Abaixo, Opera Mundi republica a reposta de Valter Pomar ao artigo de Max Altman ('Antes de acordo, Tsipras deveria ter feito como Fidel: perguntar se povo está disposto a resistir'), publicado na quarta-feira (15/07).
Tenho o maior respeito pelo Max Altman. Muitas vezes concordo com suas opiniões acerca da conjuntura internacional e nacional. Mas acho que ele está equivocado na análise que faz da situação grega.
Vejo três problemas de fundo na análise que ele faz.
Agência Efe
É preciso analisar a posição de Tsipras dentro da estratégia da esquerda europeia
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O primeiro está em não situar a atitude de Tsipras no contexto de uma opção estratégica feita por uma parcela da esquerda europeia.
A saber: aceitar como limite (com o perdão da involuntária ironia) os marcos da União Europeia.
Noutras palavras: uma parcela da esquerda europeia é radicalmente de esquerda, enquanto puder continuar sendo europeia.
Poucos setores da esquerda europeia estão dispostos a cruzar esta linha.
Até onde eu sei, este é o caso do KKE e do PC Português.
Ironicamente, mas não paradoxalmente, na direita nacionalista parece haver mais disposição de romper com a UE.
O compromisso com a Europa é maior, em alguns setores de esquerda, do que seu compromisso com o Estado do Bem Estar Social ou com a “estratégia eleitoral-institucional”.
Obviamente, este compromisso com os marcos da União Europeia torna-se dia a dia uma submissão aos euromarcos, à política econômica controlada pelo grande capital europeu, especialmente o alemão.
O que coloca a esquerda que pretenda continuar de esquerda diante de um desafio mais complexo e mais difícil de resolver, na atual conjuntura internacional, especialmente num país pequeno, pobre e economicamente fragilizado como a Grécia.
E, tendo em vista a situação brasileira, especialmente da esquerda brasileira de que eu e Max Altman fazemos parte, não me sinto em condições de emitir determinados juízos sobre a atitude de Tsipras.
Embora, óbvio, emocionalmente preferisse que ele tivesse escolhido cruzar o Rubicão.
Acredito que Max Altman tenha conhecimento e talvez até concorde com parte do que disse antes.
Mas uma passagem do seu texto demonstra que sua análise contém mesmo uma questão estratégica mal equacionada.
Refiro-me ao seguinte trecho: “A intransigência de Angela Merkel e da troika chegou ao auge, como se entregasse uma mauser carregada ao governo grego e dissesse: aponte a arma para a sua têmpora e atire. O projétil não iria somente matar o futuro grego na Europa. Iria matar a eurozona, que foi criada como fortaleza inexpugnável de paz, esperança, democracia e prosperidade”.
Esta última frase expressa a verdade? Ou é exatamente uma fábula que aprisiona a mente de grande parcela da esquerda?? Merkel é uma aberração ou é uma consequência lógica da União Europeia realmente existente???
O segundo problema de fundo da análise de Max Altman é sua interpretação sobre o resultado do plebiscito grego.
Refiro-me ao seguinte: 1) o “não” ao acordo proposto pela troika mandatava o governo a ir até aonde? 2) quais seriam as consequências caso o governo, sem nenhum tipo de preparação prévia, fosse empurrado para fora do Euro?
Não considero possível julgar a opção de Tsipras, sem levar em conta estes dois aspectos, especialmente o segundo.
O plebiscito – como aliás alertou o KKE – era entre duas alternativas de “ajuste”, o ajuste draconiano proposto pela troika e o ajuste suave proposto pelo governo grego.
Quanto ao segundo ponto, os efeitos catastróficos do Grexit foram muito bem explicados pelo ex-ministro das finanças grego, logo depois dele ter saído do governo e antes dele ter se declarado contrário ao acordo proposto por Tsipras.
A respeito de um Grexit, o texto de Max é quase lírico.
Vejamos o que ele diz que Tsipras deveria ter feito: “Deveria retornar ao seu país e convocar uma grande manifestação, transmitida por rede de televisão e rádio. Informar à população de um país pobre como a Grécia dos graves riscos decorrentes da negativa em aceitar as imposições da “troika”. Dizer claramente que poderiam advir desabastecimento, fome, inflação, desemprego, bancarrotas, agruras de todo tipo. E perguntar ao povo se estaria disposto a resistir. Certamente receberia uma vigorosa resposta afirmativa. Ato contínuo, partir para o entendimento interno com sindicatos, movimentos sociais, instituições públicas a fim de manter alguma ordem e evitar o caos. Arrumar as malas e se dirigir aos povos dos países atingidos pelas mesmas mazelas apelando à solidariedade. Diplomaticamente, buscar apoio internacional, em governos amigos, nas Nações Unidas, no papa Francisco, na Igreja Ortodoxa grega. Alargar a fenda entre França e Alemanha, jogar com Obama que tem um olhar distinto do problema da dívida externa. Enfim, lutar, resistir, com coragem e inteligência”.
