Historiador isrealense, socialista e professor no College of Social Sciences and International Studies na Universidade de Exeter, diretor do European Centre for Palestine Studies, e co-director do Exeter Centre for Ethno-Political Studies Illan Pappé é um proeminente autor de livros como Dez mitos sobre Israel, Limpeza étnica da Palestina, A ideia de Israel, A história moderna da Palestina e The Biggest Prison on Earth. Filho de imigrantes judeus alemães e nascido em Haifa em 1954, Ilan Pappé é um dos nomes mais importantes entre os chamados “novos historiadores”, grupo israelense que revolucionou profundamente o conhecimento sobre a história da Palestina, do sionismo e do Estado de Israel.
Pappé, também foi professor sênior no departamento de História do Oriente Médio e no Departamento de Ciência Política da Universidade de Haifa, entre 1984 e 2006. Por dedicar seu vasto conhecimento à denúncia corajosa da limpeza étnica do povo palestino, Pappé enfrentou pressões e ameaças que o levaram ao exílio na Inglaterra, onde vive atualmente.
Na última semana, o intelectual israelense Ilan Pappé, deu mais uma de suas muitas palestras em contra-narrativa israelense e Ocidental. O autor conhecido por suas pesquisas históricas minuciosas – que se provam irrefutáveis – falou na Universidade de Gênova, a respeito da colonização contínua na Palestina Ocupada.
“A história nos ensina que a descolonização não é um processo fácil para o colonizador, ele perde seus privilégios, tem que devolver as terras ocupadas, tem que desistir da ideia de um estado-nação de etnia única. Os pacifistas israelenses acham que um dia acordarão em um país igualitário e democrático. Não será tão simples assim, os processos de descolonização são dolorosos: a paz começa quando o colonizador concorda em romper com suas próprias instituições, constituição, leis e distribuição de recursos. No dia em que a colonização da Palestina terminar, alguns israelenses preferirão ir embora, outros permanecerão em um território livre onde não são mais carcereiros de ninguém. Quanto mais cedo os israelenses perceberem isso, menos sangrento será esse processo. De qualquer forma, a história está sempre do lado dos oprimidos, todo colonialismo está fadado ao fim”.
Reprodução/Il Manifesto
Ilan Pappé em palestra a respeito do colonialismo israelense
Em recente entrevista ao Il Manifesto, Pappé respondeu sobre o futuro dos territórios ocupados e como a administração colonial pretende dividir os terrenos palestinos. Ele julga que talvez Israel não tenha um plano definido visto que há várias opções e possibilidades. “Uma delas é a criação em Gaza de uma espécie de Área A- ou B+” o historiador comenta que a ideia de Gantz e Gallant, considerados políticos moderados é “entregar um pedaço da Faixa de Gaza à Autoridade Nacional Palestina e criar uma zona de segurança de 5 a 7 quilômetros. Para Pappé, esta é uma ideia ridícula pois em sua parte mais larga, Gaza tem apenas 12 quilômetros de largura.
A outra opção apresentada pela extrema-direita, é “uma limpeza étnica tão ampla quanto possível, expulsando os palestinos para o Egito ou, de qualquer forma, para o sul de Gaza e retornando os colonos para o norte”. Para ele é muito cedo para saber o que acontecerá, assim como é muito cedo para saber como o mundo reagirá, se haverá uma guerra no norte com o Líbano ou se isso provocará uma nova Intifada na Cisjordânia.
Ao ser questionado a respeito da Nakba (Catástrofe em árabe) e da sua negação por parte de Israel, Ilan responde que o “centro e a esquerda também negaram a Nakba. A direita nunca negou a Nakba, na verdade, ela se orgulha disso. Portanto, não é surpreendente que ela use esse termo agora. O outro motivo é que Israel trata o 7 de outubro como um evento que mudou tudo, não sente mais que precisa ser cauteloso em seu discurso racista, ao falar sobre genocídio e limpeza étnica. Ele percebe o 7 de outubro como o sinal verde para agir com toda liberdade”.
