Uma onda de revoltas e violência se espalhou pelos subúrbios da França a partir do dia 27 de outubro de 2005, quando jovens de famílias de baixa renda – na maioria filhos e netos de imigrantes – queimaram carros, prédios e enfrentaram policiais com pedras e coquetéis Molotov, na maior rebelião no país desde Maio de 1968.
Os distúrbios começaram depois que se espalhou a notícia da morte de dois rapazes em Clichy-sous-Bois, distrito operário a 16km de Paris. Eles teriam sido abordados pela polícia e fugido. Perseguidos pelos policiais, tentaram se esconder dentro de uma subestação de energia elétrica, onde acabaram eletrocutados e morreram.
Outros jovens culparam a polícia pela morte dos colegas, e uma reação espontânea se espalhou pelas periferias de diversas outras cidades francesas em poucos dias, até sair do controle.
Incendiar carros foi a expressão mais comum da revolta. Os ataques sem vítimas miravam na propriedade das classes média e alta, em órgãos do Estado, em ônibus e em alguns alvos aleatórios. Aos poucos, o vandalismo foi migrando das periferias para os centros das cidades. Policiais reagiam com cassetetes e bombas de gás lacrimogêneo.
De outubro a novembro, todas as 15 regiões metropolitanas da França tiveram episódios de distúrbios: Marselha, Lyon, Estrasburgo, Toulouse, Grenoble, Lille, Amiens e várias outras.
Embora a morte dos dois rapazes tenha sido a causa imediata, os distúrbios só ganharam nível de rebelião nacional porque expuseram as condições desiguais de vida para os jovens de classe trabalhadora, muitos deles descendentes de imigrantes e muçulmanos, moradores dos banlieus (palavra francesa para “subúrbio” ou “periferia”).
Mais do que a simples destruição, o episódio de Clichy-sous-Bois desencadeou a vontade de demonstrar a raiva contra o Estado francês por problemas como o desemprego, a intolerância e o racismo.
Wikicommons
Estopim para o movimento de revolta foi o assassinato de dois rapazes na periferia parisiense pela polícia
Em 8 novembro, a situação chegou a tal nível que o governo decretou estado de emergência. O então ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, responsável pela segurança pública, anunciou uma política de “tolerância zero” contra os atos de violência. Chegou mesmo a se referir aos delinquentes como racaille – termo pejorativo tanto para “escória social” quanto para “raça”.
O sucesso em reprimir as revoltas, apesar da violência empregada, valeu a Sarkozy a popularidade que o ajudou a vencer as eleições presidenciais de 2007.
A “pacificação” se deu às custas de uma intensa repressão, que contou com a mobilização de 18 mil policiais (sendo 2,6 mil recrutados às pressas) e a organização de centenas de “patrulhas móveis”.
O estado de emergência permitiu à polícia decretar toques de recolher, realizar batidas, blitze e buscas em residências sem mandado judicial. Até a terceira semana de novembro, todos os focos de distúrbios estavam controlados. Ao final, cerca de 2,8 mil jovens haviam sido detidos e quase 9 mil carros foram queimados. Só uma pessoa morreu.
A chamada “Revolta dos Banlieus” chamou a atenção para as condições de vida dos jovens de baixa renda (cuja baixa qualificação só lhes permite executar trabalhos mal remunerados) e, principalmente, para a questão da integração das comunidades de imigrantes.
Mesmo após a segunda e a terceira geração, muitas pessoas de origem magrebina, árabe ou subsaariana não se sentem cidadãos de pleno direito do país onde vivem – um problema que, assim como a França, outros países da Europa Ocidental ainda não descobriram como resolver.
(*) A série Hoje na História foi concebida e escrita pelo advogado e jornalista Max Altman, falecido em 2016.