Os Jogos Olímpicos de Paris 2024 tendem a ser um dos mais politizados de todos os tempos, já que acontece em um momento no qual o mundo enfrenta duas guerras simultâneas: o conflito entre Rússia e Ucrânia e a ofensiva militar promovida por Israel contra os civis palestinos na Faixa de Gaza.
Com relação à guerra no Donbass, o Comitê Olímpico Internacional (COI) já escolheu um lado ao decidir pelo banimento parcial da Rússia – os atletas do país poderão disputar as competições sem defender a bandeira e o hino do seu país natal.
No entanto, o massacre em Gaza tem sido olimpicamente ignorado pelos organizadores do evento, apesar de que existe sim uma campanha internacional pedindo uma punição rigorosa ao país agressor.
A proposta não compara o caso de Israel com o da Rússia atual, mas sim com da África do Sul no período do apartheid. Durante o regime de segregação sul-africano, na segunda metade do século XX, os atletas do país foram proibidos de participar de grandes eventos esportivos.
Exemplo sul-africano
A medida contra a África do Sul foi parte de um pacote de sanções que buscava obrigar o país a derrubar o regime de apartheid imposto pela minoria colonizadora branca e que oprimia a população negra nativa.
A punição entrou em vigor, a partir da resolução 1761 da Organização das Nações Unidas (ONU), em 6 de novembro de 1962 e estreou dois anos depois, quando os atletas sul-africanos foram proibidos de participar dos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 1964.
No caso de Israel, os defensores da campanha para banir o país dos Jogos de Paris 2024 não usam apenas o massacre que já matou mais de 33 mil pessoas na Faixa de Gaza, mas também o regime de apartheid ao que Tel Aviv submete as populações palestinas tanto em Gaza quanto na Cisjordânia.
A Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal) é uma das organizações que participa dessa campanha. Seu presidente, Ualid Rabah, lembrou a Opera Mundi que a ideia de banir Israel de competições esportivas não é nova.
“Em 2005, quando nasceram os primeiros comitês do movimento de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) aos produtos de colonos sionistas em terras palestinas, já se falava em punir Israel esportivamente e essa ideia nunca foi abandonada. Voltou a ter força agora por causa do massacre, mas é algo que sempre pedimos”, comentou.
O porta-voz da Fepal acredita que a campanha age corretamente ao ressaltar da mesma forma tanto o massacre em Gaza quanto o apartheid aos territórios palestinos para defender a causa do banimento de Israel das competições”.
“O massacre não pode ser ignorado, porque estamos vendo dia após dia os resultados, o aumento das mortes e a situação em que vive toda aquela população, mas o apartheid também é importante porque é algo pelo qual Israel já deveria ter sido sancionado há muito tempo”, afirmou Rabah.
Para defender seu argumento, o representante da comunidade árabe lembra de outra resolução da ONU, de número 3068, oficializada no dia 30 de novembro de 1973, a partir da qual nasceu a Convenção Internacional para a Supressão do Apartheid.
“Essa resolução criou as regras para punir o crime de apartheid em qualquer lugar do mundo, incluindo a exclusão dos países que adotam esse tipo de regime das competições internacionais. E é uma legislação ainda vigente. Portanto, já existe uma base jurídica pela qual se pode banir Israel, pois também há diversos relatórios da ONU que reconhecem a existência de um regime de apartheid (imposto por Tel Aviv) nos territórios palestinos”, completou.
Olímpiadas com Israel
Faltando pouco mais de três meses para o início dos jogos de Paris 2024, as chances de que a campanha de boicote contra Israel tenha resultados agora é pequena, mas seus defensores afirmam esperar resultados a longo prazo.
“Tomando novamente a África do Sul como exemplo, a punição naquele caso foi acontecendo de forma paulatina, primeiro nos Jogos Olímpicos, depois em diferentes modalidades, e também entre os países que aplicavam sanções econômicas. Foi acontecendo aos poucos, até que nos anos 80 o mundo inteiro praticamente isolou aquele regime colonialista e racista. E no caso de Israel tende a ser assim também”, lembrou o presidente da Fepal.
No caso de que os atletas israelenses participem do evento olímpico, Rabah acredita que serão inevitáveis protestos em repúdio ao massacre e em favor da população de Gaza que resiste aos ataques terrestres e bombardeios.
“Haverá, certamente, uma repressão brutal das autoridades francesas contra a livre manifestação das pessoas a favor da causa palestina, o que pode gerar um grande constrangimento ao governo da França. Imagina se, nos anos 40, alguém mandasse reprimir manifestações contra o nazismo. Vai soar como algo desse tipo”, previu o porta-voz palestino.
Rabah também acredita que não só a comunidade árabe residente na França promoverá as manifestações contra Israel, e sim pessoas de todas as nacionalidades.
“Será a maior manifestação a favor de um povo em qualquer evento esportivo em todos os tempos. As pessoas em todo o mundo estão, neste momento, diante do dilema de ver o primeiro genocídio televisionado da história, e sentem que terão de escolher um lado. A maioria vai escolher ficar do lado que repudia o genocídio e os Jogos será o momento ideal para que muitas dessas escolhas venham à tona”, disse.