Um novo equilíbrio geopolítico emerge com uma velocidade inusitada no mundo. O conflito Irã-Israel, a guerra Rússia-OTAN na Ucrânia e a delicada situação em Taiwan desencadeiam esse resultado. No Oriente Médio, o Irã se torna uma potência hegemônica e se integra aos “grandes”. A hegemonia global dos Estados Unidos é mantida com dificuldade crescente, enquanto a posição da China como alternativa se consolida. Nesse contexto, Israel está sendo encapsulado na sua própria loucura.
Os cidadãos comuns do mundo acreditavam que o conflito bélico entre Irã e Israel começou com o bombardeio israelense ao consulado iraniano em Damasco (01/04) e com a resposta do Irã bombardeando bases estratégicas do governo sionista (04/13). Esta, ao que parece, é uma narrativa conveniente para o Ocidente. Qualquer coisa, menos a verdade! Apesar de saberem perfeitamente que esta guerra já dura mais de 40 anos e, nela, os EUA e os seus aliados europeus estiveram sempre presentes tentando manter a sua hegemonia. Vejamos um pouco de história.
Em 1950, o Xá Mohammad Reza Pahlevi, líder político-religioso do Irã, foi um dos primeiros a reconhecer a existência do Estado Judeu quando o resto dos estados muçulmanos da região o negaram. Este “gesto político” tinha debaixo do braço o negócio petrolífero: o Irã produzia e Israel comprava a preços inferiores aos fixados pelo mercado. Esta relação de interesses cresceu a tal ponto que, no início da década de 1970, assinaram um projeto conjunto de produção de mísseis.
A situação mudou com a Revolução Islâmica (1979), quando multidões de estudantes, trabalhadores e grupos islâmicos, liderados por uma aliança surpreendente de islamistas fundamentalistas e guerrilheiros comunistas, repudiaram a “modernização” da sociedade iraniana e a conversão do Xá num fantoche de Washington. As massas exigiram a demissão do Xá por liderar um regime “rendicionista” e a derrubada de Mohammad Mosaddeq, que liderou a nacionalização dos campos petrolíferos iranianos em detrimento das empresas norte-americanas e inglesas.
Com a queda de Reza Pahlevi, a liderança do governo iraniano cabe ao aiatolá Ali Khamenei (clérigo e líder supremo com comando das Forças Armadas) e a Ebrahim Raisi (presidente responsável pela administração governamental). Nunca negaram o seu caráter ultraconservador e não hesitaram em executar adversários desconfortáveis, monitorar a vestimenta das mulheres e prender homossexuais, lésbicas, etc. Por esta razão, é classificado como o mais conservador entre os regimes conservadores do Oriente Médio.
O novo regime se declarava abertamente inimigo dos Estados Unidos, a quem tinha “batizado” como o “grande Satã”, enquanto chamava Israel de “pequeno Satã”. Os iranianos e os norte-americanos, com Israel no meio, não resolvem as suas diferenças há mais de 40 anos, que muitas vezes preferiram induzir confrontos armados e ações terroristas de ambos os lados, embora apenas os Estados Unidos e Israel tenham estabelecido sanções de todos os tipos contra o Irã. Em 2016, Ali Khameini reiterou ao mundo que “o Irã tem muitos inimigos, grandes e pequenos. Existe a pérfida Grã-Bretanha. Mas o primeiro de tudo são os Estados Unidos, esse regime sionista, sinistro e canceroso”.
Neste quadro, a política do Irã mudou radicalmente em relação a Israel. O transformou em seu inimigo mortal e lhe negou o direito de ter um Estado porque “está estabelecido em territórios tomados dos palestinos”.
Em 1989, o aiatolá Ali Khameini tinha consciência da superioridade militar israelense e, ao mesmo tempo que resolvia esta diferença, optou por financiar e treinar militarmente movimentos armados como o Hamas, o Hezbollah e os Houthis do Iêmen que seriam encarregados de assediar Israel e liderar a “guerra nas sombras.”
Esse tipo de guerra, caso o conflito Irã-Israel se agravasse, teria terminado em 1 de abril de 2024, quando Israel decide bombardear a sede consular iraniana em Damasco por “ter apoiado” a ação do Hamas em 7 de outubro de 2023. Em resposta, em 13 de abril de 2024, o Irã atacou Israel com drones equipados militarmente e mísseis ultramodernos direcionados a alvos estratégicos do governo sionista.
Segundo o Irã, este ataque ocorreu em legítima defesa e apenas como uma demonstração de que o país era capaz de penetrar nos sistemas de defesa israelenses. Entre as suas exigências, o governo iraniano exige que Israel pare com o genocídio em Gaza. Além disso, recomenda que Israel se abstenha de atacar o Irã em retaliação porque a resposta poderia ser maior e mais contundente.
A ‘guerra nas sombras’
Certamente há centenas de fatos que explicam a “guerra nas sombras” que Israel e o Irã travaram após a Revolução Islâmica. Os analistas concordam que os seguintes são mais notáveis:
Em 1982, Israel invade o Líbano tentando eliminar a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), que, por sua vez, tinha como principal objetivo a destruição do Estado Sionista e recuperar o seu território. Este fato se tornou motivo para o Irã lançar a sua “guerra nas sombras” contra Israel.
Os cruéis ataques na Argentina (1992 e 1994) contra a Embaixada de Israel e a Associação Mutualista Israelita Argentina tiveram um grande impacto geopolítico. O Irã não assumiu a responsabilidade por eles, mas Milei, uma pró-sionista, disse que estes ataques são iranianos. Israel, por seu lado, assassinou cientistas iranianos por serem membros da equipe responsável pelo Programa Nuclear do Irã. Em meados de 2020, assassinam o General Soleimani, um líder de prestígio com visão do país, mas extremamente desconfortável para Israel e os Estados Unidos.
Para sustentar este tipo de guerra, o Irã promove a organização de proxys, grupos armados apoiados pelas autoridades iranianas no Iraque, na Síria, no Líbano e no Iêmen, que, segundo o governo sionista, “constituem uma ameaça crescente à segurança de Israel”. Vejamos os mais importantes:
- O Hezbollah é o grupo mais antigo e poderoso em atividade desde 1980. A sua influência na política e na economia do Líbano está crescendo. Militarmente, está equipado com foguetes de última geração e de longo alcance, o que tensiona o governo sionista. O seu arsenal inclui mais de 150 mil foguetes e munições guiadas de alta precisão que, entre outros, foram utilizados no ataque israelense de 13 de abril. A “guerra nas sombras” poderia creditar milhares de ações armadas em território israelsense às consequentes respostas do seu governo, apelando também à estratégia das “sombras”.
- A Jihad Islâmica é um grupo armado não-xiita cujos promotores são palestinos em Gaza e é mais antigo que o Hamas. Tem tropas em Gaza e participou no ataque de 7 de outubro. Presente na Cisjordânia, embora seja um grupo relativamente pequeno, conseguiu desestabilizar o norte da Cisjordânia e, segundo o governo sionista, representa uma ameaça crescente.
- Os Houthis do Iêmen, apoiados pelo Irã como os outros, operam desde 2015 e foram classificados como uma ameaça para Israel. Os Houthis recebem assistência técnica e militar do Irã, estabelecendo uma indústria local para produzir mísseis e drones de longo alcance. Depois de 7 de outubro, os Houthis atacaram Eilat (Israel) usando drones e mísseis de cruzeiro, e logo em seguida, mísseis balísticos, enquanto continuavam atacando navios comerciais ligados a Israel.
(*) Nilo Meza é economista e cientista político peruano.
(*) Tradução Rocio Paik.