A prisão de cinco membros do partido de esquerda FMLN em El Salvador na noite desta quinta-feira (22/07) e o tratamento que recebem por parte das autoridades têm como objetivo o escárnio público dos opositores e não respeitaram o devido processo legal. Essa é a opinião de Ruth Eleonora López, advogada e integrante da Cristosal, uma organização de direitos humanos que atua em países da América Central.
Para a especialista, as detenções possuem diversas irregularidades, uma delas é a exposição pública dos políticos algemados diante das câmeras. “A percepção do pública é que essas pessoas de fato são delinquentes, não respeitam a presunção de inocência e o motivo disso é o escárnio público dos detidos, isso não é um processo devido”, disse López em entrevista a Opera Mundi.
A polícia salvadorenha efetuou a prisão da ex-ministra da Saúde, Violeta Menjívar; do ex-ministro da Fazenda Juan Ramón Carlos Enrique Cáceres Chávez; da ex-vice-ministra da Ciência e Tecnologia, Erlinda Hándal; do ex-vice-ministro da Agricultura, Hugo Flores; e do ex-deputado Calixto Mejía. Há mandados de prisão pendentes para outros quatro ex-ministros e para o ex-presidente Salvador Sánchez Cerén.
Segundo a advogada, o caráter arbitrário das prisões se manifesta em elementos ilegais observados no momento da abordagem policial. “No caso da ex-ministra [Violeta Menjívar] nós sabemos que ela foi presa sem ser informada do motivo de sua prisão, ou seja, as autoridades não podem simplesmente sequestrar uma pessoa”, afirmou.
López ainda lembra que a presunção de inocência, direito que não foi respeitado no caso desses políticos, “opera como um limite para que o processo ocorra dentro dos marcos legais” e que o princípio deve ser observado pelas autoridades “para qualquer pessoa que seja detida”.
“Ontem vimos detenções que não cumprem com a informação que se deve dar por um suposto delito cometido. A procuradoria, que conduz a investigação, tem obrigações processuais, mas as próprias declarações do procurador-geral vêm carregadas de uma presunção de culpabilidade”, disse.
Ainda de acordo com a especialista, o caso do procurador-geral salvadorenho, Rodolfo Delgado, é agravado pelo fato de ele ter sido “imposto” pelo próprio presidente do país, Nayib Bukele, em maio de 2021, quando a Assembleia Legislativa, de maioria governista, destituiu os juízes da Suprema Corte e pediu a saída de Raúl Melara, que então ocupava a Procuradoria-Geral. A medida foi amplamente criticada por organismos internacionais e classificada pela oposição de El Salvador como um golpe do presidente.
“O procurador-geral foi imposto pelo presidente e, nesse caso, não foi seguido um processo de destituição legal, inclusive os que substituíram os juízes da Suprema Corte não cumpriram as exigências constitucionais”, disse.
A respeito das supostas acusações formais contra os membros do FMLN que foram detidos, Ruth López afirma que ainda há um debate corrente no país se as práticas dos chamados “sobresueldos” – termo utilizado para classificar “bonificações” extras ao salário de membros do governo pagas com despesas reservadas exclusivamente à Presidência da República – constituem de fato um crime.
“No caso das detenções, todas essas pessoas eram funcionárias do governo [do ex-presidente Mauricio Funes (2009-2014)] e elas podem ter recebido esse ‘sobresueldo’”, disse López.
No entanto, a advogada alerta para um problema de seletividade da Justiça, já que a prática envolve desde membros de governos anteriores, do partido de direita Arena, até integrantes atuais do governo de extrema direita de Buekele, “sendo que nenhum desses envolvidos foi preso”.
Elena Polio/Flickr CC
Para Ruth Eleonora López, detenções fazem parte de um cenário maior de crescente autoritarismo por parte do presidente Nayib Bukele
“Há uma seletividade, um uso de instrumentalização da justiça, estamos diante de casos que se está utilizando a lei para desnaturalizar o processo legal”, disse.
Além disso, a especialista explica que há um debate judicial no país se tal prática configura um delito fiscal ou se estaria dentro de atribuições legais de funções. “O fato é que essas prisões ocorrem em meio a uma queda de popularidade de Bukele, um governo que falta com transparência com a população”, alerta López, contextualizando a falta de clareza por parte da Justiça.
Segundo a advogada, o processo que deve ser seguido pelas autoridades a partir de agora é a apresentação dos detidos perante um tribunal para que o juiz decida se as acusações têm ou não procedência. “Eu acho muito difícil eles continuarem presos, mas estamos alertas”, afirmou.
Bukele está destruindo instituições
Os episódios recentes contra a oposição de esquerda, conta López, fazem parte de um cenário maior de destruição das instituições e concentração de poder por parte do presidente Nayib Bukele.
Segundo a advogada, “há uma absoluta criminalização de pessoas ou grupos que denunciam o autoritarismo” do governo e “não existem garantias de respeito ao devido processo legal por conta da concentração de poder por parte do Executivo”.
“Com a vitória eleitoral de Bukele, assistimos de maneira muito rápida a deterioração das instituições e vimos nos últimos dois anos um retrocesso muito forte, estamos em uma situação de retrocesso de desrespeito às instituições muito grave”, afirma.
Ainda segundo López, há uma crescente militarização do país impulsionada pelo presidente, que se manifesta em episódios como a invasão do Congresso pelas Forças Armadas, em fevereiro de 2020.
“Há um incremento não só do orçamento, mas também das faculdades das Forças Armadas, já que existe um apoio mútuo entre elas e o governo”, disse.