Quinta-feira, 19 de junho de 2025
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Na semana passada defendi aqui a ideia de que um duplo movimento de inclusão e extroversão da USP é a melhor estratégia para preservar, a curto e médio prazos, a dotação orçamentário e a autonomia desta e das demais universidades estaduais paulistas.

É claro que se pode, e deve, torcer por um governo paulista ciente do papel fundamental do seu sistema de ensino, pesquisa e inovação, de longe o mais forte do país. Mas os dissabores e a angústia vividos hoje por todo o sistema federal de ensino e pesquisa mostra o quão precário e arriscado é contar apenas com o apoio vindo de cima.

Quanto ao primeiro lado da pinça, somente de desinformados ou dos mais empedernidos meritocratas ainda podemos ouvir que o ingresso de alunos da escola pública e as correspondentes cotas de pretos, pardos e indígenas, implique perda de qualidade no ensino. Todos os estudos sistemáticos, na USP ou nas muitas universidades federais que adotaram o sistema de cotas antes de nós, apontam exatamente o contrário.

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Da mesma forma é preciso superar os preconceitos (não os da elite intelectual, mas os da demofobia) para compreender o quanto a atuação das universidades na exteriorização dos seus conhecimentos e competências pode ser benéfica e produtiva, não apenas para a comunidade que as mantém, mas também para elas próprias.

Implantado há apenas quatro anos, o programa “USP – Municípios” já atua em 50 cidades do estado de São Paulo. Pouco, diante dos 645 municípios do Estado, mas indicador de enorme potencialidade. E se lembrarmos que apenas 40 destes têm mais de 200 mil habitantes é fácil imaginar que sua capacidade técnica própria para as atividades de planejamento, definição de políticas públicas nas áreas fundamentais de educação, saúde, mobilidade, meio ambiente, etc. é precária, quando não inexistente.

Esse quadro vem sendo agravado pelo governo paulista com o enfraquecimento de todo o sistema público de apoio técnico às administrações municipais. 

Nenhuma universidade consegue alcançar posições de excelência sem uma profunda interconexão com os interesses de suas comunidades locais e nacionais

Wikicommons

Nenhuma universidade consegue alcançar posições de excelência sem uma profunda interconexão com os interesses de suas comunidades locais

Fundação do Desenvolvimento Administrativo (FUNDAP) e Fundação Faria Lima foram extintos já em 2015. A asfixia financeira e de pessoal tem sido uma constante e a recente decisão de extinção da Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano (Emplasa), da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) e de vários outros institutos de pesquisa e apoio, consolidam a dependência dos municípios de instituições privadas para dar conta até de suas obrigações legais mínimas.

Agora imaginemos que a USP pudesse propor às demais instituições a estruturação de um programa conjunto e articulado “Universidades – Municípios”. Só a rede estadual, USP, Unicamp e UNESP, mais a Fundação Paula Souza (FATECs e ETECs), atua em quase 200 municípios, em todas as regiões do Estado. É isso que está previsto explicitamente no Programa da Chapa “SomosTodosUSP” para a Reitoria da USP na gestão 2022-25 e é uma das fortes razões para que ela tenha meu apoio.

E se pensarmos, numa perspectiva mais ampla, o envolvimento das três universidades federais e dos 37 campi do Instituto Federal de São Paulo, teremos uma rede de apoio técnico à inovação em políticas públicas, altamente qualificada e com uma capilaridade territorial superior à de qualquer país latino-americano e de muitos europeus.

Nessa minha defesa tenho sido perguntado, sobre o lugar da excelência, sobre a autonomia da pesquisa ou ainda sobre a ciência pura. Isso certamente merece um esclarecimento mais cuidadoso. 

Mas desde já aponto que nenhuma universidade de classe mundial (das anglo-saxãs às chinesas, que vem aceleradamente despontando nos rankings internacionais) chegou a essa condição sem uma profunda interconexão com os interesses de suas comunidades locais e nacionais.

Podemos enfrentar isso de cabeça levantada ou continuar insistindo em conversar com nosso umbigos, sob a proteção de uma torre de marfim que há muito deixou de existir.

*Carlos Ferreira Martins é professor titular do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP São Carlos, filho da escola pública, mas também, e com muito orgulho, filho de camponeses que tudo fizeram para que pudesse ser o primeiro da família a chegar à universidade