Brasil e França celebram em 2023 os 20 anos de uma parceria que já beneficiou mais de 500 adolescentes e jovens em situação social precária nos dois países. Os intercâmbios são viabilizados a cada ano pelas associações Gol de Letra, do ex-jogador brasileiro Raí, e a Sport dans la Ville, da França.
As viagens são o apogeu do programa de apoio social e inserção profissional pelo esporte, promovido pelas associações junto a bairros das periferias das grandes cidades, nos dois países. Apesar de terem níveis de desenvolvimento bastante distintos, Brasil e França têm similaridades quando o assunto é desigualdade de oportunidades para jovens das comunidades. E o esporte, explica Raí, pode exercer um papel determinante no futuro desses adolescentes que, muitas vezes, são vítimas da pobreza, do racismo ou da violência.
“Muitos amigos franceses que vinham visitar falaram que tinha coisas no Brasil que poderiam ajudar na França, em especial a coisa brasileira de se misturar, diferentes culturas. A gente sabe que a França é um país aberto, mas às vezes têm dificuldade de integração”, avalia o ex-craque.
“O Brasil tem outros problemas, de pobreza, justiça social, violência, mas tem muitas coisas que podem servir para cá – assim como muitas da França podem, obviamente, servir para o Brasil. Por isso eu acredito bastante nessa colaboração”, acrescentou.
Um jantar de gala beneficente em um dos mais prestigiosos salões da república francesa, no Ministério das Relações Exteriores, em Paris, celebrou essas duas décadas de parceria entre a Gol de Letra e a Sport dans la Ville, com a presença de CEOs de grandes empresas apoiadoras dos projetos. Quatro jovens franceses, que integraram o último grupo que passou duas semanas em São Paulo e Rio de Janeiro no ano passado, puderam contar um pouco sobre o quanto a experiência mudou a vida deles.
Walid Ragad está há nove anos na associação e fez parte do grupo que foi ao Brasil em 2022. “Nٕós encontramos muitos brasileiros, tivemos momentos excepcionais com eles. Rimos juntos, jogamos juntos, choramos juntos. Também foi marcante porque foi uma lição de vida”, conta. “Vemos que eles se adaptam a condições de vida que não são exatamente as mesmas que as nossas, e isso nos mostra certas coisas, nos forja. O futebol, e todos os esportes, ligam as pessoas, criam relações. O esporte me tornou melhor”.
Sport dans la Ville
Raí discursa em jantar beneficente para arrecadar fundos para a Gol de Letra e a Sport dans la Ville, em Paris
Acesso das meninas ao esporte
Na França, uma das maiores dificuldade da Sports dans la Ville é associar as meninas ao esporte – não porque elas não se interessem, mas porque a cultura religiosa de muitas famílias nas periferias acaba sendo um freio para elas. Neste contexto, o caso de Cinthia Nguimbous, 18 anos, é visto como um exemplo: depois de começar a jogar na associação, ela agora também e instrutora de futebol de meninas mais novas, nos arredores de Lyon.
“Eu sempre gostei de futebol, graças ao meu pai, e decidi me inscrever para jogar. Quando eu comecei, jogava só no feminino. Logo depois também me inscrevi no futebol misto, mas a integração não foi fácil porque eles jogam muito só entre eles”, relembra. “Em todo o caso, eu sou muito mais segura desde comecei a jogar. Assumo com bem mais firmeza as minhas escolhas, e acho que a associação me fez evoluir muito mental e fisicamente”, atesta.
Intercâmbio em plena Olimpíada de Paris
Raí ressalta que, em meio ao ano olímpico na França, na expectativa dos Jogos que acontecerão em Paris em 2024, a Gol de Letra pretende trazer jovens para o país europeu nos dias do maior evento esportivo do planeta.
“Jovens vão vir para cá passar algumas semanas durante a Olimpíada, hospedados com jovens de vários lugares diferentes do mundo todo. E a gente tem um grande projeto com a prefeitura de Saint-Ouen, que é parte da Vila Olímpica e várias modalidades brasileiras estarão sediadas lá”, informa.
“Para dar esse lado social e educativo do esporte, eles convidaram também a Gol de Letra. A gente vai ter um grande espaço em Saint-Ouen para mostrar tudo que o Brasil faz de bom, a nossa cultura, e tentar novas colaborações. A Olimpíada é um chamariz, o sonho olímpico, mas que traz com ele também um conteúdo de valores que ajudam no desenvolvimento humano também”, sublinha o brasileiro.
Atualmente, 5 mil crianças brasileiras participam das atividades da associação de Raí no Brasil. O total desde o começo do projeto, em 1998, chega a 30 mil.