26 de setembro, estado de Guerrero, México, 2014. Um grupo de 80 alunos da Escola Normal de Ayotzinapa, entre 15 e 25 anos de idade, embarcam em uma jornada sem volta à Cidade do México.
Eles iam de bolsos vazios, mas estavam cheios de esperança. Queriam chegar à marcha em 2 de outubro, que todos os anos comemora os mais de 300 estudantes mortos pelo exército em Tlatelolco em 1968. Esse foi um massacre que, como muitos dizem, mudou o México para sempre. Ou pelo menos até que o de Ayotzinapa ocorreu.
Os estudantes tomaram à força vários ônibus em Iguala e seguiram para a Plaza de Tres Culturas de Tlatelolco, onde nunca chegaram. Seus ônibus foram interceptados por uma confusa combinação de agentes federais, estaduais e locais, membros do exército e traficantes de drogas. Resultado: 3 mortos e 43 desaparecidos. Aqui acaba o consenso sobre o que aconteceu.
Hoje, cinco anos depois, os pais dos jovens de Ayotzinapa continuam buscando justiça e verdade sobre a verdade do desaparecimento dos seus filhos.
“Esses últimos cinco anos significaram muito desgaste físico, emocional, mental e econômico”, diz Felipe de la Cruz, porta-voz dos pais das vítimas de Ayotzinapa.
“Aguentar a impotência tem sido a mais difícil dos últimos 5 anos, porque isso destrói as famílias”, diz Epifanio Álvarez Carvajal, pai de um dos alunos desaparecidos, Jorge Álvarez Nava.
O paradeiro dos estudantes ainda não é conhecido. Também não foi estabelecido um motivo claro para o seu desaparecimento, e há muitas lacunas na investigação devido à sua má gestão pelo governo de Enrique Peña Nieto (2012-2018), cuja presidência coincidiu com os eventos brutais de 26 de setembro de 2014.
O que será do caso Ayotzinapa no governo AMLO?
Durante uma manifestação comemorativa dos eventos de 26 de setembro, realizada na Cidade do México, alguns disseram ter “fé no novo governo, mas não podem confiar ainda”. Eles reconhecem que o atual presidente, Andrés Manuel López Obrador, conhecido pela sigla AMLO, demonstrou uma clara vontade política de descobrir a verdade sobre o que aconteceu naquela noite, mas as ações empreendidas pelo novo governo não foram suficientes para convencer os pais de que as investigações estão no caminho certo.
Durante o governo de Peña Nieto, a hipótese da “verdade histórica”, promovida pelo ex-procurador Jesús Murillo Karam, foi aceita. Isso consiste na teoria de que os estudantes que estavam em quatro ônibus foram parados pela polícia e depois entregues a traficantes de drogas e assassinos da facção ‘Guerreros Unidos’ e seus corpos sem vida incinerados no depósito de Cocula.
Mas um grupo de especialistas independentes argentinos conduziu um estudo aprofundado do depósito de Cocula e revelou, em um relatório de 300 páginas, ser impossível que os estudantes tivesses sido queimados lá. Também foi revelado que Murillo Karam tinha informações telefônicas do FBI que sugeriam que os estudantes ainda estavam vivos. Mas, ao declarar sua teoria da “verdade histórica”, ele decidiu promover a versão já acordada com o governo de Peña Nieto, que fez papel de ridículo por seu tratamento corrupto e desastroso do caso.
Acusados nas ruas
Agora, AMLO herda um desastre: devido a graves lacunas nas investigações governamentais anteriores e violações do devido processo, mais da metade dos acusados foram soltos (77 de um total de 142), incluindo um dos principais acusados, Gildardo. López Astudillo, também conhecido como El Gil, um dos líderes da facção Guerreros Unidos.
Existe também a possibilidade de que sejam soltos José Luis Abarca, ex-prefeito de Iguala, e sua esposa, Maria de los Ángeles Pineda Villa, previamente identificados como os principais autores intelectuais do crime, devido à suspeita de que provas contra eles haja sido obtida através da tortura.
Hilda Hernández Rivera, mãe do aluno desaparecido César Manuel González Hernández, diz que “não há bons governos em relação a este caso. O novo governo está levando o caso com lentidão. Existe vontade política de agir, mas há muitos obstáculos causadas pelo governo que levou o caso até aqui, bem como dentro da promotoria e da polícia federal”.
AMLO assinou um decreto em dezembro de 2018, quando assumiu o cargo, para criar uma Comissão da Verdade especificamente destinada a investigar os eventos de 26 de setembro de 2014, mas depois levou seis meses para nomear o promotor especial responsável pelo caso, adiando ainda mais a investigação.
