Quatro projetos de texto que liberalizam o acesso ao aborto na Polônia, apresentados por membros da coligação pró-europeia no poder, superaram um primeiro obstáculo no Parlamento nesta sexta-feira (12/04). As moções pedindo a rejeição desses textos foram rechaçadas pelos deputados.
“Mantivemos a nossa palavra! O Parlamento tratará de todos os projetos relacionados com o direito ao aborto”, celebrou a Coligação Cívica, do primeiro-ministro Donald Tusk, nas redes sociais.
A discussão acalorada sobre os projetos iniciou-se na quinta-feira (11/04). O texto apresentado pela Coalizão Cívica visa legalizar o aborto até a 12ª semana de gestação. Atualmente, o procedimento só é autorizado se a gravidez for resultado de uma agressão sexual ou de um incesto, ou ainda se constituir uma ameaça à vida ou à saúde da mulher.
Agora, o próximo passo para o projeto é passar por uma comissão parlamentar especial. Entretanto, a flexibilização da lei encontra resistência de partidos de direita, como o ultraconservador Lei e Justiça, que governou o país durante os últimos oito anos antes de perder as eleições legislativas no final do ano passado.
Outro opositor, o Polônia Soberana (Pis) introduziu uma proibição quase total da interrupção voluntária da gravidez em 2021, o que gerou grandes manifestações de protesto no país. Na abertura dos debates, um dos deputados do Pis transmitiu em plena tribuna, por alto-falante, os sons das batidas do coração de um feto, e convidou o plenário a participar, neste domingo (14/04) das “marchas da vida” organizadas pela igreja católica em várias cidades, incluindo Varsóvia.
Projeto testa a força da coalizão de Tusk
Mas não é apenas a oposição que rejeita a liberalização. Dentro da coligação no poder, deputados do conservador Partido Camponês expressaram reservas. Alguns anunciaram que não apoiarão o projeto proposto. O aliado do partido de Donald Tusk, Polska 2050, do presidente da Câmara Szymon Hołownia, pede a realização de um referendo sobre o assunto.
Para a cientista política Renata Mienkowska, da Universidade de Varsóvia, a polêmica ilustra o fosso entre a sociedade que votou pela mudança nas últimas eleições legislativas e os políticos. “A Polônia é um país extremamente conservador. As pessoas mudam, mas a cena política polonesa, que continua dominada pelos homens, é muito mais conservadora do que o resto da sociedade”, observa, em entrevista a Anastasia Becchio, da RFI.
“Então temos esse problema de divergência entre o que os partidos podem oferecer e o que a sociedade quer. As mulheres e os jovens, em particular, querem realmente a liberalização do aborto, mas, como sabem, temos realmente muitos políticos mais velhos, principalmente homens, e este é também o caso dentro da coligação no poder. Eles cresceram sob uma influência muito próxima da igreja católica”, explica Mienkowska. “Temos um legado de tudo isso.”
Ameaça de veto presidencial
Todas estas turbulências e atrasos causam raiva e frustração entre os jovens e as associações feministas que defendem o direito ao aborto. A participação de ambos nas eleições legislativas de outubro passado foi forte, já que a aliança pró-União Europeia prometeu restaurar os direitos reprodutivos no país.
A evolução do projeto de lei no Parlamento representa, portanto, um teste de força da coligação no poder – uma vez que o Pis continua influente, como mostrou o primeiro turno das eleições locais, no último domingo. A coligação de Tusk venceu o pleito e está prestes a arrancar três regiões dos nacionalistas, mas foi o Pis que obteve mais votos.
Além disso, no caso específico do aborto, ainda paira a ameaça de que, se o projeto for aprovado pelos parlamentares, o presidente Andrzej Duda, católico fervoroso, possa impor o seu veto à lei.