Uma boa notícia da semana, com destaque na grande mídia, foi a de que metade dos ingressantes na USP deste ano veio de escolas públicas. Dentro e fora, isso foi saudado como um “grande conquista”, cabendo, portanto, perguntar por que isso é uma conquista? E conquista de quem?
Outras universidades importantes do país têm políticas de inclusão social e étnica mais antigas e consolidadas do que a USP. As Federais da Bahia e de Minas Gerais ou a UFSCar estão entre elas.
Mas a USP, concordemos ou não com os critérios e a validade de rankings, é sistematicamente apontada como a universidade mais importante do Brasil e da América Latina, o que confere à notícia um destaque compreensível.
Também posso afirmar que acompanhei bem de perto a formulação dessa política e sua implantação, que exigiu a habilidade de contornar dificuldades estruturais e resistências políticas e ideológicas internas. Assim, também é uma vitória histórica dos docentes, servidores, estudantes – e dos dirigentes – que apostaram e trabalharam com afinco nessa perspectiva.
Falamos em dificuldades estruturais porque não basta possibilitar o ingresso do estudante de escola pública, normalmente mais pobre do que o oriundo de escola privada. Além de previsíveis diferenças de acesso à informação e do chamado background familiar, há obstáculos muito concretos e materiais, como o custo do transporte, da alimentação ou da aquisição de materiais escolares e agora, em plena pandemia, a desigualdade no acesso digital.
Por isso são fundamentais as políticas de permanência e acolhimento desses ingressantes, o que obviamente exige recursos adicionais, desde subsídio ou gratuidade na alimentação, alojamento, bolsa livros ou iniciativas como a de unidades que oferecem aos ingressantes kits de material didático.
Marcos Santos / USP Imagens
Nascer numa família rica ou remediada não é mérito, mas loteria genética; acesso prévio à informação não é garantia de maior talento
Mas a celebração não é unânime. Para nem falar do clima e das ações do bolsonarismo contra a escola pública, há os críticos internos da inclusão que se apresentam como defensores do mérito e da qualidade, e mesmo algumas tentativas de retrocesso.
As confusões são antigas e conhecidas. Nascer numa família rica ou remediada não é mérito, mas loteria genética. Acesso prévio à informação não é garantia de maior talento ou potencial de aprendizagem.
E o fundamental, que exigiria maior espaço para explicitação, é que há os que acreditamos que, para além de justiça social ou compensação histórica, é a universidade pública e gratuita a maior beneficiária das políticas de inclusão.
Porque ela só se manterá enquanto tal na medida em que a sociedade – e não apenas seu setores privilegiados – a reconhecerem como patrimônio comum e como instrumento de democracia e de soberania a ser defendido.
*Carlos Ferreira Martins é professor titular do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP São Carlos