Você sabia? Norte-americano não vota para presidente, vota para delegado.
Sabe o dia da eleição nos Estados Unidos? Não, não é o dia 3 de novembro, a data oficial em que os eleitores vão às urnas em todo o país. É depois, e poucas pessoas votam.
Sim, só 538 pessoas votam, de fato, para presidente dos Estados Unidos. Nem todo mundo sabe, mas a eleição para presidente nos Estados Unidos não é direta.
Especial EUA: Quem vai ganhar, Trump ou Biden? Veja as últimas pesquisas
O cidadão norte-americano não vota para presidente. Vota para delegado. Cada um dos 50 estados e mais o Distrito de Colúmbia, onde fica Washington, tem direito a um número específico de delegados, ou, se você quiser, eleitores. Esse número varia mais ou menos de acordo com a população.
Por exemplo: o estado mais populoso, a Califórnia, tem direito a 55 delegados. O estado do Texas, 38. Flórida e Nova York, 29 um. O número mínimo é três: estados pouco populosos, como Montana ou Vermont, têm três cada um.
Portanto, o futuro presidente dos Estados Unidos será definido, como aliás tem sido desde a fundação do país, pelo voto da maioria dos 538 delegados em uma eleição que acontece, normalmente, em dezembro. Quem atingir 270 primeiro, leva a presidência do país e o direito de controlar o maior arsenal atômico do planeta.
Uma coisa que complica as contas é que cada estado define como são eleitos os delegados. Em quase todos, o candidato que tiver mais votos populares leva todos os delegados – isso mesmo, 100% – mesmo que a diferença entre os votos seja de apenas um voto. Há duas exceções, Maine (quatro delegados) e Nebraska (cinco delegados), que podem dividir seus votos entre os candidatos.
Por isso, a eleição em alguns estados pode virar uma verdadeira luta de vale tudo, com os partidos tentando eliminar votos dos adversários com os meios mais absurdos. Foi o que aconteceu em 2000, na eleição do republicano George w. Bush: ele venceu na Flórida com 537 votos de diferença, ou 0,018% do total de 5.900.000 votos, em relação ao democrata Al Gore e levou todos os então 25 eleitores do estado.
Assim, Bush pôde vencer a eleição presidencial tendo, no país, menos votos populares que Al Gore. Gore somou 51 milhões de votos e Bush, 50,4 milhões. É como se Aécio Neves tivesse sido eleito presidente do Brasil em 2014 apesar de ter tido quase 3.500.000 de votos a menos que Dilma Rousseff, deve ser por isso que tanto tucano vê a democracia norte-americana como um modelo, né?
Donald Trump obteve, em 2016, 304 votos dos delegados. Barack Obama, em 2012, 332. George W. Bush, em 2000, ganhou por pouco: conseguiu 271 votos eleitorais.
O sistema de colégio eleitoral norte-americano tem raízes históricas. A ideia de um colégio eleitoral surgiu ainda no século 18. A ideia era evitar uma suposta imprevisibilidade do voto popular e um eventual conflito de interesses caso a eleição fosse feita pelo Congresso.
Segundo os inventores do sistema, um colégio eleitoral evitaria que um estado muito poderoso (e populoso) tivesse peso desproporcional na eleição. Vale lembrar que, na época, os EUA ainda estavam se expandindo para oeste e havia poucos estados no recém-formado país, então a votação em massa em um candidato em um estado muito populoso poderia decidir a eleição.
De acordo com a Constituição dos EUA, cada estado define como escolhe seus eleitores: pode ser por indicação do governador, por eleição direta, ou qualquer outro modelo. O importante é que, após a votação popular, eles se reúnam e escolham o novo presidente e o novo vice do país.
Mas é aí que começam os problemas.
O primeiro deles é que o delegado tem de votar. E se ele não quiser respeitar a decisão do voto popular? Em tese, o delegado pode votar em qualquer pessoa. Qualquer pessoa mesmo, desde que ela cumpra os requisitos para presidir os Estados Unidos.
Embora não tenha influído no resultado final, em 2016, por exemplo, delegados eleitos para votar em Hillary Clinton decidiram votar em outros nomes, como o senador Bernie Sanders, o ex-secretário de estado republicano Colin Powell e a simpática ativista Faith Spotted Eagle. Tal infidelidade ao voto popular fez Hillary perder cinco votos no Colégio Eleitoral. Nessa brincadeira, até Trump perdeu dois votos a que tinha direito.
Alguns estados têm criado punições para estes eleitores, chamados de “eleitores sem fé” (faithless electors). Só agora, em 2020, a Suprema Corte dos EUA decidiu que é legal que cada estado obrigue, se quiser, que o eleitor vote no candidato vitorioso.
Outro problema: 538 é um número par. Ou seja, pode dar empate. Caso nenhum candidato atinja os duzentos e setenta votos (ou seja, 269 mais um), a eleição no colégio eleitoral acontece normalmente até que se fique registrado que o número mínimo não foi alcançado.
Vamos apostar que dê essa confusão. Quais as regras que valem?
Neste caso, a eleição vai ser decidida pelo Congresso. Mais precisamente, pelas delegações do congresso. A Câmara dos Deputados vota no presidente, e o Senado, no vice.
Cada estado tem direito a um voto, e os deputados de cada estado decidem entre si em quem votam. Os democratas até tem maioria numérica entre os congressistas, mas, dentro das delegações, a situação é outra.
Vamos pegar o exemplo da Flórida, que tem 27 deputados. 14 deles são republicanos e 13, democratas. Por isso, a tendência é que os republicanos façam valer sua maioria dentro da bancada e decidam que a Flórida vai votar no candidato republicano.
Como 50 estados estão representados, são necessários 26 votos para eleger o presidente. Em 2020, sabe em quantos estados há mais deputados republicanos do que democratas? Exatos 26. O suficiente para eleger um presidente republicano.
Esse cenário, no entanto, pode mudar: caso a eleição vá para o Congresso, quem vota são os deputados eleitos em novembro. Se os democratas conseguirem um resultado expressivo, podem liderar em número de bancadas estaduais.
No Senado, para escolher o vice-presidente, a coisa é mais simples. Cada senador tem um voto e é necessária maioria simples – 51 votos de 100. Entre os senadores, os republicanos são maioria.
Você acha impossível algo assim acontecer? Bom, já aconteceu três vezes: em 1800, 1824 e 1836.