O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden está enfrentando dificuldades para convencer o eleitorado progressista a apoiar sua reeleição. Um dos principais motivos é o apoio a Israel. Para tentar reverter o quadro, o presidente vem apresentando propostas econômicas mais à esquerda do que de costume.
Durante o discurso do Estado da União, no último dia 8, Biden defendeu que os ricos e super ricos paguem mais impostos no país, tornando possível, assim, uma expansão dos programas sociais do governo.
“Vocês sabem, existem mil bilionários nos EUA. Vocês sabem qual é a média da taxa de imposto para esses bilionários? Não?”, perguntou Biden, “eles estão se sacrificando muito… 8,2%. É muito menos do que a grande maioria dos estadunidenses pagam. Nenhum bilionário deveria pagar uma taxa de impostos menor do que uma professora, um trabalhador da limpeza ou uma enfermeira”.
Dias depois, em evento sobre redução do preço de medicamentos no país, Biden defendeu novamente a posição, fazendo contraponto a Donald Trump.
“Um sistema tributário justo é como investimos em coisas que tornam esse país excelente. Saúde, educação, defesa… e tem muito mais, pesquisa, desenvolvimento… Mas essa é a questão: a última administração anunciou uma renúncia fiscal de US$ 2 trilhões (cerca de R$ 10 tri). Uma renúncia fiscal de US$ 2 trilhões que beneficia os muito ricos, o 1% mais rico”, afirmou o democrata.
O efeito Palestina
O conteúdo das propostas e as palavras usadas pelo presidente chegam a lembrar Bernie Sanders, senador independente que concorreu por duas vezes às prévias do Partido Democrata, em 2016 e 2020, e que criou um movimento mais à esquerda dentro do partido.
Essa guinada progressista talvez não seja por acaso. Ainda que figuras públicas, como o próprio Bernie, sigam apoiando Biden, a base mais progressista do partido não está tão animada assim com a reeleição.
O maior desencanto parece ser em relação ao apoio da Casa Branca à operação militar israelense em Gaza.
Esse é caso de Samra’a Luqman. Muçulmana e ex-apoiadora de Biden em Michigan, um dos estados mais importante da eleição presidencial de novembro, hoje ela entrega panfletos para convencer eleitores a boicotarem o presidente nas urnas.
“Minha intenção é punir Biden pelo que está fazendo agora, pela traição que fez a mim e a todos os membros da comunidade que votaram nele”, diz Samra’a, “ele venceu nessas duas seções por 90% em 2020. E, por Deus, desta vez, ele vai receber zero. Vou garantir que ele receba 0%”.
E não é só a comunidade árabe e muçulmana que está descontente. Pesquisa Gallup de janeiro mostrou que 49% dos democratas dizem que os EUA estão dando pouco apoio aos palestinos. Outros 40% dizem que o governo dá apoio de mais a Israel.
Visto que sob Trump o apoio a Israel se manteria igual, ou seria até mesmo maior, apresentar pautas mais progressistas em outras áreas pode ser uma forma da Casa Branca convencer essa parcela da sociedade a votar em Biden em novembro.
“Pela primeira vez, em décadas, você tem um presidente dos Estados Unidos falando sobre aumentar impostos, o que, como você disse, é algo que Bernie Sanders falaria, especialmente aumentar impostos para os ricos e pedindo que os super ricos paguem mais da sua fatia”, disse Metthew Kerbel, professor de Ciências Políticas da Villanova University ao Brasil de Fato.
“Isso soa como o tipo de linguagem que a gente ouviria de progressistas de esquerda nos Estados Unidos. Certamente, Biden, antes de se tornar presidente, não era considerado parte desse grupo, mas, como presidente, ele tem tentado impulsionar uma política econômica mais de baixo para cima”, afirmou o professor.
As propostas sobre taxar os super ricos e criar novos programas sociais, porém, soam para muitos como ideias bonitas sem chances de se tornar realidade.
“Nesse momento as chances são zero, porque os republicanos controlam a Câmara e os democratas controlam o Senado, não por muito, e, claro, a Casa Branca. Sob essas circunstâncias, o orçamento do presidente é mais um documento político do que um documento de políticas. O que a administração está fazendo, e administrações têm feito isso há muito tempo em anos eleitorais, é indicar suas prioridades incluindo elas na proposta do orçamento. Mas eu não acho que ninguém na administração acredita que essas propostas podem de fato passar”, explica Kerbel.
Não está claro, ainda, qual será o impacto dessa defesa mais ferrenha das pautas econômicas progressistas. Samra’a Luqman, a ex-eleitora muçulmana de Biden, mostra que o presidente terá grandes dificuldades pela frente:
“A única maneira de votar em Biden seria se ele ressuscitasse todas as 30 mil pessoas que estão mortas [em Gaza]. Não vamos votar em Biden. Essa é uma campanha para abandonar Biden, que não visa apenas abandoná-lo, mas também destituí-lo do cargo”.