Ministros das Relações Exteriores da Armênia e do Azerbaijão se reúnem nesta quarta-feira (28/02) em Berlim para iniciar uma negociação de cessar-fogo para o conflito entre ambos os países.
Neste primeiro encontro, a chancelaria da Armênia será representada por Ararat Mirzoyan, enquanto a delegão do Azerbaijão terá como líder o diplomata Jeïhoun Baïramov. O objetivo é tentar resolver o conflito sobre o território de Nagorno-Karabakh, que opõe os dois países caucasianos há décadas.
A reunião acontecerá na Villa Borsig, residência da diplomacia alemã nos arredores de Berlim. As delegações de ambos os países serão recebidas pela ministra de Relações Exteriores, alemã, Annalena Baerbock.
Armênia e o Azerbaijão realizaram duas guerras pelo controle de Nagorno-Karabakh, na década de 1990 e em 2020. Finalmente, o território foi reconquistado pelas forças de Baky em setembro de 2023.
Durante vários meses, ocorreram reuniões de negociações lideradas separadamente pela Rússia, pela União Europeia e pelos Estados Unidos. A situação permanece instável e incidentes armados ainda ocorrem regularmente.
Desde a reconquista de Nagorno-Karabakh, Yerevan suspeita que o Azerbaijão tenha outras ambições territoriais em detrimento da Armênia, o que Baku contesta. A Armênia acredita que seu vizinho está tentando controlar a região armênia de Siounik para anexar o território de Nakhichevan ao Azerbaijão.
Em conversa com Opera Mundi a respeito das negociações, a antropóloga Mariana Boujikian, professora da Universidade de São Paulo (USP), aponta que desde a maior ofensiva do Azerbaijão ano passado, a postura da Armênia foi de “não bancar essa disputa territorial e aceitar a perda dessa área”.
“Com essa posição de maior passividade do governo armênio, de ceder totalmente Nagorno Karabakh e não lutar pela manutenção do enclave republicano, se iniciam as conversas por uma negociação que pacifique a fronteira entre os dois países”, e conclui “então, apesar do deslocamento forçado de 100 mil armênios, o posicionamento adotado pelo Pashinyan pode levar a algum acordo de paz nessas novas conversas”, comentou a acadêmica da USP.
Tensões Armênia-Rússia
As alianças no Cáucaso evoluíram ao longo deste conflito. Os laços de longa data da Armênia com a Rússia enfraqueceram desde que o Azerbaijão, seu inimigo histórico, tomou o enclave armênio de Nagorno-Karabakh em setembro passado.
Yerevan critica o governo russo por não ter intervindo para travar a ofensiva relâmpago do Azerbaijão contra este território, controlado durante décadas por armênios. O Azerbaijão reconquistou o enclave forçando cerca de 100 mil armênios ao exílio. Além disso, a adesão da Armênia ao Tribunal Penal Internacional alimentou tensões com Moscou.
A Armênia acelerou assim a sua aproximação com os parceiros ocidentais nos últimos meses, liderados pelos Estados Unidos e pela França, países com grandes comunidades armênias.
Também a nível europeu, o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, garantiu que a UE quer implementar um plano “ambicioso” para fortalecer os seus laços com a Armênia, incluindo discussões sobre a liberação de vistos para a UE.
Apesar das relações abaladas com a Armênia, a Rússia ainda tem milhares de soldados em bases militares no país.
Aziz Karimov, Wikimedia Commons
Soldados do Azerbaijão em trincheira de guerra na Armênia
Uma breve história da Armênia e do Azerbaijão
A historiadora norte-americana Wendy Goldman, em conversa com Opera Mundi a respeito do tema, nos elucida que Nagorno-Karabakh é uma região disputada dentro do Azerbaijão, habitada principalmente por armênios étnicos.
“Há muitos anos existe tensão étnica (nacional) na região, desde antes do período soviético. Durante o período soviético, os armênios achavam que a república do Azerbaijão discriminava a língua e a cultura armênias. Em 1988, quando a União Soviética começou a se desintegrar, foi realizado um referendo em Nagorno-Karabakh para transferir a região para a Armênia. A votação provocou uma série de atos violentos contra os armênios por parte do Azerbaijão”.
Essas ex-repúblicas soviéticas vizinhas travaram duas guerras entre si nas últimas três décadas — a primeira de 1989 a 1994 e a segunda no outono de 2020. A guerra de 2020 terminou com um cessar-fogo instável e, no final de 2022, os azerbaijanos instituíram um bloqueio do corredor de Lachin, uma estrada sinuosa que liga o Nagorno-Karabakh etnicamente armênio à Armênia propriamente dita. Esse bloqueio impediu que milhares de pessoas recebessem alimentos, combustível e medicamentos, e milhares não puderam voltar para suas casas.
Goldman frisa que conflitos semelhantes entre pessoas de diferentes etnias (nacionalidades) ocorreram em toda a União Soviética após seu colapso.
“Nenhuma região em qualquer lugar é étnica ou nacionalmente composta por apenas um povo e, essas identidades suplantaram um ideal universal de justiça social. As identidades nacionalistas, étnicas e religiosas se mostraram extremamente poderosas na mobilização de pessoas umas contra as outras. E muitos desses conflitos foram impulsionados por grandes potências externas com o interesse de ter mais poder nas regiões afetadas”, conclui Goldman.
Guerra permanente
A partir da guerra de 2020, surgiram novas ferramentas de policiamento para que o Estado do Azerbaijão mantivesse o seu controle. Criou uma mise-en-scène contínua de guerra. As tensões da guerra estão camufladas em “ações policiais” de “rotina”, as suas técnicas de controle também se tornam uma parte central das operações militares no conflito.
O Azerbaijão começou a controlar a vida das pessoas em Karabakh impondo um cerco. Este bloqueio de nove meses, que resultou numa escassez de alimentos, medicamentos, produtos de higiene e combustível na região separatista, deixou Karabakh em crise profunda. A cidade de Stepanakert e áreas circundantes, outrora habitadas por mais de cem mil armênios, estão agora sob vigia da polícia do Azerbaijão, tendo a sua antiga população sido expulsa.
Na encruzilhada entre a atividade militar e a atividade policial destinada a impor “segurança”, há cada vez menos diferenças entre aqueles que estão dentro e fora do Estado-nação.
O Azerbaijão alcançou, de fato, os seus objetivos até agora. Mas a sua perseguição ao chamado Corredor Zangezur – uma faixa de terra que o liga à Turquia, atravessando o território armênio – mostra que as inimizades com o seu vizinho persistiram mesmo após acordo trilateral de paz em 2023.