Há 60 anos, em 28 de maio de 1964, líderes dos movimentos autonomistas palestinos se reuniam em Jerusalém para fundar a Organização para a Libertação da Palestina (OLP). A nova organização tinha por objetivo unificar em luta em prol da restauração da Pátria palestina, coordenando tanto a resistência armada contra a ocupação
israelense quanto as ações políticas e diplomáticas em defesa da autodeterminação do povo palestino. O movimento de resistência palestino começou a se articular em meio ao colapso do Império Otomano e a subsequente imposição do domínio colonial britânico.
Reagindo à Declaração de Balfour e ao projeto de se criar um “Lar Nacional Judeu” em suas terras, os palestinos organizaram uma série de protestos entre 1920 e 1929. Essas ações evoluíram para uma insurreição liderada pela Alta Comissão Árabe contra o mandato britânico. O levante foi brutalmente reprimido, resultando em milhares de mortes e ensejando uma série de ações de punição coletiva contra a população palestina — antecipando algumas das medidas infames que seriam sistematizadas pela ocupação israelense.
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A repressão britânica à Grande Revolta Árabe desarticulou os movimentos guerrilheiros palestinos, dificultando a resistência à instalação do Estado de Israel em 1948 e ao processo massivo de limpeza étnica imposto pelas forças sionistas. Guerrilhas organizadas pelo Exército Árabe de Libertação e pelo Exército da Guerra Santa se somaram aos esforços da Liga Árabe durante a Primeira Guerra Árabe-Israelense, mas foram subjugados por
Israel em 1949.
A década de 1950 foi marcada por ações de reconstrução da resistência. Em 1959, Yasser Arafat fundou o Fatah (“Movimento de Libertação Nacional da Palestina”), grupo que se tornaria o principal movimento ativo na luta pela independência palestina. Nesse mesmo ano, Ahmed Jibril criaria a Frente pela Libertação da Palestina, outra organização bastante combativa. Em janeiro de 1964, por iniciativa do presidente egípcio Gamal Abdel Nasser, os líderes reunidos na primeira cúpula da Liga Árabe avançaram com a proposta de se criar uma organização que centralizasse e unificasse os movimentos da resistência palestina. A iniciativa foi concretizada em 28 de maio de 1964, quando a Organização para a Libertação da Palestina foi criada com a anuência de 422 lideranças palestinas reunidas em Jerusalém.
Em seu estatuto, a organização se comprometia a lutar pelo direito de retorno dos palestinos exilados e pela criação do Estado da Palestina “com as fronteiras que existiam no período do Mandato Britânico”, rechaçando a proposta de dois Estados e negando a legitimidade do Estado de Israel.
A OLP ambicionava coordenar a atuação dos vários movimentos palestinos em torno de uma estrutura de governança. Assim, sua estrutura administrativa incluía um órgão legislativo (o Conselho Nacional Palestino, um Parlamento com 740 assentos) e um Comitê Executivo (composto por 18 membros). Também possuía o Conselho Central Palestino, incumbido de tomar as decisões políticas quando o Conselho Nacional não está em sessão. O primeiro presidente do Comitê Executivo foi Ahmed Shukairi, que liderou a OLP entre 1964 e 1967, e estabeleceu um importante trabalho de diálogo entre os movimentos. Seu sucessor, Yahia Hammuda, permaneceu no cargo até 1969, quando foi substituído por Yasser Arafat.
Beneficiado pelo enorme prestígio popular do Fatah, então a organização que mais se destacava na luta armada contra as forças israelenses, Arafat se consagraria como líder máximo da resistência palestina. Sua gestão na OLP foi fundamental para devolver ao povo palestino a primazia na condução de seu próprio movimento de libertação nacional, limitando a interferência excessiva da Liga Árabe e de outras forças externas. A longevidade no cargo evidencia a grandeza desta façanha. Arafat permaneceu à frente da OLP por 35 anos, até sua morte em 2004.
A OLP segue até hoje como uma frente majoritariamente composta por organizações de esquerda, abrangendo partidos de diferentes vertentes, de marxistas-leninistas e baathistas até sociais democratas e pan-arabistas. O elemento de coesão que sempre possibilitou a sua articulação interna é o nacionalismo palestino. Entre as organizações filiadas ao movimento estão a Frente Democrática para a Libertação da Palestina (FDLP), a Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP) e o Partido Popular da Palestina (PPP, antigo Partido Comunista Palestino).
