A volta (e os novos desafios) dos indignados
Os 15M do mundo terão de ser criativos, imaginar formas de desobediência civil protegidas pela lei. Terão de construir seus canais de comunicação direta com a cidadania
*Texto publicado originalmente no blog Outras Palavras | Tradução: Antonio Martins
Mas… não estava morto e enterrado o 15-M? Não havia degenerado em violência de rua, para a qual temos a polícia? Não tinham se convertido, os mais sensatos, numa associação legal Democracia Real Já!, devidamente registrada no ministério do Interior? Que resta destes movimento espontâneo, maciço e criativo que contou, durante meses, com apoio moral de três em cada quatro cidadãos?
Logo saberemos. Nas redes sociais já circula o chamado para uma manifestação local e global, em 12 de maio. Reúne milhares de pessoas em todo o mundo, com o lema “Unidos por uma mudança global”. Reativa os protestos que mobilizaram milhões, em 951 cidades e 82 países, em 15 de outubro de 2011. E este movimento rizomático, com múltiplos nós mutantes e autônomos, que vive nas redes sociais da internet e nas pessoas, mantém o fogo da indignação, enquanto as coisas permaneçam como estão.
Aparece, desaparece e reaparece no espaço público para reafirmar sua existência e formular um projeto de mudança social. Por ser movimento sem chefes, baseado na horizontalidade e na participação, sem normas nem programa, supera qualquer circunstância. Não se cria nem se destrói: transforma-se. Sobrevive ao próprio perigo mais comum dos movimentos sociais: a autodestruição por disputas internas.
Certas práticas usuais da esquerda não afetam o 15-M. Quando, há alguns dias, Fabio Gandara (um veternao do movimento) e outras pessoas impacientaram-se e criaram uma associação DRY [Democracia Real Ya], para atuar em nome do movimento, soou o alarme nas redes sociais. Tal decisão, tomada de forma pouco clara e minoritária, segundo parece à maioria dos nós locais do movimento, contrariava os princípios de democracia assembleária sobre os quais se apóia o 15-M. Mas depois de um momento de irritação inicial, adotou-se a atitude de que cada um faz o que quer e não cai o mundo. A declaração do movimento de Valência, que se opôs em 25 abril à ideia da associação era assinada por “Democracia Real Já (o objetivo, não a marca)”, porque não há marca, ninguém pode se apropriar do que não tem proprietário. O 15-M é das pessoas que saem às ruas e debatem na rede, a cada momento: cada um com suas razões, reivindicações, ideais e manias. Por isso, não é nem será um partido ou algo parecido. Também não há problema (exceto se houver trols no meio) se pessoas de boa fé decidirem seguir outro caminho, por objetivos amplamente compartilhados. É uma rede aberta, não uma burocracia fechada.
É muito mais grave um outro perigo que o 15-M enfrenta: a tentativa de deslegitimá-lo diante dos cidadãos e de criminalizá-lo, associando-o aos “violentos”. Quem são estes? Não se sabe muito bem, exceto que são muito poucos e que são rechaçados pela imensa maioria do movimento. Porque o 15-M é, desde sua origem, explicitamente não-violento. Já demonstrou esta opção na prática, quando foi atacado pela polícia e não respondeu com violência que poderia ter se generalizado. É essencial que esta atitude se mantenha, porque a estratégia mais ardilosa para desconectar o movimento de sua referência aos 99% consiste em provocá-lo, até que a TV possa oferecer imagens de caos, violência, destroços e sangue, capazes de afastar a sociedade de quem se atreve a ir às ruas dizendo o que muitos pensam.
Não será fácil evitá-lo. Porque a polícia mostra-se incapaz para fazer algo muito simples, como intervir de modo seletivo quando se queima o primeiro container de lixo ou se apredeja o primeiro banco. Prefere pescar com rede e prender todos os que passam pelo local.
Mas, sobretudo, não será fácil conter a raiva das pessoas, porque os meses passam, a situação piora e os governos continuam indiferentes ao protesto, aplicando de forma arrogante as receitas da “austeridade” e obrigando as pessoas a pagar uma crise que, na visão dos indignados, foi coisa de banqueiros e políticos – que logo salvaram a si mesmos. O caminho institucional para o debate cidadão está bloqueado. A submissão dos parlamentares aos partidos se aplica automaticamente. O partido “socialista” (PSOE), depois de ter começado a bagunça, segue em estado de morte cerebral. Os sindicatos ladram mas não mordem, ou talvez já não tenham dentes. A mídia está midiatizada e procurando comprador. Ministérios e governos locais dedicam-se aos cortes criativos, para ver que novos sacrifícios humanos podem oferecer ao deus dos mercados – que ainda assim não acredita na dívida espanhola, tanto pública quanto privada.
Como não há outra alternativa, milhares de pessoas sairão às ruas em 12 de mio. E como continuamos buscando novas formas de democracia, propõem-se a deliberar, por três dias, nas praças ocupadas. É aí que as autoridades os esperam. Proibido ocupar qualquer espaço público. A alternativa, então, está entre voltar para casa e tudo continua igual ou reafirmar o direito à reunião e ao debate, até que se produzam enfrentamentos com violência, que permitam criminalizar o movimento.
Se houvesse vocação democrática entre os políticos, eles poderiam deixar que os cidadãos se encontrassem em ágoras nestes três dias, deliberassem e propusessem. Seria uma forma de reconectar a sociedade com as instituições. Mas os partidos e governos são visceralmente opostos a um movimento que lhes nega legitimidade. Ou bem se entra nos canais pré-estabelecidos – precisamente aqueles que o movimento denuncia por suas cartas marcadas –, ou se condena os protestos à marginalidade seguida de repressão.
Os indignados terão de ser criativos para sair destes dilema. Precisarão imaginar formas de desobediência civil protegidas pela lei. Terão de mostrar flexibilidade, em seus tempos e espaços de decisão assembleária. Terão de construir seus canais de comunicação direta com a cidadania. Deve-se recordar que a cada dia em que vamos nos dissolvendo na crise, assumem mais razão.
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