Na semana em que as delegações russa e ucraniana iniciaram a quinta rodada de negociações entre os representantes dos países para o fim da invasão na Ucrânia, cientistas políticos defendem que, por conta do conflito, surge uma reconfiguração na Europa, apontando possíveis mudanças para uma “nova ordem econômica global”.
No evento online “A nova geopolítica europeia no contexto da guerra”, transmitido nesta quarta-feira (30/03) nos canais de Opera Mundi, Christophe Ventura, do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas da França (ÍRIS), junto ao jornalista Breno Altman, e as professoras da UFRJ Monica Bruckmann e da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam) Ana Esther Ceceña, debateram a conjuntura da Europa dentro do contexto da Guerra na Ucrânia.
Para Bruckmann, as reconfigurações que o conflito gera não são apenas na Europa, mas influenciam uma “nova ordem econômica” no mundo, mencionado as relações entre Rússia e China, somando a nova Rota da Seda, iniciativa chinesa com uma série de investimentos em diversos setores, como transporte e infraestrutura.
Assista ao evento na íntegra:
“Essa materialidade econômica é uma questão que deve ser levada em conta de maneira consistente para pensar os desdobramentos para os cenários futuros dessa guerra. A sequela está muito marcada pela mudança da economia mundial onde o centro deslocou-se para o Oriente, onde a aliança sino-russa marca muito esse processo”, completou a também coordenadora do Núcleo de Pesquisa de Geopolítica, Integração Regional e Sistema Mundial da UFRJ.
Segundo os organizadores, o tema do evento foi escolhido a partir da importância de pensar elementos do conflito entre Rússia e Ucrânia e seu possível impacto em diversas regiões do mundo, mas olhando exclusivamente para a América Latina. Por isso, Bruckmann defendeu que a operação militar “vai produzir reconfigurações em relação ao papel que a Rússia tem ao resto da Europa, por exemplo ao acesso a recursos naturais estratégicos”.
‘Ordem unipolar’
Por sua vez, o fundador de Opera Mundi, Breno Altman, afirmou a que “ordem unipolar” mundial, dominada pelos Estados Unidos, se deteriorou com o início do conflito armado entre Rússia e Ucrânia no final do mês de fevereiro. O jornalista defendeu durante o evento que foi “quebrado” o “monopólio de guerra” no momento em que Vladimir Putin ordenou a ofensiva militar contra o país vizinho.
“O sistema imperialista liderado pelos Estados Unidos, que chamamos de ordem unipolar, existiu do dia 25 de dezembro de 1991 a 24 de fevereiro de 2022. Deixou de existir quando Putin ordenou o ataque à Ucrânia, assim como foi quebrado o monopólio da guerra”, disse.
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Evento online debateu consequências do conflito Rússia e Ucrânia após um mês de guerra
Altman ainda completou que a partir deste momento o “monopólio da guerra” será calculado de “outra forma por todos os estados e forças políticas envolvidos”.
Ventura também alinhou a Guerra na Ucrânia para uma nova geopolítica na Europa, mas declarando que essa configuração posterior ao conflito também atinge o “mundo inteiro”. Com isso, o diretor do Instituto ÍRIS pontuou que a ofensiva russa abriu um episódio nunca visto antes entre os países europeus, somente com a Segunda Guerra Mundial.
“É uma nova era geopolítica na Europa, mas também no mundo inteiro. Nunca foi vivido isso desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Obviamente tiveram muitos eventos geopolíticos maiores, como a queda do Muro de Berlim, em 1989, e o fim da União Soviética, em 1991, como também as guerras na antiga Iugoslávia, mas nada como o conflito na Ucrânia”, afirmou Ventura.
América Latina
O evento também apontou as possíveis consequências que o conflito na Ucrânia pode resvalar na América Latina. Nesse sentido, a professora Cecenã apontou que, para ela, mesmo sendo menos afetada, os países latino-americanos podem “não resistir à crise alimentar” posta por conta da Guerra na Ucrânia.
“Tenho visto dados sobre partes do mundo que vão ser mais afetadas pela crise alimentar e, efetivamente, a América Latina é um pouco menos afetada que outros lugares do mundo, mas ainda sim não vai resistir à crise alimentar”, afirmou.
Ceceña, que também é coordenadora do Observatório Latino-americano de Geopolítica, questionou a forma que esse conflito é administrado, uma vez que as “duas chaves essenciais” da “reprodução mundial”, produção de energia e alimentos básicos, estão envolvidas por “zonas que estão movendo a geopolítica”.