Viajei para a Venezuela como observador internacional do referendo de 15 de fevereiro decidido a manter uma postura essencialmente objetiva. Assisti a uma eleição civilizada, limpa e democrática, com ampla participação popular, garantida por um sistema eleitoral transparente, confiável e seguro, rigorosamente blindado contra qualquer fraude, fatos corroborados por Washington, por distintos chefes de Estado e chancelarias e pela mídia internacional mais isenta.
O resultado foi uma expressiva vitória do “sim”, garantindo a aprovação da emenda constitucional que permite a postulação contínua para todos os cargos eletivos. Foram 6.319.636 votos, ou 54,86% dos votantes. O “não” alcançou 5.198.006, correspondentes a 45,14%. Para colocar em pratos limpos a avaliação numérica tergiversada pelos meios de comunicação, a comparação da evolução recente dos votos deve ser feita com o referendo da reforma constitucional de 2 de dezembro de 2007.
São tipos similares de eleição e esta comparação é alicerçada e reforçada pelo próprio lema da campanha da oposição: “não” é “não”, em alusão ao fato de o tema já ter sido votado e rejeitado. O “não” saiu vitorioso na ocasião, recebendo 4.521.494 votos, e avançou agora para 5.198.006, crescimento de 14,96%. O “sim”, que havia recebido 4.404.626 votos, cresceu 43,48%. A evolução de ambos os lados se deveu à drástica redução da abstenção, que ficou abaixo dos 30%, e ao aumento do eleitorado.
A vitória do “sim”, além de representar a consolidação da liderança de Hugo Chávez, significa, segundo suas próprias palavras, a continuidade de um projeto revolucionário destinado a implantar naquele solo uma sociedade socialista, democrática e pacífica, tendo o povo como protagonista desta história. A constituição venezuelana, que já previa o referendo revogatório, através do qual o povo pode punir o mau governante, institui agora a postulação contínua para todos os cargos eletivos, a permitir que o bom governo possa persistir.
Panorama sombrio
No entanto, nuvens carregadas pairam no horizonte dos planos do chavismo. A grande ameaça no campo econômico é a queda do preço do barril do petróleo, hoje abaixo dos 40 dólares. Em julho de 2007, o combustível valia 147 dólares. O orçamento do país para 2009 foi elaborado tendo por base o preço do barril em 60 dólares. Sabe-se que o petróleo representa mais ou menos 80% dos ingressos na exportação e 50% da receita fiscal. É o dinheiro da estatal PDVSA que financia em grande parte os programas sociais e o governo Chávez poderá ser levado a reduzir os gastos com esses programas.
A oposição conta com um panorama econômico sombrio derivado da crise internacional para rearticular suas forças, readquirir espaços políticos perdidos por sucessivos erros de avaliação e enfrentar o próximo desafio político, que são as eleições legislativas de novembro de 2010.
Se a crise internacional se arrastar por algum tempo, o governo se verá diante da necessidade de adotar medidas duras que podem afetar diretamente os setores mais pobres da população, base de apoio social do projeto chavista. É fato também que o governo venezuelano conta com reservas em divisas – hoje em torno de 42 bilhões de dólares – e fundos de investimento com China, Rússia e Irã, suficientes para manter os dispêndios sociais em bom nível, porém por um lapso relativamente curto.
Chávez exerce o mandato de presidente há 10 anos. Apesar do golpe de Estado e do locaute petroleiro, seu projeto apresenta relevantes conquistas, particularmente no campo social: redução drástica da pobreza, queda no desemprego, extinção do analfabetismo, avanços sensíveis na saúde e na educação. Contudo, persistem sérios problemas a serem enfrentados nos quatro anos de mandato que lhe restam.
Alimentos
Um deles é garantir a segurança alimentar. Hoje, a Venezuela importa 70% dos alimentos que consome e esta porcentagem precisa ser invertida em curto espaço de tempo. Outro é industrializar o país, definindo com clareza que setores competem ao Estado e quais serão geridos pela iniciativa privada.
Mas há mais desafios. O desempenho de ministros, governadores e prefeitos em muitos casos tem sido desastroso. Diz-se que a derrota do governo nas eleições em Caracas e Sucre, por exemplo, se deveu ao fracasso administrativo. O povo resolveu partir para o chamado “voto de castigo”. Os programas sociais em curso precisam passar por um severo escrutínio.
O povo não pode mais estar sujeito a tão alto grau de criminalidade e insegurança nas ruas, a ponto de boa parte da população preferir se fechar à noite em casa. Como entender que bandos armados continuem desfilando pelos bairros sem serem importunados pela polícia? Se esses problemas não forem enfrentados, haverá certamente erosão na base de sustentação do governo e migração de eleitores para as hostes da oposição.
O conjunto dos desafios pela frente é gigantesco. A oposição local e internacional não dará trégua. Os olhos da América Latina e do mundo estarão atentos à experiência venezuelana. Se o governo Chávez enfrentá-los com êxito, estaremos assistindo a um inédito fenômeno histórico. Se fracassar, certamente virá uma derrocada retumbante.
* Max Altman é advogado, jornalista e presidente do Comitê Brasileiro pela Libertação dos 5 Patriotas
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