Centenas de pessoas uniram-se nesta quarta-feira (18/10), em Lisboa, para apoiar o povo palestino e protestar contra a escalada de violência na Faixa de Gaza promovida pelo Estado de Israel. A manifestação também serviu para cobrar do governo português uma tomada de posição que condene a política de apartheid na região.
Essa foi a segunda iniciativa realizada na capital lusitana. Na semana passada, o Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC), ao lado de outras entidades, já havia convocado um ato no mesmo local, a Praça Martim Moniz, região conhecida pela concentração de milhares de imigrantes. Um terceiro ato já está programado para dia 29 de outubro, também convocado pelo CPPC.
Ao som de tambores e músicas tradicionais da Palestina, os manifestantes erguiam suas faixas, cartazes e bandeiras clamando pelo cessar-fogo em Gaza. Alguns palestinos que vivem em Lisboa gritavam a plenos pulmões: “não somos terroristas!”
A pesquisadora palestina Dima Mohammed, que vive em Portugal há 12 anos, afirma que apesar de todo o sofrimento que ela e seus familiares estão enfrentando, estar ali presenciando a solidariedade de tantas pessoas, traz conforto. “Isso é importante, pois nós vamos precisar dessa força para continuar a nossa luta e a nossa resistência, pois não há paz sem justiça”, desabafa, com lágrimas nos olhos.
Filha de refugiados, ela conta que os seus avós foram expulsos da sua aldeia em maio de 1948, pouco depois do massacre de Deir Yassin. Atualmente, Dima é uma das coordenadoras do Instituto de Filosofia da Universidade Nova de Lisboa – ArgLab.
“Claro que nada vai apagar o sofrimento de décadas e décadas de opressão, mas uma solução justa pode fazer com que toda essa luta valha a pena e que haja perdão pelo que é feito contra o nosso povo há mais de 75 anos. Continuaremos exigindo que todos os palestinos sejam tratados como cidadãos, iguais aos outros, e que tenham liberdade e dignidade para conduzirem as suas vidas”, conta ela.
?? “É por todos. Nós estamos lutando por igualdade. Esse é o pensamento!”
A manifestação de hoje em Lisboa também serviu para cobrar do governo português uma tomada de posição que condene a política de apartheid na Palestina.
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— Hedflow (@Hedflow) October 18, 2023
Segundo João Coelho, representante da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP), todos os dias chegam relatos de abusos contra trabalhadores palestinos que vivem na região, incluindo a Cisjordânia. Ele afirma que milhares de jovens em Israel viram-se desempregados sem justificativa e sem nenhuma perspectiva de futuro.
O líder sindical também conta que essas pessoas são impedidas de regressarem às suas casas e sofrem com transferências e deslocamentos sem garantias de abrigo, além das diversas agressões físicas e verbais que acontecem com frequência em seus locais de trabalho.
“É necessário pôr fim a política racista de apartheid, subjugação, agressão, exploração e de alargamento das colônias, promovida pelo governo israelense e pelos setores mais reacionários de Israel. Perante a esse massacre do povo palestino, a União Europeia, os Estados Unidos e os países da OTAN reafirmam a cumplicidade, dando respaldo a continuação de um genocídio. O que se exige é o fim da escalada que permite acabar com a matança de civis. Israel permanece com a sua política de afronta internacional, o estrangulamento de toda uma população e o desrespeito às sucessivas resoluções da ONU”, explicou.
Para Carlos Almeida, vice-presidente do Movimento pelos Direitos do Povo Palestino e pela Paz no Médio Oriente (MPPM), a posição do governo português é hipócrita, pois se trata de um discurso de aparência, que fala de paz, mas se recusa a ir até a raiz do problema, assumindo uma política de alinhamento com outros países do bloco europeu.
“É a expressão daquela que tem sido uma posição ambígua e, na verdade, em última análise, cúmplice da União Europeia relativamente ao que acontece na Palestina. O governo português tem repetido o refrão pela criação dos dois Estados, mas, na verdade, nem reconhece o Estado da Palestina, que seria elementar, visto que defende essa solução, a qual é inviabilizada diariamente”, reforça Almeida.
Stefani Costa
Manifestantes cobraram do governo português uma postura mais firme contra o apartheid imposto por Israel ao povo paleestino
Apesar do ato ter ocorrido de forma pacífica e com palavras de ordem como “Palestina livre”, “Boicote Israel” ou “Palestina vencerá”, três pessoas foram detidas durante o protesto segundo informações da SIC Notícias.
Uma das pessoas presas seria um homem que resolveu deitar-se no meio da rua para interromper o trânsito. Por volta das 19h45 (horário local), algumas pessoas, em sua maioria jovens, saíram da concentração e foram atrás dos agentes de segurança, revoltadas com a truculência policial. Entretanto, as autoridades se negaram a prestar informações sobre o caso.
‘Solidariedade e verdade são as nossas armas’
A cena dos médicos palestinos dando uma entrevista coletiva entre centenas de corpos de crianças, jovens e mulheres depois do bombardeio de um hospital em Gaza, entrará para a história como uma das maiores catástrofes já vistas no século XXI.
Mesmo com a retaguarda da grande imprensa ocidental, que já divulgou inúmeras narrativas no qual o exército israelense nega o ataque, Carlos Almeida acredita que existem bons jornalistas que estão contribuindo com a desinformação e o preconceito.
“Sabemos que, acima do trabalho dos jornalistas e dos repórteres que estão no terreno, existem decisões que são tomadas para lá da responsabilidade desses profissionais. Os poderes políticos e midiáticos estão ao lado de Israel, mas nós contamos com a expressão e a disponibilidade de todas as pessoas, de todos os homens e mulheres, para espalharem a voz e nos ajudarem no enfrentamento da mentira e do preconceito”.
O líder sindical João Coelho lembra ainda que é preciso rejeitar o apagamento da história e da memória, da propaganda que quer ocultar o caminho de sofrimento, opressão e humilhação de mais de 70 anos.
Para ele, as organizações presentes no ato desta quarta-feira sabem o caminho que levou a toda essa violência que se vê ao vivo pela TV e redes sociais.
“Nós também conhecemos bem onde sempre nos posicionamos, pela paz na região, pelo fim da violência e pelos direitos do povo palestino. Por isso, o povo da Palestina poderá sempre contar com a solidariedade dos trabalhadores portugueses e com a sua força para exigirem o reconhecimento dos seus direitos e para construir o seu Estado independente, soberano, com as fronteiras anteriores a 1967 e com a capital em Jerusalém Oriental. A solidariedade e a verdade são as nossas armas”.
Para a pesquisadora palestina Dina Mohammed, é preciso criar um Estado para todos, independentemente da religião de cada um.
“Eu, pessoalmente, acredito que é preciso criar um Estado para todos os cidadãos. É a única maneira de se obter justiça. Um Estado para palestinos, israelenses, árabes, mulçumanos, judeus, cristãos e para aqueles que também não possuem nenhuma religião. Essa é a única saída justa e durável.”, finaliza.