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A batata figura nos dias atuais entre os principais alimentos básicos dos habitantes dos quatro quadrantes do planeta. A batata pode ser encontrada sob todas as formas – frita, cozida, gratinada, palha, ao murro, purê, gnocchi, entre outras – em grande parte das receitas culinárias, incluindo as mais refinadas, e é presença comum nas ceias de Natal, acompanhando, por exemplo, a salada, o peru e o bacalhau.
Sua trajetória é longa e poucos alimentos têm uma história tão rica. Os incas descobriram a batata no século XIII nos elevados planaltos dos Andes tornando-a seu alimento básico sob o nome de “papa”.
Inicialmente, Pizarro e seus conquistadores não lhe deram a menor atenção, o mesmo ocorrendo com os colonizadores espanhóis que vieram depois e a denominaram “patata” ao estranho tubérculo.
Em 1588, o rei da Espanha recebe algumas espécies do vegetal e resolve encaminhá-los ao papa para que provassem seu gosto.
Pouco a pouco, o produto, vindo dos Andes, que continha em si a fécula, amido dos tubérculos e raízes, iria revolucionar os hábitos de consumo alimentar dos europeus.
Já no final do século XVI, os religiosos começaram a cultivar as “patatas” num mosteiro de Sevilha com vistas a alimentar os pobres a um custo mínimo.
Pela Europa
Mercenários espanhóis envolvidos na Guerra de Trinta Anos (1618-1648) na Alemanha apresentam o alimento aos habitantes locais.
Um botânico de Viena descreveu o espécime em magníficas pranchas botânicas emprestando-lhe uma denominação latinizante de “taratufli” (pequena trufa). A expressão se transmudou em “kartofel” para os alemães, “kartopfel” para os russos, “tartufoli” para os italianos e “cartoufle” para os franceses.
Na Virgínia, colônia britânica na América, os colonos ingleses, por falta de alimentos, recebem do corsário Francis Drake as patatas que havia recolhido no curso de suas andanças ao longo da costa chilena.
Repatriados, dois anos mais tarde, à Inglaterra, esses colonos deram conhecimento aos seus compatriotas das “patatas” (potatoes” em inglês). Esse alimento iria ganhar na Irlanda uma importância inesperada e extraordinária por ocasião da Grande Fome de 1845-1849, decorrente de uma doença que dizimou a plantação da batata.
Parmentier
As reticências quanto à sua utilização foram maiores na França do que em seus vizinhos. Foi somente nas regiões pobres e periféricas que a batata encontrou espaço. O agrônomo Olivier de Serres a cultivou em sua fazenda modelo de Pradel. Mas os preconceitos tinham raízes profundas.
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Wikimedia Commons – François Dumont (1812)
Nas regiões prósperas, o tubérculo era desprezado notadamente porque não servia à panificação por falta de glúten. Foi considerada tóxica e, pior, relacionada entre as plantas enfeitiçadas. Durante muito tempo ela foi vista como um alimento de último recurso para os pobres e os animais.
Em 1771, a batata iria finalmente apresentar suas credenciais quando, em seguida a diversos períodos de escassez, a Academia de Besançon ofereceu um prêmio a quem respondesse melhor à questão: “Quais são os vegetais que poderiam suprir em tempos de escassez àqueles que empregamos habitualmente na alimentação dos homens, e qual deveria ser a sua preparação ?”.
O feliz ganhador foi Antoine Augustin Parmentier [quadro à esquerda], nascido em Montdidier, Picardia, 35 anos antes.
Boticário-maior do palácio real dos Invalides, recomendava calorosamente a batata após ter mostrado seus benefícios durante a Guerra de Sete Anos quando, servindo de farmacêutico no exército, foi capturado pelos prussianos e durante duas semanas, em 1763, alimentou-se de batatas cozidas.
Graças a uma pensão oferecida pelo rei Luís XVI, trabalhou desde então sem descanso o assunto batata e convenceu o rei a lhe emprestar o terreno de manobras de Sablons, a oeste de Paris, que, como o nome indica, é arenoso e impróprio à agricultura convencional.
Em 15 de maio de 1786, planta dois arpentos – medida agrária dos antigos gauleses – de batata. Uma vez sobrevindo a floração, em 24 de agosto de 1786, o farmacêutico colhe um buquê de flores e corre a Versalhes para oferecê-lo ao rei.
Luís XVI engancha uma flor na lapela de sua jaqueta e finca outra na cabeleira da rainha. Não demora, e a batata faz sua aparição à mesa real. O cenário estava dado. A produção e o consumo de batatas não parariam jamais de crescer.
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O “Fish and Chips” (“Peixe com Fritas”) é atualmente um dos mais populares pratos cotidianos no Reino Unido
A Revolução encorajou os esforços de Parmentier, que seguia em seu trabalho de propagandear e sugerir a seus compatriotas as inúmeras maneiras de cozer o tubérculo, inclusive a receita que levaria seu nome, o “hachis Parmentier“, uma espécie de pastel de carne picada com purê de batata.
Recompensado por seus esforços, torna-se membro do Instituto em 1796 e a batata seria conhecida em francês, durante certo tempo, em sua homenagem, como “parmentière”. Atualmente, é chamada de “pomme de terre”, ou “maçã da terra”.