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Poster do Líder da Organização para a Libertação da Palestina, Yasser Arafat
O partido hegemônico e efetivo líder da OLP sempre foi o Fatah. Embora todas as agremiações sejam predominantemente compostas por correligionários muçulmanos, a OLP defende princípios políticos seculares desde sua fundação. Tal característica é um dos principais pontos de divergência entre a OLP e os movimentos políticos conservadores vinculados à Irmandade Muçulmana — nomeadamente o Hamas e a Jihad Islâmica. Entre décadas de 1960 e 1980, a OLP coordenou as mais importantes ações militares contra as forças de ocupação de Israel, coordenando uma série de missões de guerrilha e de enfrentamento aberto contra as tropas israelenses, a partir das bases militares estabelecidas na e nos países vizinhos (Líbano, Síria e Jordânia). A OLP apoiou a Liga Árabe durante a Guerra dos Seis Dias e conduziu a chamada “Guerra de Atrito” contra Israel entre 1967 e 1970, lançando ataques de artilharia contra os postos israelenses no Vale de Bet Shean.
Em paralelo às ações militares, a OLP também obteve importantes conquistas diplomáticas. A organização conseguiu o status de membro observador da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1974 e foi reconhecida como “única representante legítima do povo palestino” por mais de 100 Estados com os quais mantém relações diplomáticas — incluindo todos os países membros da Liga Árabe. Os revezes acumulados desde então, entretanto, são muitos. Expulsa da Jordânia durante o chamado “Setembro Negro”, a OLP também perderia
todas as suas bases no Líbano entre 1978 e 1982. Os violentos ataques israelenses, realizados em conluio com as falanges maronitas, forçaram o recuo das tropas palestinas. A OLP viu-se obrigada a se estabelecer na Tunísia, onde permaneceu até 1991. O exílio prejudicou enormemente a organização, que ficou isolada por quase uma década dos debates, movimentos e ações coordenadas pela militância nos territórios palestinos. A OLP também esteve sob potente ofensiva diplomática do governo dos Estados Unidos, que passou a classificá-la como “organização terrorista”. Por fim, as reformas conduzidas por Mikhail Gorbachev na União Soviética e a redução dos repasses financeiros do governo iraquiano reduziram drasticamente a capacidade militar da organização.
Do exílio, a OLP ainda teve força para insuflar a Primeira Intifada e lançar a campanha internacional pelo reconhecimento do Estado da Palestina, mas a pressão externa e as crescentes limitações conduziram a organização a uma estratégia de sucessivas concessões. Em 1988, a OLP renunciou ao seu objetivo inicial de instituir um único Estado palestino no território do antigo Mandato Britânico, passando a concordar com a solução de dois Estados e reconhecendo a legitimidade do Estado de Israel. A OLP também concordou em abandonar a luta armada, dissolvendo a maior parte de suas brigadas.
Em 1993, Arafat subscreveu o Acordo de Paz de Oslo e cedeu à pressão internacional em prol da descentralização da OLP, retirando da organização a responsabilidade pela gestão dos territórios palestinos e repassando tal função para a recém fundada Autoridade Nacional Palestina (ANP).
Israel, no entanto, não honrou os compromissos assumidos e deu continuidade à política de expansão dos assentamentos e à repressão brutal contra o povo palestino. Tal conjuntura ajudou a sedimentar a impressão de que a OLP foi negligente ao fazer inúmeras concessões sem ganhar nada em troca. O abandono das bandeiras históricas, a subserviência excessiva às exigências do Ocidente e arrefecimento do ímpeto revolucionário frustrou a base de apoio da OLP. Ao mesmo tempo, essas ações levaram ao fortalecimento do Hamas, beneficiado pelo
discurso mais radical e incisivo, no mesmo tom da indignação do povo palestino.
Além disso, a criação da ANP fez com que a OLP perdesse a maioria de suas funções históricas, enfraquecendo sua liderança e criando uma indefinição acerca de seu papel institucional. As denúncias de corrupção e de cooperação de membros organização com o governo israelense também ampliaram a erosão do apoio popular.
A posição de Yasser Arafat como líder simultâneo da OLP e da Autoridade Palestina ajudou a manter a coesão por algum tempo. Após sua morte, a cisão se tornou incontornável. Na eleição de 2006, o Hamas obteve uma vitória esmagadora, conquistando a maioria absoluta dos assentos no Conselho Legislativo da Palestina. A ANP não aceitou o resultado e a disputa pelo poder evoluiu para uma guerra civil.
Como consequência, o governo palestino está hoje dividido em dois bolsões, com a OLP/ANP comandando a Cisjordânia e o Hamas controlando a Faixa de Gaza. A fragmentação e o enfraquecimento da resistência palestina não poderiam ocorrer em pior hora — em meio ao massacre mais brutal cometido por Israel em toda a história. A postura vacilante que a OLP tem adotado diante da carnificina israelense e a inação de Mahmoud Abbas, o atual presidente do Comitê Executivo da organização, são evidências claras tamanho do fosso aberto pela melancólica crise de representatividade que paralisa aquela que um dia já foi a mais combativa organização da resistência palestina.