A Fundação Cultural Palmares é fruto da luta do movimento negro ao longo da história para o reconhecimento do papel de Zumbi dos Palmares no enfrentamento ao sistema escravagista que explorava povos africanos sequestrados da África.
O presidente da fundação, Sérgio Camargo, ao se referir de forma ofensiva às pessoas que praticam religiões de matriz africana, atua de maneira incompatível com as funções da entidade que dirige e, propagando o racismo religioso, afronta a Constituição federal.
O senhor Sérgio Camargo, ao dizer que na Fundação não haverá mais recursos e parcerias com as entidades geridas por religiões de matrizes africanas, sem delimitar um critério técnico, mas apenas religioso, afronta princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade, conforme determina o caput do artigo 37 da Constituição de 1988; da dignidade da pessoa humana, como determina o inciso III do artigo 1º, e da não discriminação, prevista no inciso IV do artigo 3º da Constituição.
Desde 1988, o Brasil adotou, em sua lei magna, o princípio do combate à discriminação, seja por origem, raça, sexo, cor, idade ou credo religioso. O estado é laico e continuaremos a lutar para que assim o seja.
A conduta do presidente da Fundação Palmares não é algo isolado, sua nítida incapacidade profissional para ocupar um cargo de Estado recebe anteparo do presidente da República que é apontado pela imprensa internacional como o pior líder no enfrentamento à pandemia de covid-19, no mundo.
As recentes manifestações de apoio ao presidente da República têm sido um verdadeiro desfile de intolerância, com pautas retrógradas e de ataque aos poderes estabelecidos, com pedidos de fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, o que evidencia uma postura, por parte do presidente e de seus auxiliares, de ataque aos princípios e fundamentos da Constituição.
Manifestamos, assim, preocupação com o crescente desrespeito às regras democráticas, e reafirmamos que a democracia é incompatível com o racismo que no Brasil é estrutural e precisa ser enfrentado. Embora passados 132 anos da lei abolicionista, a escravidão no Brasil não será eliminada enquanto forem mantidas diferenças salariais, na ocupação de cargos, no acesso às universidades – em especial nos cursos de medicina, engenharia -, nas condições de moradia, entre tantas desigualdades. Enquanto oportunidades e condições entre brancos e negros forem desiguais, não haverá justiça social, nem uma sociedade democrática, justa e harmônica.
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A sociedade precisa levantar-se contra a violência e ter firmeza na defesa da vida da população negra
O assassinato do norte-americano George Floyd despertou indignação no mundo todo e em especial aqui no Brasil, onde a cada dia vidas negras são eliminadas, como Agatha, Miguel, João Pedro e tantos outros.
A sociedade precisa levantar-se contra a violência e ter firmeza na defesa da vida da população negra. A Fundação Palmares precisa resgatar o seu papel de preservar a história e a cultura do povo africano, que durante três séculos, com muito sangue e suor, ergueu este país e, até os dias de hoje, não teve reparados os danos que a chaga do racismo causou nos seus descendentes.
O que assistimos nos últimos domingos pelo país, em especial aqui em São Paulo, foi um grande levante das torcidas organizadas, dos movimentos populares e sociais tradicionais e da juventude negra herdeira da política de cotas e das lutas históricas do movimentos negro, tomando-se protagonista no enfrentamento ao racismo e fascismo e na defesa de uma real democracia.
Por fim, instamos que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) promova de imediato o afastamento de Sérgio Camargo por meio do mandado de segurança coletivo, já interposto à corte. Aguardamos que a Fundação Palmares possa cumprir seus objetivos de promover e valorizar a memória do povo negro brasileiro.
Vidas Negras Importam!
Sem Tolerância ao Racismo!
*Teonilio Barba é deputado estadual e líder da bancada do PT na Assembleia Legislativa de SP. Tiago Soares é secretário estadual de Combate ao Racismo do PT-SP