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Ele já se encontrou várias vezes com os pais e agora prometeu iniciar uma nova investigação do zero, seguindo as sugestões e linhas de investigação abertas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Mas suas palavras e suposta vontade política, na ausência de ações, são interpretadas como uma fachada de um presidente realmente impotente diante de um exército e de uma força policial muito mais poderosa que ele.
Um crime sem motivo?
Apesar de 142 pessoas terem sido presas, uma das principais frustrações sobre as investigações até agora é que haver sido revelado motivo para o desaparecimento forçado dos estudantes.
O jornalista Francisco Cruz rastreou o registro de chamadas de um dos estudantes mortos na noite do desaparecimento forçado, Julio César Mondragón, e estabeleceu com essas informações a possibilidade de que o que aconteceu fosse algo planejado pela polícia e pelo exército.
Segundo Cruz, os estudantes haviam se tornado um foco perigoso para o governo, especialmente para o setor de mineração transnacional. Havia registros de que Ayotzinapa era um ponto de encontro para todos os movimentos e líderes sociais que estavam insatisfeitos com o regime, ele afirma.
Portanto, ele sugere que o estado tenha usado o caos criado pelos estudantes ao tomar os ônibus à força naquela noite para eliminar um grupo de jovens que dificultava muito o desempenho das atividades de mineração na região.
No entanto, essa hipótese não apenas simplifica demais os fatos, mas também promove a ideia entre alguns de que os estudantes mereciam o que havia acontecido por sua “indisciplina”.
Outra hipótese que o governo anterior promoveu sobre o motivo do crime envolve o ex-prefeito de Iguala e sua esposa, atualmente presos. Maria de los Ángeles Pineda iria concorrer às eleições municipais naquele ano e, na noite de 26 de setembro, deu uma festa para celebrar o início da sua campanha política. Portanto, alguns supõem que o casal instruiu um grupo da polícia aliado a narcotraficantes pertencentes ao Guerreros Unidos para gerar um caos sem escrúpulos, abrindo caminho para o desaparecimento.
Mais recentemente, porém, o Grupo Interdisciplinar de Peritos Independentes (GIEI) abriu uma linha de pesquisa que mudou tudo.
Um quinto ônibus?
O relatório do GIEI observou que um quinto ônibus da empresa Estrella Roja foi levado pelos estudantes naquela noite, mas não foi mencionado no relatório da Procuradoria Geral do México (PGR) em sua descrição dos fatos. O relatório diz que a PGR erroneamente afirmou que os estudantes abandonaram e destruíram o ônibus logo após deixar Iguala. O GIEI afirma que os estudantes ainda estavam neste quinto ônibus quando foram atacados e desaparecidos, e que essa é uma parte fundamental da investigação.
O GIEI também demonstra que o veículo apresentado pela PGR à equipe de investigação como o quinto ônibus não correspondia ao veículo gravado pelas câmeras de vigilância e que testemunhos de traficantes de drogas do grupo Guerreros Unidos apontaram que usavam ônibus comerciais para transportar drogas do México para Chicago.
Além disso, os depoimentos coletados pelo GIEI dos estudantes sobreviventes, que conseguiram fugir da cena do crime, contradizem o relatório da PGR de que os próprios estudantes destruíram o quinto ônibus. Existe a possibilidade de o quinto ônibus estar sendo usado para transportar drogas para Chicago quando os estudantes o roubaram, o que causou uma reação violenta da facção e de seus aliados policiais com a intenção de recuperá-lo.
De fato, hoje ainda existe uma empresa “comercial” suspeita, “Transportes Guerrero”, que continua oferecendo viagens de ônibus de Iguala a Chicago, as duas supostas bases da facção Guerreros Unidos.
Essa parece ser a hipótese mais plausível, mas a investigação já leva cinco anos em um ritmo exasperante. Enquanto toda a verdade não for revelada sobre o que aconteceu naquela noite, os pais de Ayotzinapa não poderão descansar em paz e continuarão em um limbo sombrio e desgastante.
Como Hilda Hernández Rivera diz, “sabemos que tudo foi orquestrado, mas eles nunca falaram conosco com honestidade. É por isso que continuamos e continuaremos a exigir do governo a verdade sobre onde estão nossos filhos. É tudo o que queremos”.
Se AMLO, como prometido, conseguir esclarecer os fatos, será um grande alívio e acumulará capital político. Caso contrário, como aconteceu com Peña Nieto, Ayotzinapa será o túmulo de sua credibilidade.