Durante o Mandato Britânico da Palestina (1920-1948), a comunidade judaica na Palestina (o Yishuv) chegou a conformar um terço da população – num território habitado no início do século XX por uma esmagadora maioria árabe – a partir da estratégia sionista de compra de terras para colonização e de incentivo à migração em massa do Leste Europeu.
O Yishuv constitui-se como uma sociedade colonial segregada do seu entorno árabe: empregava a sua própria mão de obra, consumia os seus próprios produtos e adquiria as suas terras, o que significa que, no processo de compra, os camponeses que nelas viviam e trabalhavam há gerações eram expulsos. Nestas condições, os confrontos intercomunitários multiplicaram-se entre o Yishuv e os árabes palestinos que, além de serem deslocados das suas terras, temiam virar minoria no que consideravam ser o seu próprio país.
O segundo período pós-guerra
A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) foi um ponto de virada importante para a história mundial e para a Palestina.
Por um lado, o Holocausto resultou na morte de 6 milhões de judeus nas mãos dos nazistas – o extermínio de um terço da população judaica mundial. Por outro lado, no final da guerra, cerca de 250 mil judeus europeus ficaram desabrigados, vivendo em campos de refugiados espalhados pelo continente – e os Estados Unidos ainda mantinham limites à imigração que lhes fechavam as portas. Neste contexto, as ideias sionistas conquistaram amplo apoio no seio da comunidade judaica internacional e até despertaram a simpatia da opinião pública em geral: a criação de um Estado judeu era vista como a possibilidade de dar um lar aos refugiados e uma garantia de que não ocorreriam novos massacres antissemitas.
Por outro lado, a ordem mundial se via fortemente perturbada no pós-guerra. Os Estados Unidos emergiram como a grande potência hegemônica, com capacidade de influenciar as decisões de muitos países. A população judaica era de 5 milhões de pessoas: embora minoritária, podia desempenhar um papel fundamental nos processos eleitorais norte-americanos e a sua opinião começou a ter impacto nas posições do presidente Harry Truman sobre o Oriente Médio.
No entanto, o Reino Unido saiu da guerra muito abalado e endividado, e começou a desmantelar o seu vasto império colonial mundial. Esta situação enfraqueceu gravemente a sua capacidade de concentrar tropas e esforços na Palestina, uma região cada vez mais complexa devido ao aumento contínuo das tensões entre judeus e árabes.
Neste contexto, o Yishuv lançou uma intensa escalada de medidas contra a ocupação britânica, incluindo uma campanha de apoio à imigração judaica ilegal e uma série de atentados contra símbolos da administração colonial. A situação tornou-se insustentável para Londres, que acabou decidindo se retirar da região. Assim, entregou o futuro da Palestina à recém-criada Organização das Nações Unidas (ONU), que deveria decidir como resolver o conflito histórico.
O plano de partilha
Após longos meses de deliberações internacionais, em novembro de 1947, a Assembleia Geral da ONU aprovou por uma maioria de votos a histórica Resolução 181, que estabeleceu o fim do Mandato Britânico da Palestina e a divisão do seu território em dois novos Estados independentes. Um deles seria o Estado judeu tão desejado pelo movimento sionista: seria atribuído a este Estado 54% da área total do Mandato, onde viviam então cerca de 500 mil judeus e 400 mil árabes. Ao outro Estado seria atribuído cerca de 44% da área do Mandato, onde viviam cerca de 725 mil árabes e 10 mil judeus. Por último, a zona contestada de Jerusalém permaneceria sob administração internacional, a fim de garantir o livre acesso de todas as comunidades religiosas e etno-nacionales.
A comunidade árabe palestina e os países árabes e islâmicos do mundo rejeitaram veementemente o plano de partilha. Do seu ponto de vista, a ocupação britânica da Palestina (1917-1948) tinha sido ilegítima e, portanto, toda imigração judaica ao longo das três décadas apoiada pela administração colonial – que tinha levado o Yishuv de 7% da população do território para mais de 30% – também carecia de legitimidade. A Palestina era vista como uma região demograficamente árabe há seculos e, por essa razão, a criação de um Estado judeu por um grupo colonizador era vista como um ato de violência e de desapropriação contra a população nativa, contra os projetos nacionalistas árabes e contra o Islã como um todo. A partir desse ponto de vista, a ONU não tinha qualquer autoridade para determinar o futuro da Palestina, que já tinha proprietários legítimos a quem eram negados os seus direitos históricos nacionais e religiosos por potências estrangeiras.
A aprovação do plano de partilha pela ONU não significou, contudo, sua aplicação imediata. O Reino Unido demorou vários meses para concluir a sua retirada, que deveria ser concluída em maio de 1948. Durante este período de transição, eclodiu rapidamente uma guerra civil aberta entre as comunidades judaica e árabe do Mandato, na qual o futuro começaria a ser resolvido no terreno das armas.
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A chave do retorno, símbolo da expulsão dos palestinos durante a Nakba
A guerra e a expulsão em massa dos árabes palestinos
O Yishuv enfrentou esta guerra com um elevado grau de organização e coesão interna. Conseguiu mobilizar rapidamente cerca de 100 mil combatentes, estruturou as suas forças como um exército profissional e, a partir do início de 1948, começou a receber grandes quantidades de armas da Tchecoslováquia (país alinhado com a União Soviética), contornando o embargo imposto a ambas as partes pelas grandes potências. Isto permitiu que o exército sionista sobrevivesse à primeira investida árabe (muito menos organizada e mais dividida internamente) e passasse à ofensiva em abril, o que ficou conhecido como Plano Dalet.
