O Brasil perdeu nesta semana um dos mais incansáveis militantes da democracia. Após resistir nas greves de Osasco de 1968, na clandestinidade da luta armada, às torturas do regime militar nos porões do DOPS, no trabalho teimoso e vital da imprensa independente e no magistrado, Antonio Roberto Espinosa morreu, na última terça-feira (25/09), aos 72 anos, vítima de um câncer de pulmão.
Em maio deste ano, Opera Mundi conversou com Espinosa e registrou as memórias do grevista, guerrilheiro, jornalista e professor. Engajado desde muito jovem na atividade política, Espinosa fez parte da fundação do chamado Grupo de Osasco, ou Grupo de Esquerda de Osasco, que nasceu no final dos anos 1960. “Era um grupo de estudantes e operários que estudavam no colégio Cenearte e trabalhavam na metalúrgica Cobrasma”, conta.
Segundo Espinosa, que era estudante de filosofia na Universidade de São Paulo (USP), em 1968, “apesar de ser um grande grupo, que dominava a vida cultural da cidade, não era muito organizado. Nossa estruturação começa após o Ibrahim ser eleito presidente do Sindicato”.
Em 1968, José Ibrahim, companheiro de militância de Espinosa, foi eleito presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco com apenas 19 anos de idade. Organizados junto com a Frente Nacional do Trabalho (FNT), os trabalhadores da Companhia Brasileira de Materiais Ferroviários (Cobrasma) mobilizaram uma paralisação no dia 16 de julho de 1968, dando início a uma das primeiras greves de operários que a ditadura civil-militar brasileira enfrentou.
Inspirados pelo exemplo de Contagem, em Minas Gerais, os trabalhadores da Cobrasma esperavam puxar outras fábricas de Osasco para a mobilização. Na cidade mineira, os trabalhadores da ACESITA haviam entrado em greve em fevereiro, seguidos em abril pelos 1.200 metalúrgicos da Belco-Mineira. Logo em seguida vieram a Mannesmann, SIMEL, Metalúrgica-Triângulo, Mafersa, e tantas outras que somaram 15.000 grevistas. O movimento durou dez dias e conquistou reajuste parcial e garantias de não intervenção no sindicato.
Ibrahim e o Grupo de Esquerda de Osasco contavam com outras metalúrgicas para seguirem o exemplo dos trabalhadores da Cobrasma, declarando greve e ocupando a fábrica. No mesmo dia, foram ocupadas a Lonaflex, a Barreto Keller, Granada Fábrica de Fósforos e a Osram.
Entretanto, a repressão às paralisações em Osasco foi brutal e o regime militar estava decidido a acabar com o movimento. No mesmo dia em que a paralisação se iniciou, as tropas do Exército chegaram a Osasco e levam presos a maioria dos grevistas. No dia seguinte, 17 de julho, as fábricas Braseixos, Brown Boveri, Cimaf e Eternit aderem ao movimento e declaram greve em solidariedade à Cobrasma.
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No entanto, a repressão também agiu sobre esses trabalhadores, desocupando a fábrica e prendendo os líderes da greve. No dia 18 de julho, Osasco estava praticamente sitiada pelos militares. Para Espinosa, “em nenhum outro lugar do Brasil a ditadura deixou marcas tão profundas quanto em Osasco”.
“Após a greve, as ruas foram tomadas pelo exército, os cidadãos eram constantemente abordados e tiveram suas liberdades restringidas. Esse movimentos, tanto as greves quanto a luta armada, foram derrotados politicamente pelo regime militar. Porém saíram moralmente vitoriosos”, afirma.
VPR e VAR-Palmares
Os líderes das greves de Osasco foram presos ou obrigados a entrar para a clandestinidade. Ibrahim e Espinosa, assim como a maioria dos membros do Grupo de Esquerda de Osasco, foram para a ilegalidade e integraram o grupo armado Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).
“O número de integrantes da VPR mais que dobrou quando migramos. Foi com a chegada desse nosso grupo que a VPR assume um caráter mais socialista e encara a luta armada ao lado do movimento operário”, diz Espinosa, que foi preso em dezembro de 1969, meses depois de Ibrahim.
O ex-presidente do sindicato foi solto e viajou para o exílio na troca de prisioneiros pela libertação do embaixador norte-americano Charles Elbrick, sequestrado pela guerrilha. Espinosa, que ainda integrou o grupo guerrilheiro VAR-Palmares, ao lado de Carlos Lamarca e Dilma Rousseff, passou quatro anos na prisão, sendo levado ao DOPS e a Oban e passando por sessões de tortura.
O Batente
Em 1974, Espinosa foi solto e passou a se dedicar à profissão de jornalista. Entra para a redação do jornal O Batente em 1979, periódico local voltado para a cobertura dos movimentos sociais em Osasco. Mais tarde fundaria o jornal Primeira Hora, também voltado para a cidade. Após o tempo preso, Espinosa também trabalhou na Editora Abril por cerca de onze anos, quando foi responsável pela coleção “Os Pensadores”.
“O Batente foi uma experiência inédita, pois os próprios militantes dos movimentos populares escreviam e apuravam as matérias para o jornal”, conta o antigo editor-chefe. Espinosa destaca a importância da introdução de certos assuntos na cobertura do periódico, como casos policiais e esportes, “de interesse do leitor geral, mas que encontrava resistência pelos dirigentes de esquerda do jornal”.
Com cobertura do campeonato do futebol de várzea, filmes populares, crimes e assaltos, sindicalismo, pesquisas de preço e economia popular, O Batente passou a ser um dos jornais mais lidos da cidade. Segundo Espinosa, “no fim de sua trajetória, ele já era um dos principais jornais de Osasco”. Com pouco financiamento, a publicação durou apenas 13 edições.
Trajetória acadêmica
Em 1976, se formou em filosofia pela Universidade de São Paulo, retomando a graduação interrompida desde o fim da greve. Espinosa retorna à vida acadêmica em 2005, quando se forma em um curso de pós-graduação em relações internacionais. Em 2011, concluiu seu doutorado em ciência política pela USP, ao final do qual defendeu a tese “A sombra dos Leviatãs: Um estudo crítico dos desencontros entre as faces amistosa e crispada do Estado sob as globalizações e as guerras do Século XXI”, publicado em 2014 pela Editora Humanitas.
Em 2012, começou a dar aulas na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), na área de relações internacionais. Em 2002, ocupou o cargo de secretário Municipal do Trabalho e Emprego na prefeitura de Osasco.
Foi autor de muitos livros, entre eles “Abraços que Sufocam”, lançado em 2000 pela Editora Viramundo, coletânea de artigos publicados em seu jornal Primeira Hora, em que abordava uma dita “apatia” dos movimentos populares após a redemocratização, a conjuntura política do continente sul-americano e lembranças do período da luta armada e das greves de Osasco. Também participou da edição impressa de “Latinoamericana: enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe”, publicado em 2006, pela editora Boitempo.
Espinosa morreu na última terça-feira (25/09) e deixou duas filhas. O velório ocorreu na Sala Osasco, na prefeitura da cidade. O corpo do jornalista foi cremado no cemitério Bosque da Paz, em Vargem Grande (SP).