Durante a ditadura militar brasileira, o educador Paulo Freire foi interrogado e preso duas vezes. Ele e outros professores, dedicados à pedagogia, foram considerados presos políticos nos primeiros meses do regime pelo mesmo motivo: alfabetizar adultos.
A história dessas prisões, o conteúdo dos interrogatórios e as repressões sofridas por um dois maiores pensadores brasileiros é tema do novo livro da historiadora Joana Salém: Inquérito Paulo Freire: a ditadura interroga o educador (Editora Elefante).
O interesse particular do regime em manter os 40% da população brasileira analfabeta (segundo IBGE de 1960) era continuar excluindo essa parcela da sociedade do direito político ao voto. Por isso, Freire era acusado de criar um método de alfabetização subversivo. Segundo os militares, sua pedagogia teria ampliado a adesão dos brasileiros ao marxismo.
A obra de Salém, também professora da Universidade Federal do ABC (UFABC), revela detalhes sobre as detenções de Freire. A primeira, em 16 de junho, na data de aniversário de sua esposa Elza, quando foi levado de sua casa por dois soldados e permaneceu com paradeiro desconhecido por cerca de 24 horas. Nessa ocasião, oficiais do exército chegaram a negar que o educador estivesse detido, mesmo que sua família tivesse testemunhado a prisão.
Quando admitiram seu cárcere, informaram que estava na Companhia da Guarda do Recife, em Pernambuco, onde “havia muito pouco controle ou coordenação sobre as atividades repressivas”, segundo o historiador Joseph Page, um dos referenciais no livro.
“Freire ficou preso por mais de 70 dias, entre junho e setembro de 1964, na Companhia da Guarda do Recife e na Cadeia de Olinda. Amargou o começo da prisão numa cela solitária, com apenas 60 centímetros de largura e 1,7 metro de comprimento, com “paredes de cimento áspero, [que] não dava para encostar o corpo”, escreve Salém na apresentação da obra.
O livro de Salém também traz os registros dos Inquéritos Policial Militares (IPM), indicando que ele foi interrogado duas vezes pelo Tenente Coronel Hélio Ibiapina Lima, líder do golpe em Pernambuco e comandante do aparato de vigilância e repressão no estado.
O documento, de 1º de julho de 1964, quinze dias depois da primeira prisão, apontava que Freire “era um dos responsáveis pela subversão no campo da alfabetização de adultos” e que “essa subversão era executada com recursos financeiros do próprio governo federal, com ajuda da Aliança para o Progresso [programa de desenvolvimento social na América Latina]”.
Apesar dos relatos de prisão e interrogatórios, Freire não experimentou a ditadura apenas nessas situações. Salém escreve que, durante o golpe, em 31 de março de 1964, o educador estava em capital federal, e na Universidade de Brasília (UnB), sua sala foi invadida e devastada por militares, que confiscaram e destruíram “doze quadros pintados por Francisco Brennand para ilustrar as aulas de alfabetização pelo método Paulo Freire”, entendidos pelos militares como “incentivo à luta armada” e os guerrilheiros.
Inquérito Paulo Freire: a ditadura interroga o educador traz, com exclusividade e na íntegra, os documentos sobre os interrogatórios do regime militar contra o pensador brasileiro. A obra é lançada neste sábado (27/04) às 15h na Livraria Sentimento do Mundo, no bairro de Santa Cecília, em São Paulo.