A partir de então, as forças do Yishuv assumiram o controle militar de um extenso território, incluindo um grande número de aldeias rurais e centros urbanos habitados por árabes palestinos. Cabe recordar que constituíam quase metade da população da área atribuída à ONU para a fundação do Estado judaico e dois terços da população total do Mandato. Esta composição demográfica era vista pelos dirigentes sionistas como um grande problema político, social e militar: a concretização do seu projeto – pelo menos nos termos que o sionismo defendia desde o século XIX – exigia uma sólida maioria demográfica judaica. Por esta razão, começaram a avaliar (já anos antes) a possibilidade de uma transferência de árabes para fora das fronteiras do Estado que pretendiam criar.
A execução prática desta tarefa implicava, no entanto, em grandes problemas políticos e morais, e o debate não tinha sido resolvido em tempos de paz. A situação criada pela guerra civil acabou levando à alternativa da expulsão em massa. O ponto de virada nesse sentido foi o famoso massacre de Deir Yassin: mais de 100 civis árabes, desarmados e alheios à guerra, foram trucidados por soldados do Irgun – uma organização sionista de ultra-direita, pequena, mas com grande capacidade de ação. Embora o massacre tenha sido repudiado pelas lideranças políticas e militares do Yishuv, gerou um efeito de pânico na população árabe, acentuado a cada novo avanço das forças militares sionistas, que deixaram que ele acontecesse e, em muitos casos, estimulavam o terror com as suas próprias ações.
Assim começou o exílio forçado de centenas de milhares de árabes palestinos, tanto nas zonas rurais como nas cidades mistas que as forças do Yishuv passaram a controlar.
A fundação de Israel e a Nakba
No dia 14 de maio de 1948, a retirada britânica da Palestina foi finalmente concluída. Nesse mesmo dia, David Ben Gurion, o principal dirigente político do Yishuv, anunciou a fundação do Estado de Israel.
No entanto, a segunda fase do conflito armado começou. A proclamação de Israel foi imediatamente respondida com uma declaração de guerra por parte dos Estados árabes vizinhos. O que até então era um confronto entre comunidades no interior do território palestino transformou-se numa guerra internacional que duraria até a assinatura de um armistício, em março de 1949, e que terminaria com uma retumbante vitória militar israelense.
No final do conflito, o recém-nascido Estado de Israel não só ocupava as áreas que lhe tinham sido atribuídas pela ONU no plano de divisão, como ia além delas: cobria 78% do território do Mandato, 23% a mais do que a área inicialmente aprovada pela comunidade internacional. O restante do território do Mandato ficou nas mãos de outros Estados árabes: as zonas da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental foram absorvidas pelo reino da Transjordânia (dando origem ao Estado da Jordânia), enquanto a Faixa de Gaza foi ocupada pelo Egito.
Durante todo o processo de guerra civil e internacional, mais de 700 mil árabes palestinos (80% da população árabe do território que se tornou Israel) foram obrigados a abandonar a sua terra, instalando-se em campos de refugiados em Gaza, na Cisjordânia ou nos Estados árabes. Apenas os 20% restantes puderam permanecer em Israel e obter a cidadania, conhecidos atualmente como “árabes israelenses”. Em contrapartida, aqueles que deixaram as suas casas em 1948 jamais puderam regressar: as leis de imigração de Israel concedem o direito de regresso e de cidadania aos judeus de qualquer parte do mundo, mas omitem esse direito aos árabes que nasceram dentro das suas fronteiras antes da fundação do Estado.
Além disso, Israel reorganizou o espaço esvaziado de árabes palestinos com base na premissa da sua política de não permitir o regresso. Mais de 400 aldeias e bairros urbanos que tinham sido habitados por eles foram demolidos. Foram promulgadas as leis de ausência, mediante as quais as propriedades dos refugiados foram expropriadas em massa e postas ao serviço dos vencedores. Uma maioria demográfica judaica estava agora estabelecida no território de Israel: uma nova onda de imigrantes – incluindo centenas de milhares de judeus que tinham sido expulsos dos países árabes onde viviam – veio substituir a população exilada.
O povo palestino denomina este processo histórico de expulsão e expropriação como Nakba (“Catástrofe”), que continua tendo consequências até aos dias de hoje. Os descendentes dos refugiados de 1948 são atualmente quase 5 milhões de pessoas em todo o mundo e a sua situação continua sendo uma das principais questões não resolvidas no conflito israel-palestino. O conflito na Faixa de Gaza também teve a sua origem histórica ali: durante a Nakba, cerca de 200 mil refugiados (na sua maioria camponeses expulsos das suas terras) deslocaram-se para a Faixa de Gaza, triplicando a sua população. Atualmente, 1,5 milhões de habitantes de Gaza (70% da população) continuam sendo considerados refugiados, descendentes dos exilados da guerra de 1948. Nenhum episódio do conflito pode, portanto, ser compreendido sem partir do processo histórico que lhe deu origem.
(*) Ale Kur escreve para o Primera Línea. Twitter: (@alekur_)
(*) Tradução de Raul Chiliani