Certamente receberia uma vigorosa resposta afirmativa? Certamente, de alguns setores. Mas certamente também receberia uma vigorosa resposta negativa, que não se expressaria apenas em caos, desabastecimento, fome, inflação, desemprego, bancarrotas, agruras de todo tipo. Max parece esquecer que Tsipras ganhou uma eleição, não conquistou o poder. E que a Grécia está no campo de ação da OTAN.
Mas o pior está na ilusão acerca de certa solidariedade internacional. Tsipras disse publicamente que bateu na porta dos Estados Unidos, da Rússia e da China. E não teve apoio.
Podemos criticá-lo por não ter seguido adiante, mesmo sem apoio? Podemos criticá-lo por não tentar repetir, agora, o que fizeram os heroicos guerrilheiros comunistas gregos, na metade do século?
Sim, sempre podemos, embora como já disse eu não me sinta muito bem cobrando dos outros uma valentia que anda escassa por aqui.
Mas acima de tudo não acho que seja pedagógico minimizar os problemas, desconhecer as tentativas feitas e omitir as recusas recebidas.
Para que fique claro, eu não tenho dúvida de que o melhor — estrategicamente falando — para a Grécia e para o restante é uma ruptura com os marcos (!!!) do Euro.
Acho que o julgamento histórico do Syriza e de Tsipras serão definidos pelo que eles venham a fazer em direção a isto, no presente e futuramente.
Mas acho, também, que uma ruptura lançaria a Grécia numa situação de crise, que exigiria uma estratégia totalmente distinta daquela adotada pelo Syriza.
E, para citar (em mal espanhol) um ditado que Max certamente conhece, qual é mesmo o sentido de pedir peras a olmos?
O terceiro problema que vejo na análise de Max Altman está na interpretação unilateral que ele faz de lutar, resistir, com coragem e inteligência.
Sou totalmente a favor disto tudo.
Mas, como Max sabe muito bem, aliás sabe muito mais do que eu, as vezes para lutar e resistir é preciso dar dois passos atrás.
As vezes o mais inteligente e o mais corajoso é saber quando é chegada a hora de recuar.
Quero deixar claro, mais uma vez: não sei se Tsipras fez o certo. Mas acho um total absurdo a comparação que Max faz entre Tsipras e Fidel.
Max tem consciência de que sua comparação pisa em terreno perigoso. Reconhece que “comparações históricas são imprecisas e reducionistas”. Mas mesmo assim insiste em fazer, por um “impulso vital” que na minha opinião tem mais que ver com o Brasil do que com a Grécia.
Max diz o seguinte: “O que me ocorre é o que aconteceu com Cuba em seguida à derrocada da União Soviética. Fidel foi à Praça da Revolução e perguntou à multidão ali reunida se estava disposta a resistir. Resistiram, passaram fome, iam a pé para o trabalho pois não havia combustível para os veículos, assavam folha de bananeira à guisa de filé de carne, apagões diários e intermináveis … Resistiram anos e mantiveram a dignidade e a soberania. Aos poucos, com a solidariedade internacional de povos e medidas locais e internacionais, a situação tendeu a melhorar”.
Não vou discutir o que aconteceu em Cuba nos anos do período especial e depois. Limito-me a lembrar um detalhe que Max sabe mas omite: Fidel era expressão do poder, Tsipras é chefe de governo.
Suas condições para resistir, hoje, são totalmente diferentes das que tinha Fidel, naquela época.
Se Tsipras fosse chefe de um governo revolucionário e capitulasse, ele poderia ser cobrado de maneira mais dura? Claro que sim!
Mas mesmo assim, lembremos o que fez Lenin, chefe de um poder revolucionário recém-conquistado, frente às exigências alemãs em Brest Litovski. Resistiu ou capitulou?
O raciocínio de Max autoriza a perguntar: que posição defenderiam certos críticos de Tsipras, se pudessem opinar na época (não agora, que já sabemos o que aconteceu, mas na época) sobre as negociações de Brest Litovsk?
Defenderiam as mesmas posições de Trotsky? De Radek? De Bukharin? Ou Lenin, que “traiu a revolução” e “capitulou frente aos alemães”, como se dizia na época??
Repito, não sei se Tsipras agiu corretamente. Não sei o que fará. Não sei o que vai acontecer. Mas acho que este tipo de julgamento no fundo moral feito por Max – para quem Tsipras “dobrou os joelhos, perdeu a honra e não terá como respirar nem arrumar a casa” – desconsidera variáveis políticas essenciais.
Como disse antes, entendo o “impulso vital” que nos leva a vociferar contra quem nos parece estar desperdiçando uma grande oportunidade histórica. Mas prefiro ser mais paciente com os gregos e concentrar energias em mostrarmos, nós mesmos e aqui mesmo, que estamos à altura do que a história exige.
* Texto originalmente publicado no Blog de Valter Pomar