Publicado pouco antes do período que costuma ser marcado por incêndios na Amazônia, o decreto federal que proíbe as queimadas para fins agrícolas pelos próximos 120 dias na região e no Pantanal nasce enfraquecido por ações do próprio presidente Jair Bolsonaro.
Na quinta-feira (16/07), no mesmo dia em que o Diário Oficial publicou a determinação, Bolsonaro falou sobre o assunto numa transmissão ao vivo e culpou, mais uma vez, a imprensa pelas críticas que o seu governo tem recebido sobre a política ambiental.
Chamando a Europa de “seita ambiental” que “atira” sobre o Brasil o tempo todo, Bolsonaro disse que a imprensa “frauda números” e causa um alarde que é replicado por veículos internacionais.
Ele também afirmou que são moradores tradicionais e indígenas que colocam fogo na Amazônia para manejar o solo cultivado. No entanto, tal afirmação di presidente ignora a lógica do desmatamento da floresta que, tradicionalmente, é seguido pelo fogo como forma de limpar o terreno de grandes propriedades. Estima-se que a pecuária seja a responsável por até 70% da destruição da florestal.
“É o discurso errático de quem é contra a conservação, e que enfraquece o próprio instrumento de combate às queimadas (o decreto, no caso)”, analisa Paulo Barreto, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
Para Barreto, o discurso já configura uma ação política, principalmente por se trata do líder da nação. “O efeito do discurso é muito mais rápido. A destruição vem galopando”.
Ane Alencar, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), acredita que a medida só tem chances de funcionar se realmente houver um posicionamento do presidente que seja favorável ao texto. “Não adianta ter o decreto e dizer que não está concordando muito. A palavra dele é importante para que as pessoas sintam que tem uma força para coibir a ilegalidade”.
A disparada do desmatamento na Amazônia em 2019, seguida pela alta mensal de alertas de destruição florestal em 2020 registrados pelos satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espacias (Inpe) e a perspectiva de repetição de uma temporada severa de queimadas fez com que a pressão de investidores internacionais e ex-ministros sobre o governo federal aumentasse. Na semana passada, o vice-presidente, Hamilton Mourão, chegou a se reunir com representantes de fundos de investimentos e admitiu que eles “querem ver resultado”.
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Incêndios na Amazônia em 2019 provocaram um escândalo internacional, mas, segundo o governo, imprensa provocou um alarde
Fogo vem com desmatamento
Alberto Sezter, pesquisador do Inpe que coordena o Programa Queimadas, pontua que, neste momento, é difícil fazer previsões. “Estamos apenas no início da temporada das queimadas no Brasil Central e Amazônia. É cedo para dar uma visão do que está acontecendo, já que 90% da queima acontece nos meses que virão”, disse por telefone à DW Brasil.
De janeiro até 16 de julho, o Inpe registrou 16.499 focos de calor na Amazônia Legal, o que representa uma queda de 14% em relação ao mesmo período do ano passado. Por outro lado, só no mês de junho, os 2.248 focos de incêndio identificados representou um aumento de 19,57% comparado a junho de 2019 (1.800), que foi recorde para o mês desde 2007.
“Proibir o fogo é um remendo. Mostra que o governo não tem um plano consistente. Ele diz que vai tratar do tema para investidores, mas depois diz que ‘Europa tem uma seita ambiental'. Teríamos que ter regras, implementar as regras, fiscalizar e punir”, comenta Paulo Barreto, do Imazon.
Em 2020, com o contínuo enfraquecimento dos órgãos de fiscalização ambiental no ministério comandado por Ricardo Salles, tropas do Exército, que custam mais aos cofres públicos do que as operações tradicionais do Ibama de combate a crimes ambientais, foram deslocadas mais cedo para a Amazônia.
“Isso mostra que a pressão começou mais cedo neste ano. E o desmatamento também”, pontua Barreto.
Em junho, o corte de florestas na região aumentou pelo 14º mês consecutivo e foi o maior já registrado para o período nos últimos cinco anos. Além disso, um estudo do Ipam revelou que 4.509 quilômetros quadrados de Floresta Amazônica derrubados na temporada passada ainda não foram queimados e podem virar cinzas.
“Uma importante parte do fogo é relacionada ao desmatamento. Como quem desmatou vai se livrar de toneladas de biomassa que ficam no chão? Queimando”, esclarece Ane Alencar, do Ipam.
O cenário acelera a degradação da floresta. “O fogo nesta biomassa que foi derrubada, mais o fogo que é colocado nos pastos aumentam a pressão sobre a floresta e a possibilidade de que o fogo escape para a mata fechada”, esclarece Alencar.
Para quem está inserido na cadeia da ilegalidade, desobedecer decretos faz parte do negócio, acredita Rômulo Batista, porta-voz da campanha de Florestas do Greenpeace Brasil.
“A plataforma Mapbiomas mostra que 99% do desmatamento no ano passado foi ilegal. Se a pessoa desmata ilegalmente, será que ela cumprir uma lei sobre queimadas?”, questiona Batista.
Além das questões ambientais, as queimadas em 2020 podem gerar uma catástrofe de saúde pública. A fumaça prejudica o sistema respiratório de moradores da região expostos também à pandemia do novo coronavírus e sobrecarrega os serviços de saúde.