O turista desavisado nem percebe. Faz os percursos tradicionais de museus, cafés e a impagável Torre Eiffel, misto de megalomania com esperteza empresarial encomendada ao arquiteto Gustave Eiffel para a Exposição Internacional de Paris em 1889. São 26 milhões de turistas todos os anos para pouco mais de 2,5 milhões de parisienses. Um baita negócio para o setor de serviços. Mas basta andar um pouco além do Sena para saber que a cidade-luz é uma bomba-relógio prestes a explodir. A contagem regressiva já começou e teve seu primeiro teste nos distúrbios de Saint Denis em 2005.
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Bairros inteiramente étnicos revelam sons, imagens, cenários e figurinos que poderiam inspirar obras imortais para Salvador Dalí, Picasso, Chagall e Giacometti. No campo da filosofia, renderiam boas teses para os existencialistas, sem falar de roteiros para a Nouvelle Vague.
Negros das ex-colônias africanas e das possessões francesas ultramarinas disputam mercado de trabalho, mas também territórios por meio de gangues vinculadas ao tráfico de drogas e à prostituição. Ruas inteiras de salões de cabelereiras ao estilo africano e lojas de cosméticos mostram durante a semana um vigor espantoso ao mesmo tempo que, algumas delas, escondem negócios duvidosos.
O norte da África traz a força do islamismo presente no comércio de forma avassaladora. Impossível não ouvir árabe. Não existe uma só tenda de frutas e verduras que não venda também os livros do Islã. A mesma coisa acontece com as lojas de roupas, de utensílios domésticos, videolocadoras e por aí vai. De tão forte, o Islã se tornou um problema para um estado que se orgulha de ser laico desde a Revolução Francesa de 1789.
Até pouco tempo atrás, milhares de fiéis simplesmente interrompiam o tráfego de Paris para rezar nas ruas próximas às mesquitas abarrotadas de gente. Com tantos fiéis ocupando as ruas, o caos se instalava. No melhor estilo “vou colocar ordem na casa”, Sarkozy, que espera faturar uma reeleição em 2012, proibiu qualquer reza fora das mesquitas, o que provocou uma reação negativa da comunidade muçulmana, mas que ainda não se materializou em votos ou em distúrbios. Para completar a ação do Estado, veio a proibição do uso de véus islâmicos em lugares públicos, medida contestada por várias mulheres muçulmanas e por nenhuma feminista da linhagem de Simone de Beauvoir.
Na parte asiática, antes demarcada pelo resultado da presença da França na Indochina, principalmente vietnamitas e cambojanos, existe uma verdadeira invasão chinesa, cuja força se mede pela compra de grandes empresas francesas, redes de comércio local e por subprodutos como as prostitutas chinesas, as novas personagens das ruas de Paris, algo absolutamente novo como fenômeno social.
Com esse caldeirão étnico que busca força em três pontas sensíveis para desequilibrar uma sociedade democrática (economia, religião e crime organizado) é compreensível o desconforto dos franceses originais, digamos assim, sejam de eles de esquerda ou de direita.
Com a presença da Marianne (cabeça de mulher) em todos os símbolos nacionais e os valores da igualdade, fraternidade e liberdade tremulando mundo afora, os dirigentes franceses tem que buscar fórmulas criativas para desarmar uma bomba-relógio que, ironicamente, foi fruto da maior tolerância já conhecida em qualquer nação do planeta. Uns apostam que medidas de força terão que se impor, como fez Sarkozy. Outros dizem que contra a intolerância, se deve aplicar mais tolerância. O desafio é grande e revelador dos nossos tempos de globalização, especialmente no velho continente.
Boa sorte à França!
Marco Piva é jornalista especializado em política internacional
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