Pappé, um dos maiores intelectuais expoentes e que investiga o sionismo como colonialismo, e o crescimento progressivo da extrema direita israelense, nos coloca como peça fundamental para compreensão das políticas israelenses atuais colocadas em prática no campo de batalha e o porquê são ideias coerentes com a maneira que os primeiros sionistas pensavam o seu projeto. A respeito do que é o sionismo hoje e a judaização da Palestina, ele diz que “mesmo antes do 7 de Outubro já não tínhamos nada a ver com o sionismo. Fomos mais longe, rumo a um ‘judaísmo messiânico’. Estas pessoas, tal como os fanáticos islâmicos, acreditam que têm Deus as apoiando. É um desenvolvimento ideológico que, superando o sionismo pragmático e liberal, o arrasta consigo. Hoje estamos diante de uma ideologia judaica messiânica, racista e fundamentalista que não só acredita que a Palestina pertence apenas ao povo judeu (como fez Netanyahu com a lei do Estado-nação de 2018), mas que pensa ter a licença moral para matar e expulsar todos os palestinos. É uma ideologia muito perigosa. Antes do 7 de Outubro, a sociedade israelense já vivia um conflito aberto entre o sionismo secular e o sionismo religioso”. O autor arremata que esse confronto ideológico irá ressurgir e demonstrar que só a rejeição dos palestinos à sua ideologia consegue manter os israelenses unidos.
Ilan também prevê que o desenvolvimento dos acontecimentos desde o 7 de outubro, o início da queda do sionismo, o que em termos históricos significa um processo de 20 ou 30 anos. “Isso acontecerá porque é uma ideologia colonialista num mundo que agora caminha em outra direção. Se o sionismo tivesse nascido há dois ou três séculos, provavelmente teria alcançado o objetivo de eliminar a população palestina, como aconteceu na Austrália e nos Estados Unidos com a eliminação de povos indígenas. Mas surgiu quando o mundo já tinha rejeitado o conceito de colonialismo e os palestinos já tinham desenvolvido a sua própria identidade nacional”.
A respeito das divisões internas do movimento sionista, ele nos esclarece como esta fissura chegou ao seu clímax, fortalecendo a ala mais radical e de extrema-direita: “Ser um sionista liberal sempre foi problemático. Você tem que mentir para si mesmo o tempo todo, porque não pode ser socialista e colonizador ao mesmo tempo. A sociedade israelense cansou-se, entendeu que tinha que escolher entre ser democrático e ser judeu. Escolheram a natureza judaica. Decidiram que a prioridade era afirmar um Estado racista em vez de compartilhar com os palestinos. Era inevitável, a consequência lógica do projeto sionista. O Israel de hoje é muito mais autêntico do que o da década de 1990”.
Pappé é um intelectual que se debruçou no sionismo como uma ideologia que tem um impacto na vida das pessoas no local. E que significa, em termos muito simples, que o judaísmo como movimento nacional tem o direito e as aspirações de ter a maior parte possível da Palestina com o menor número possível de palestinos.
As incursões militares de Israel contra Gaza, que cometeu inúmeros crimes de guerra e o desejo declarado de expulsar os palestinos, provocou uma reação massiva nas ruas de todo o mundo e dos países do Sul global, em apoio à Palestina. Pressionando o poder Ocidental e a mídia hegemônica, o que faz surgir debates entre os mais diversos meios se há uma mudança de paradigma a nível global. Pappé diz que “estamos assistindo um processo de globalização da Palestina, que é composta por sociedades civis, cidadanias, diferentes movimentos como os indígenas, Black Lives Matter, feminismos, ou seja, todos os movimentos anticoloniais que talvez pouco saibam sobre a questão palestina, mas que sabem bem o que significa opressão”. Para ele, esta Palestina globalizada é capaz de enfrentar Israel, que é composto por governos ocidentais e pela indústria militar. E que para fazermos isso, é necessário conectar as lutas contra as injustiças ao redor do mundo.