O livro ‘Um grão de milho’ é resultado de uma entrevista que o comandante guerrilheiro Tomás Borge, da Frente Sandinista de Libertação Nacional da Nicarágua, manteve com o comandante Fidel Castro entre 18 e 20 de abril de 1992.
Fazia pouco que a União Soviética e o bloco socialista acabara de ruir e com cujos países Cuba mantinha a maior parte de seu intercâmbio comercial e de quem recebia assistência econômica e tecnológica. Da noite para o dia, Cuba mergulhava no extraordinariamente difícil “Período Especial” e o povo cubano passava por um duríssimo momento.
Tomás Borge descrevia: “Cuba, acossada pelas mudanças na geopolítica mundial, vítima de uma campanha olímpica de desinformação, mais bloqueada que qualquer país jamais esteve, é objeto de prognósticos fatais. Até os amigos da Revolução Cubana expressam algumas dúvidas sobre os resultados do juízo final.”
‘Um grão de milho’ não é somente uma longa entrevista sobre temas fundamentais. Fidel falou de Stalin, Gorbachov, dos homossexuais e dos crentes.
Vejam esta passagem sobre o milagre de tanta solidariedade com Cuba ante a avalanche de desinformação: “Há suficiente instinto para conhecer a verdade em meio a esta barragem que confundiu tanta gente, inclusive muitos intelectuais, e não confunde, no entanto, as pessoas simples e nobres do povo de Cuba, da América Latina e do mundo, que são capazes de ver, em meio ao mar de mentiras e propaganda, a essência da verdade e conseguem compreender todo o mérito da luta extraordinária, heroica, que nosso povo leva a cabo hoje contra, precisamente, os inimigos da humanidade, os saqueadores por excelência do mundo, os que são símbolos da opressão e da exploração, porque se uma onda de reação prevalecesse por muito tempo, essa reação se encarregaria de escrever a história. Porém, inexoravelmente, depois dessa reação terá de vir – e virá – outra onda, progressista, outra onda, revolucionária, outra onda, de mudança a favor do homem.”
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Fidel julgava então que a esquerda estava passando seu pior momento na América Latina, um momento de grande confusão e desorientação, coisa explicável à raiz da enorme confusão que se criou no mundo todo pelos acontecimentos que se originaram e se desenvolveram na União Soviética e no campo socialista.
Vem à baila o nome de Raul Castro e o sempre controverso tema do poder, a que Fidel responde: “Raúl é um companheiro que tem seus critérios, suas opiniões, seu caráter e sua forma de ser. É um ser muito diferente do que a propaganda inimiga quis pintar. Quem chega a conhecê-lo mais de perto se dá conta de seu humanismo, de sua grande qualidade e de seus sentimentos. Surpreendem-se com Raúl, que pintaram belicoso, agressivo, duro, quando percebem os sentimentos de amizade e carinho que é capaz de demonstrar com as pessoas. Foi e é um grande formador e educador, porque creio que o Ministério das Forças Armadas Revolucionárias tem sido a melhor escola de formação de quadros que temos tido, com muito rigor sempre e com muita exigência.
Sobre a sua substituição eventual como líder de Cuba, Fidel respondeu: “Sempre levei em conta. Sobretudo naqueles primeiros anos em que todos os dias se estavam fazendo planos para eliminar-me. A partir de agora, há que se pensar em alguém que possa exercer minhas funções. E julguei, realmente, que, entre todos os quadros, a pessoa capacitada para exercer essas funções era Raúl. Assim o expus publicamente porque era una necessidade dos momentos que estávamos vivendo”.
Quanto ao poder, vale a pena reproduzir pergunta e resposta:
“Há uma frase muito difundida: O poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente. Como você conseguiu escapar?”.
“Como nunca enxerguei o poder como algo meu, como algo que se desfruta e sim via o poder ou a autoridade, sentindo-me absolutamente identificado com o povo. Como jamais perdi o contato com os homens e mulheres simples do povo, em toda a minha vida, desde o início, trabalhei como um artesão … Sempre fui muito autocrítico comigo mesmo, examinando cada decisão se era correta ou não, se me deixei levar pelo impulso ou não, se me deixei levar um pouco pelo orgulho ou não. Acredito que aprendi a dominar-me a mim mesmo”.