Depois de quatro anos de paralisia, o Fundo Amazônia volta à ativa. A retomada oficial foi nesta quarta-feira (15/02) com a primeira reunião do Comitê Orientador, Cofa, sob a presidência da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
“A política ambiental brasileira voltou. E, com ela, graças às prioridades e diretrizes do governo Lula, o Fundo Amazônia também voltou”, afirmou a ministra, durante uma coletiva de imprensa após a reunião do Cofa, passo fundamental para reativação dos recursos.
Estabelecido em 2008 com doações principalmente de Noruega e Alemanha, o Fundo Amazônia financiou 102 projetos de combate ao desmatamento e geração de renda no Brasil até 2018.
Ao longo daquela década, os doadores destinaram R$ 3,4 bilhões ao país, com base em uma única contrapartida do governo brasileiro: diminuir a destruição da maior floresta tropical do mundo e, dessa maneira, cortar as emissões de gases de efeito estufa.
Em 2019, quando Jair Bolsonaro assumiu a presidência, o fundo ficou travado internamente por ação da própria administração federal.
Para Marina Silva, que foi peça-chave na criação da iniciativa de cooperação internacional quando esteve à frente da pasta entre 2003 e 2008, Bolsonaro freou a distribuição do dinheiro enquanto a destruição avançava na Amazônia e os povos indígenas sofriam com aumento das invasões em seus territórios.
Durante o governo Bolsonaro, o desmatamento no bioma saltou 59,5% em relação aos quatro anos anteriores. A média anual do corte da floresta foi de 11.396 km², contra 7.145 km² no período anterior (2015-2018), calculou o Observatório do Clima.
Indígenas e fiscalização como prioridade
A escolha dos próximos projetos que receberão apoio seguirão, por enquanto, três prioridades: ações de comando e controle para frear o desmatamento; proteção dos povos indígenas e comunidades tradicionais que vivem na floresta; estudos que deem base para o governo fazer o ordenamento territorial e fundiário na Amazônia.
“Estamos vendo a situação de emergência envolvendo os yanomami, mas isso acontece com vários outros povos, como os munduruku e kayapo”, citou Silva.
Até então, os recursos doados custearam 1.706 missões de fiscalização ambiental, como a que está em andamento na Terra Indígena (TI) Yanomami. Foram cerca de R$ 853 milhões liberados para esse fim, a maior parte destinada ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, Ibama.
O dinheiro disponível deve financiar ainda estudos que ajudarão o governo a decidir qual uso dar aos 57 milhões de hectares de área de floresta ainda sem destinação. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, essas terras deverão se tornar territórios indígenas, unidades de conservação ou de uso sustentável.
No momento, 14 projetos analisados previamente estão qualificados para aprovação quase que automática. Eles ficaram numa espécie de “limbo” nos últimos quatro anos e podem receber de R$ 480 a R$ 600 milhões para saírem do papel.
Neil Palmer/CIAT
Estabelecido em 2008 com doações principalmente de Noruega e Alemanha, o Fundo Amazônia financiou 102 projetos de combate ao desmatamento
Aumento da base de doadores
Desde que Lula foi proclamado vencedor das últimas eleições, a Noruega anunciou a doação de 1 bilhão de dólares ao fundo, seguido por 200 milhões de euros da Alemanha. França e Espanha sinalizaram a intenção de participar, e o governo dos Estados Unidos prometeu fazer aportes. Outro esforço é obter apoio da filantropia, com expectativa de doações na casa dos 100 milhões de dólares.
O montante que o fundo pode receber, por outro lado, tem um limite. Segundo Marina Silva, o valor poderia chegar a 15 bilhões de dólares, com base no crédito de carbono que o Brasil consegue gerar ao reduzir o corte das árvores na Amazônia.
“Bolsonaro nos deu prejuízo. Com o aumento do desmatamento, nós saímos de um crédito em termos de redução de CO2 de 3,7 bilhões de toneladas para 3,3 bilhões de toneladas de carbono. Vendo o custo da tonelada de carbono, você vê o tamanho do prejuízo que isso causou em termos de captação”, explicou Silva.
BNDES em foco
Cabe ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), fazer a gestão desse dinheiro. Segundo Aloizio Mercadante, atual diretor da instituição, os servidores resistiram bravamente para evitar o desmantelamento por completo da iniciativa durante o antigo governo.
Em maio de 2019, meses após ser nomeado como ministro do Meio Ambiente no governo Bolsonaro, Ricardo Salles disse ter encontrado “indícios de irregularidades” no gasto de verbas do fundo. Essa postura foi vista como tática para paralisar os trabalhos e pegou os doadores de surpresa.
Em 2017, o Fundo Amazônia havia passado por uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), a pedido do então líder da bancada ruralista no Congresso Nacional, o deputado Nilson Leitão. A conclusão, no ano seguinte, foi que, de forma geral, a iniciativa era gerida de modo satisfatório e contava com boa aplicação de recursos.
Com a promessa de fazer bom uso do dinheiro doado, Mercadante não negou, quando questionado durante a coletiva, que o mesmo banco, em administrações passadas do Partido dos Trabalhadores, emprestou dinheiro para grandes empresas do agronegócio acusadas de contribuir para o desmatamento na Amazônia.
“Há um grande esforço da agricultura brasileira e da pecuária também para avançar na rastreabilidade”, respondeu. Mercadante disse que quer promover uma mudança da política para concessão de crédito em direção à sustentabilidade e à redução de emissão de gás de efeito estufa.
“E o desmatamento é decisivo, é o que coloca o Brasil no mundo ou tira o Brasil da diplomacia internacinal”, argumentou.
No Brasil, o desmatamento é responsável por 49% das emissões brasileiras. Dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg) apontam que, em 2021, as emissões nacionais atingiram o maior nível em quase duas décadas: foram 2,42 bilhões de toneladas brutas de CO2 (tCO2e) despejadas na atmosfera no período.