil? A segunda alternativa é mais correta, tanto assim que, no final do seu livro ele afirma que o período após-1980 poderia ser chamado de “não desenvolvimentista” – algo com o que eu concordo plenamente. Um período não desenvolvimentista e, portanto, liberal, porque no desenvolvimento há sempre uma intervenção moderada do Estado na economia visando o desenvolvimento nacional, enquanto no liberalismo econômico espera-se que a coordenação econômica do sistema social fique exclusivamente por conta do mercado. Um período que, desde 1990, depois da grande crise dos anos 1980, foi caracterizado por reformas liberais e pela quase-estagnação econômica, enquanto o “Brasil desenvolvimentista” foi caracterizado por um acelerado processo de desenvolvimento econômico.
Este livro é produto de uma ampla e profunda pesquisa sobre esse período da história do Brasil e sobre a figura de Rômulo de Almeida, que foi o chefe da Assessoria Econômica da Presidência da República no segundo governo de Getúlio Vargas. Dessa assessoria nasceram as principais iniciativas voltadas para o desenvolvimento econômico que caracterizaram esse governo e que estabeleceram as bases para o grande desenvolvimento dos anos 1960 e principalmente dos anos 1970. Rômulo de Almeida, embora pouco conhecido, foi a meu ver o mais notável formulador de políticas que o Brasil teve no período de grande desenvolvimento econômico.
O método utilizado por Alexandre de Freitas Barbosa é rigorosamente histórico. Por isso ele chama esse período de desenvolvimentista. O nacionalismo econômico e a defesa de uma intervenção moderada do Estado na economia eram dominantes naquela época. Havia então um número importante de intelectuais-burocratas que construíram uma ideologia e uma prática desenvolvimentista, ou, nas palavras do autor, “um projeto-interpretação-utopia”. Um projeto que era tão dominante que o autor distingue os desenvolvimentistas estrito senso ou “técnicos nacionalistas” como o próprio Rômulo de Almeida, Celso Furtado, Hélio Jaguaribe, Ignácio Rangel, Cleanto de Paiva Leite e Jesus Soares Pereira, dos desenvolvimentistas “mercadistas”, como Roberto Campos e Lucas Lopes, que também defendiam um papel ativo do Estado na economia, mas estavam preocupados com o equilíbrio fiscal e cambial. Eram desenvolvimentistas que se separaram em 1959, quando Juscelino Kubitschek rompeu com o FMI. Um pouco mais tarde os dois últimos se associariam aos economistas liberais Eugênio Gudin e Octávio Gouvêa de Bulhões.
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Rômulo de Almeida, que foi o chefe da Assessoria Econômica da Presidência da República no segundo governo de Getúlio Vargas
A pesquisa realizada por Barbosa é realmente de primeira qualidade. A história desse rompimento, por exemplo, é contada com muita precisão. E com muita objetividade. Algo que é muito difícil quando se discutem as duas formas de organização econômica, os dois regimes básicos de política econômica, e as duas ideologias em luta do capitalismo. Barbosa não dá ao conceito de desenvolvimentismo esse papel de alternativa ao liberalismo econômico. Conceito que eu venho dando desde que me perguntei qual seria a palavra que indicaria a alternativa ao liberalismo econômico, e verifiquei que essa palavra não existe. Fiel ao método histórico, ele situa o conceito de desenvolvimentismo na história. Ele está certo, mas também talvez eu esteja certo quando projeto o passado no futuro.
Barbosa também analisa o debate entre a escola nacionalista e desenvolvimentista do ISEB e a escola de sociologia da USP, e o faz com grande equilíbrio. Realmente, não faz sentido opor a nação à classe. Na história do capitalismo, a nação e o desenvolvimentismo foram tão fundamentais como também foram a luta de classes e a demanda de justiça social.
Este é um livro notável. Ficará na história intelectual do Brasil como um marco da análise do desenvolvimentismo, de suas contradições, de suas esperanças, de seus fracassos, de suas realizações – de sua luta contra o liberalismo econômico e contra o imperialismo que sempre se opôs à industrialização e defendeu para a periferia do capitalismo essa forma de organização econômica.
*Luiz Carlos Bresser-Pereira é professor Emérito da FGV e do CNPq.